64,2 milhões vivem em lares com insegurança alimentar no Brasil
Leonardo Vieceli / folha de sp
O Brasil tinha quase 64,2 milhões de pessoas vivendo em domicílios classificados com algum grau de insegurança alimentar (leve, moderada ou grave) em 2023.
É o que apontam dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) divulgados nesta quinta-feira (25) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
A escala utilizada pelo levantamento contabiliza desde endereços com incerteza quanto ao acesso aos alimentos no futuro até os casos mais extremos, de locais já afetados pela fome.
O contingente de quase 64,2 milhões morava em 21,6 milhões de lares identificados com insegurança alimentar. Esses 21,6 milhões de endereços correspondiam a 27,6% do total de domicílios no país em 2023 (78,3 milhões).
A proporção perdeu força na comparação mais recente da série histórica do IBGE, embora o problema ainda afete quase 3 em cada 10 lares.
O percentual de domicílios em insegurança alimentar era de 36,7% (ou 25,3 milhões) na pesquisa do órgão que havia investigado o tema pela última vez, a POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) 2017-2018
Apesar de os levantamentos serem diferentes, os seus resultados podem ser analisados em conjunto porque seguem a mesma metodologia, indica o instituto.
O IBGE utilizou critérios da Ebia (Escala Brasileira de Insegurança Alimentar) para identificar os domicílios em condição de segurança ou insegurança alimentar.
O órgão não pesquisou o tema no intervalo entre a POF 2017-2018 e a Pnad 2023. Durante esse vácuo, o país amargou os efeitos da pandemia de Covid-19.
Com a crise sanitária e econômica, famílias perderam renda e sentiram a disparada dos preços dos alimentos. Cenas de brasileiros em busca de doações e até de restos de comida ganharam evidência à época.
André Martins, analista do IBGE, associou a redução da insegurança alimentar na Pnad 2023, ante a POF 2017-2018, a fatores como a recuperação do mercado de trabalho e a ampliação de programas sociais.
Outro possível impacto, segundo o pesquisador, veio da deflação (queda dos preços) dos alimentos no ano passado. "A recuperação que a gente vê em outros indicadores vai se refletir no acesso aos alimentos", disse.
Dados divulgados pelo IBGE na semana passada apontaram que a renda per capita bateu recorde no Brasil em 2023.
O rendimento teria sido impulsionado pela melhora do mercado de trabalho e pela ampliação do Bolsa Família, uma das apostas do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O percentual de lares classificados em insegurança alimentar no ano passado (27,6%), contudo, ainda é superior ao registrado pelo IBGE na Pnad de dez anos antes. Segundo a pesquisa, 22,6% dos domicílios estavam nessa situação em 2013.
"O copo meio cheio é estar melhor do que antes da pandemia [2017-2018]. Muito disso está relacionado à expansão do Bolsa Família, que paga R$ 600 hoje, além de benefícios auxiliares", aponta André Salata, coordenador do centro de pesquisas PUCRS Data Social.
"O copo meio vazio é pensar que em torno de um quarto dos domicílios ainda passe por insegurança alimentar, em uma situação pior do que a de dez anos atrás. É uma informação muito grave", pondera.
O QUE É INSEGURANÇA ALIMENTAR?
Os critérios adotados pelo IBGE dividem os lares em três categorias de insegurança alimentar: leve, moderada e grave. O fenômeno não pode ser usado como sinônimo direto para fome, de acordo com o órgão.
A insegurança alimentar leve envolve a preocupação ou a incerteza quanto ao acesso aos alimentos no futuro. Nessa condição, a qualidade da alimentação pode ser afetada para não comprometer a quantidade.
No grau moderado, há redução quantitativa de comida entre adultos e/ou ruptura nos padrões de alimentação.
Já nos domicílios com insegurança alimentar grave, a restrição da quantidade de alimentos também afeta as crianças, quando estão presentes. A ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos atinge todos os moradores, incluindo os mais jovens. Nessa situação, a fome passa a ser uma experiência vivida no domicílio, diz o IBGE.
No ano passado, 3,2 milhões de lares estavam em insegurança alimentar grave no país, o equivalente a 4,1% do total (78,3 milhões). Esses endereços reuniam 8,7 milhões de pessoas.
A insegurança alimentar leve é a mais presente no país. Em 2023, esse grau alcançou 18,2% do total de domicílios, acima do percentual relativo ao nível moderado (5,3%).
A soma das três proporções (4,1%, 18,2% e 5,3%) corresponde ao resultado de 27,6% dos lares em situação de insegurança alimentar no ano passado.
Na Pnad 2004, que marca o início da série divulgada pelo IBGE, o percentual de domicílios com algum nível do problema (leve, moderado ou grave) era de 34,8%.
O tema também foi investigado na Pnad 2009, quando a proporção recuou a 30,2%. Depois disso, houve as pesquisas de 2013 (22,6%), 2017-2018 (36,7%) e 2023 (27,6%).
QUAIS SÃO OS GRUPOS MAIS AFETADOS?
Os dados do IBGE apontam que a insegurança alimentar afeta mais os grupos da população que historicamente também são mais prejudicados por outras desigualdades econômicas e sociais.
Em 2023, 34,5% dos domicílios da área rural conviviam com o problema. O percentual superou o verificado nos lares das regiões urbanas (26,7%).
A área rural costuma apresentar renda média inferior à das cidades, o que ajuda a explicar os resultados, segundo o IBGE. "A questão do rendimento é muito associada à insegurança alimentar", afirmou André Martins, analista do instituto.
Em 2023, apenas 7,9% dos domicílios com insegurança alimentar tinham como responsáveis pessoas com curso superior completo. Esse nível de escolaridade alcançava 23,4% nos lares com segurança alimentar e 19,1% no total de endereços.
As pessoas de referência não tinham instrução em 7,7% dos domicílios com insegurança alimentar. Trata-se de um percentual maior do que os registrados nos lares com segurança alimentar (4,7%) e no total de endereços (5,6%).
Os dados de 2023 também sinalizam disparidades na análise que considera cor ou raça. Pardos eram responsáveis por 54,5% dos lares com insegurança alimentar, percentual superior ao registrado por essa população no total dos domicílios (44,7%).
Quadro similar é verificado quando as pessoas de referência são pretas. Uma fatia de 15,2% dos endereços com insegurança alimentar tinha pretos como responsáveis, patamar maior do que o verificado no total de domicílios (12%).
Quando o foco é a população branca, o cenário se inverte. Entre os lares com insegurança alimentar, 29% tinham brancos como responsáveis, proporção inferior à verificada no total de domicílios (42%).
Outro recorte divulgado pelo IBGE envolve gênero. Em 2023, as mulheres eram responsáveis por 59,4% dos lares com insegurança alimentar, percentual acima do registrado no total dos domicílios (51,7%).
Enquanto isso, os homens eram os moradores de referência em 40,6% dos endereços com o problema, nível inferior ao observado no total (48,3%).
Considerando somente os lares com insegurança alimentar moderada ou grave, o rendimento domiciliar per capita (por pessoa) chegava no máximo a meio salário mínimo em metade dos domicílios em 2023 (50,9%).
DOMICÍLIOS COM SEGURANÇA ALIMENTAR SÃO 72,4%
Conforme o estudo, uma família vive com segurança alimentar quando tem acesso regular e permanente a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades.
Em 2023, o país tinha 72,4% do total de lares nessa situação. O dado equivale a 56,7 milhões de domicílios de um total de 78,3 milhões.
A proporção cresceu ante a POF 2017-2018, quando estava em 63,3%. Porém, ainda ficou abaixo do nível registrado na Pnad 2013 (77,4%).
Os 56,7 milhões de domicílios com segurança alimentar abrigavam quase 152 milhões de moradores. Esse contingente equivale a 70,3% da população total projetada na pesquisa (216,1 milhões de pessoas).
Já os 64,2 milhões de moradores dos domicílios com insegurança alimentar (21,6 milhões de lares) correspondiam a 29,7% da população.
As estimativas populacionais da Pnad ainda não foram atualizadas com base nos resultados do Censo Demográfico 2022, que contabilizou à época menos brasileiros do que o previsto anteriormente pelo IBGE.
Lula critica orçamento da Embrapa e cobra Haddad: 'veio, falou bonito, mas não de dinheiro'
Renato Machado / folha de sp
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participou nesta quinta-feira (25) da cerimônia de aniversário de 51 anos da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e ouviu um sonoro "não" da plateia, ao questionar se a empresa teria os recursos necessários para fazer as pesquisas.
O próprio Lula criticou o orçamento da empresa e disse que é um "absurdo" a empresa não ter todos os recursos que necessita. Então, com um leve sorriso, os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Carlos Fávaro (Agricultura), presentes no evento, acrescentando que ambos discursaram e em nenhum momento abordaram questões de dinheiro e investimentos.
"Eu notei aqui duas coisas legais. O Haddad veio aqui, falou bonito, mas não falou de dinheiro. Aí eu falei [com ele] ,ele tratou com o meu ministro da Agricultura, o Fávaro. O Fávaro é que vai falar de dinheiro. O Fávaro veio aqui, falou, falou, falou, puxou o saco dos funcionários e também não falou de dinheiro", afirmou o presidente.
A única que falou de dinheiro foi a única que não assinou nenhum protocolo, que foi a companheira Luciana, ministra de Minas e Energia [Na verdade, ministra de Ciência e Tecnologia]", completou.
Lula ainda falou que é um "absurdo" a empresa não ter recursos para avançar com todas as pesquisas que considera necessário.
"Muitas vezes não consegue fazer uma pesquisa porque falta R$ 30 milhão [sic], R$ 15 milhão. É uma coisa tão absurda que um centro de conhecimento deixa de fazer uma pesquisa porque falta R$ 1 milhão, R$ 2 milhões. Eu diria que é irresponsabilidade de todo mundo", afirmou o presidente
Lula participou da cerimônia de aniversário dos 51 anos da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), na sede da empresa, em Brasília.
Também estavam presentes os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Carlos Fávaro (Agricultura e Pecuária), Luciana Santos (Ciência, Tecnologia e Inovação), Ester Dweck (Gestão e Inovação em Serviços Públicos) e Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar).
Durante o evento, Lula assinou sete acordos de cooperação envolvendo a Embrapa, sendo um deles com o Banco Mundial e outro com a Agência de Cooperação Internacional do Japão.
Os demais acordos são com os da Fazenda, do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, da Agricultura, da Ciência, Tecnologia e Inovação e com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e com o Consórcio Nordeste.
Após o evento, a presidente da Embrapa, Silvia Massruhá, afirmou que a empresa tem atualmente mais de mil projetos elaborados, que custam cerca de R$ 500 milhões por ano. No entanto, explicou que apenas conta com um terço desses recursos.
O ministro Carlos Fávaro também defendeu mais recursos para a empresa e afirmou que o montante demandado ainda é pouco, quando se leva em conta os benefícios que resultam das pesquisas agrícolas da Embrapa.
"[O valor de] R$ 500 milhões é nada, desculpe a sinceridade, perante tudo aquilo que a Embrapa faz pelo Brasil. Acontece que orçamento público, responsabilidade fiscal, é uma dificuldade de superar. Com apoio do presidente Lula e da iniciativa privada, vamos colocar mais recursos na Embrapa para que ela acelere o desenvolvimento", afirmou.
Na sequência, Fávaro foi questionado sobre a fala do presidente a respeito dos recursos e, sorrindo, respondeu: "Eu não sou ministro da Fazenda".
Haddad, por sua vez, participou apenas de uma parte do evento e saiu alegando que teria um compromisso. Em seu discurso, o ministro elogiou a Embrapa e afirmou que não seria exagero acrescentar que ela é a empresa pública mais "apreciada e admirada".
Na segunda-feira (22), durante cerimônia no Palácio do Planalto, o presidente Lula já havia cobrado ministros para quem atuassem mais na articulação política e citou nominalmente Haddad. Disse que o homem forte da economia, renomado acadêmico, "ao invés de ler um livro, tem que perder algumas horas conversando no Senado e na Câmara".
No dia seguinte, durante café da manhã do presidente com jornalistas, o ministro Paulo Pimenta (Secom) cobrou a imprensa por ter dado destaque para a declaração, afirmando que foi claramente uma brincadeira.
Insegurança alimentar atinge quase 40% dos lares no Norte e no Nordeste
Leonardo Vieceli / folha de sp
Quase 40% dos domicílios no Norte e no Nordeste registraram algum nível de insegurança alimentar (leve, moderada ou grave) em 2023.
As duas regiões são as mais afetadas pelo problema no Brasil, segundo dados divulgados nesta quinta-feira (25) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
No Norte, 39,7% dos domicílios estavam em situação de insegurança alimentar no ano passado, enquanto o percentual relativo ao Nordeste foi de 38,8%.
As proporções superam com folga os resultados do Centro-Oeste (24,3%), do Sudeste (23%) e do Sul (16,6%). Nessas três regiões, os percentuais de domicílios com insegurança alimentar ficaram abaixo da média brasileira em 2023 (27,6%).
Os dados divulgados pelo IBGE integram a Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua).
As proporções de lares com insegurança alimentar caíram no país e nas cinco grandes regiões em 2023, se comparadas com os números da pesquisa do órgão que havia investigado o tema pela última vez, a POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) 2017-2018.
À época, os percentuais eram de 57% no Norte, de 50,3% no Nordeste, de 35,2% no Centro-Oeste, de 31,2% no Sudeste e de 20,7% no Sul. A média brasileira estava em 36,7% na ocasião.
Apesar de os levantamentos serem diferentes, os resultados podem ser analisados em conjunto porque seguem a mesma metodologia, segundo o instituto.
O IBGE diz que utilizou critérios da Ebia (Escala Brasileira de Insegurança Alimentar) para identificar os domicílios em condição de insegurança alimentar.
O órgão não pesquisou o tema no intervalo entre a POF 2017-2018 e a Pnad 2023. Durante esse vácuo, o país amargou os efeitos da pandemia de Covid-19.
Com a crise, famílias perderam renda e sentiram a disparada dos preços dos alimentos. Cenas de brasileiros em busca de doações e até de restos de comida ganharam evidência à época.
Apesar da queda ante a POF 2017-2018, os percentuais de domicílios com insegurança alimentar em 2023 ainda superaram os verificados na Pnad de dez anos antes.
Na pesquisa relativa a 2013, as proporções estavam em 36,1% no Norte, em 38,1% no Nordeste, em 18,2% no Centro-Oeste, em 14,5% no Sudeste e em 14,9% no Sul. A média nacional era de 22,6% à época.
O QUE É INSEGURANÇA ALIMENTAR?
Os critérios adotados pelo IBGE dividem os lares em três categorias de insegurança alimentar: leve, moderada e grave. O fenômeno não pode ser usado como sinônimo direto para fome, de acordo com o órgão.
A insegurança alimentar leve envolve a preocupação ou a incerteza quanto ao acesso aos alimentos no futuro. Nessa condição, a qualidade da alimentação pode ser afetada para não comprometer a quantidade.
No grau moderado, há redução quantitativa de comida entre adultos e/ou ruptura nos padrões de alimentação.
Já nos domicílios com insegurança alimentar grave, a restrição da quantidade de alimentos também afeta as crianças, quando estão presentes. A ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos atinge todos os moradores, incluindo os mais jovens. Nessa situação, a fome passa a ser uma experiência vivida no domicílio, diz o IBGE.
PERCENTUAL É DE QUASE 50% EM SERGIPE
A análise dos números estaduais reforça que a insegurança alimentar é mais presente nas regiões Norte e Nordeste.
Em 2023, o maior percentual de domicílios nessa condição foi verificado em Sergipe: 49,2%. Ou seja, quase metade dos lares locais registrava algum nível do problema.
Pará (47,7%), Maranhão (43,6%), Amazonas (42,6%) e Piauí (42%) vieram na sequência.
Na outra ponta da lista, os menores patamares foram registrados por Santa Catarina (11,2%), Paraná (17,9%), Rio Grande do Sul (18,7%), Rondônia (20%) e Espírito Santo (20,8%).
Considerando somente os níveis moderado e grave de insegurança alimentar, a proporção de domicílios atingidos foi de 9,4% no Brasil em 2023.
O Pará é o estado com o maior percentual de lares nessas condições: 20,3% –o equivalente a 1 em cada 5 endereços. Sergipe (18,7%) e Amapá (18,6%) vêm em seguida.
Por outro lado, os menores patamares de domicílios com insegurança alimentar moderada ou grave estavam em Santa Catarina (3,1%) e Paraná (4,8%). Espírito Santo (5,1%) e Rondônia (5,1%), empatados, apareceram depois.
O IBGE também apontou que as proporções de lares com insegurança alimentar moderada ou grave nas regiões Norte (16%) e Nordeste (14,8%) foram bem superiores às do Centro-Oeste (7,9%), do Sudeste (6,7%) e do Sul (4,7%).
Quantos votos o STF já tem para responsabilizar as redes sociais por conteúdos publicados
Por Bela Megale / O GLOBO
Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) avaliam que já há votos suficientes para responsabilizar as redes sociais sobre os conteúdos publicados em suas plataformas. A coluna conversou com cinco magistrados que afirmam serem favoráveis à responsabilização. Nos cálculos desses ministros, já há ao menos sete votos garantidos entre os 11 membros da corte nesse sentido.
O relator do caso, Dias Toffoli, afirmou que vai liberar, até junho, o julgamento da ação que discute a responsabilidade das redes sociais sobre conteúdos que são postados em suas plataformas. O magistrado tem recebido representantes dessas empresas para falar sobre a ação.
A maioria dos ministros vai se posicionar pela inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. O texto estabeleceu que as redes sociais só podem ser responsabilizadas por postagens em suas plataformas se não cumprirem uma ordem judicial que determina a retirada de conteúdo.
A avaliação dos magistrados à coluna é que a mudança é necessária para que as redes sociais realizem uma autoregulação para coibir postagens que promovam discurso de ódio, ameaças à democracia e às instituições.
A ideia dos magistrados é apresentar, na votação, medidas que devem ser adotadas pelas redes, listando suas responsabilidades.
Essa decisão pode acirrar ainda mais os ânimos entre a corte e empresários como o bilionário Elon Musk, proprietário do “X”.
Briga eterna
Por Merval Pereira / O GLOBO
A declaração do presidente da Câmara, Arthur Lira, de que a disputa pelo Orçamento entre Executivo e Legislativo “continuará para sempre” é sinal de que o ambiente tenso entre os dois Poderes também continuará, não digo para sempre, porque pode-se encontrar um caminho de negociação, mas dificilmente teremos em curto prazo saídas para estabilizar a relação entre um Executivo “progressista” e um Legislativo “conservador”.
A dificuldade maior está em termos uma democracia multipartidária, com diversos partidos de porte médio que trabalham em nichos do eleitorado, não refletindo a média do pensamento brasileiro, mas sua divisão. O presidente disputa uma eleição majoritária, e durante muito tempo a liderança pessoal do presidente vale mais que seu partido. Bolsonaro já pulou para mais de dez partidos políticos, e é ele quem tem os votos.
Lula controla o PT desde a fundação, mas, se mudasse de partido, teria mais votos que qualquer outro candidato petista. Se em 2010 Lula elegeu facilmente Dilma para lhe suceder na Presidência da República, sem ele o PT perdeu força ao longo do tempo e, em 2022, foi eleito mais devido à rejeição da maioria a Bolsonaro que à sua popularidade. Ainda assim, se fosse outro o candidato petista, provavelmente Bolsonaro venceria.
Atualmente, pressionado pelo Congresso e sem a popularidade que o consagrou, Lula é obrigado a aceitar a submissão política ao desejo do Parlamento. O que está em disputa são vetos a ser derrubados em projetos que têm valor político — como a “saidinha” dos presos — e, alguns, monetário, por tratarem das emendas parlamentares, não apenas da liberação, como da data para liberá-las, dificultando o planejamento orçamentário governamental. Vai ser difícil conseguir mantê-los, embora o adiamento da sessão de ontem seja bom sinal para o governo, apesar da irritação de Lira.
Todos os governos pós-ditadura enfrentaram problemas no Legislativo, mas as emendas não eram impositivas, e o presidente da República tinha poderes que hoje não existem mais. Quem inventou a estratégia de controlar as emendas e contingenciá-las para negociar aprovação de projetos no Congresso foi Fernando Henrique Cardoso, e funcionou muito bem no governo dele. Há estudos mostrando que o presidencialismo de coalizão teve seu melhor funcionamento no primeiro governo de FH, quando sua popularidade estava no auge devido ao Plano Real. No governo Lula, já foi diferente. Com a popularidade em alta, ele não precisava pressionar o Congresso. Inicialmente, não queria negociar com o Centrão, naquele momento representado principalmente pelo MDB, e recusou um acordo para montar seu primeiro ministério.
Depois, começou a comprar apoio, usando as estatais como fonte do mensalão, liberando emendas quando queria. Não era uma negociação, era uma compra de apoio. Só que, agora, o mundo mudou, e o Congresso mudou, já não precisa mais do governo para nada. Bolsonaro resolveu a situação simplesmente entregando a decisão sobre o Orçamento para o Congresso, que lidava com o “orçamento secreto” como se fosse um mensalão atualizado.
Há quem chame o atual regime de “parlamentarismo desvirtuado”. Tem de haver uma nova negociação que coloque os dois lados — Executivo e Legislativo — em condições de negociação, não com um sendo obrigado a fazer o que o outro quer, simplesmente por ser maioria. O projeto eleito nas urnas tem de ser respeitado pelo Congresso, mesmo que ele tenha o direito de derrotar o governo. O problema é que o governo vitorioso não apresentou durante a campanha presidencial um projeto de governo, que vem se caracterizando pela repetição de programas já existentes nos governos petistas, na maior parte rejeitados pelo Congresso “conservador”.
Tensão política põe em risco reforma tributária
A regulamentação da essencial reforma tributária começa num clima político desfavorável para o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —o que significa, na prática, a falta de liderança clara do processo. As dificuldades aumentaram com a antecipação da sucessão dos comandos das Casas legislativas.
O sucesso da simplificação dos impostos depende de uma boa legislação complementar, com um mínimo de exceções às novas regras. Entretanto os lobbies por privilégios têm maior chance de êxito num ambiente de fragilização política do Palácio do Planalto.
É grande a complexidade dos detalhes que a regulamentação terá de abordar. Apenas o primeiro dos projetos do Executivo, que trata da lei geral para os novos tributos, tem 500 artigos e 300 páginas, contando os anexos. É mais do que o dobro do Código Tributário Nacional, que conta com 218 artigos.
Se a espinha dorsal da PEC 45, que originou a reforma, era conhecida desde 2019, quando foi protocolada e extensamente debatida, a legislação infraconstitucional é um mundo novo, desconhecido.
Uma discussão central e sujeita a múltiplas pressões é o rol dos setores que terão alíquota reduzida. Num exemplo, quem paga a alíquota mais baixa de educação? Só a escola básica ou também o curso de inglês e a academia de esportes?
Até agora, o ministro Fernando Haddad mostrou estratégia errática na condução do processo de elaboração e envio dos projetos. Prometeu entregar as propostas em conjunto no início deste abril, mas o trabalho atrasou e haverá fatiamento da reforma.
Estados e municípios ainda têm pontos em desacordo com o que o governo quer e também entre eles, como mostrou a Folha.
Tal cenário reforça o risco de que a negociação dos projetos se dê no varejo político, perpetuando distorções do sistema tributário.
Há ainda questões jurídicas a serem enfrentadas. A ministra Regina Helena Costa, do Superior Tribunal de Justiça, manifestou o entendimento de que a principal inovação da reforma tributária —a criação de dois tributos sobre bens e serviços, com competência tributária compartilhada— sinaliza conflitos nos tribunais.
Uma das grandes críticas ao sistema atual é justamente a ineficiência na recuperação e cobrança dos impostos por parte dos fiscos e o enorme contencioso judicial.
A reforma, que só entrará em vigor em 2026, busca uma mudança radical do processo administrativo, com centralização da arrecadação em um comitê gestor e resolução de disputas no STJ.
Sem uma regulamentação precisa, corre-se o risco de perpetuar a mixórdia de exceções e judicializações existentes hoje.