O STF em seu domínio
Por Merval Pereira / O GLOBO
Estamos numa situação em que, passada a maluquice de Bolsonaro, já está na hora de dar um passo atrás. Uma linha tênue, num caso desses, é possível poder concordar. Quando o Supremo abre uma porta, e em outras ocasiões passam soluções com as quais não concordamos, é um problema. O Supremo tem que criar padrões que ele mesmo tem que respeitar.
O STF tem que criar um mecanismo que evite conflitos desnecessários. Nos Estados Unidos chamam de rightness, em que a causa não está madura. O país tem uma diversidade de opiniões, e o Congresso reflete isso, é conservador e em determinados momentos retrógrado.
Se você não aceita a decisão do legislador, tem que mudar o legislador. Isto é, mudar o Congresso. Senão, no fundo, você não acredita na democracia. Na França, a aprovação do aborto na Constituição teve mais de 80% de votos. Aqui no Brasil, um ministro do Supremo disse em uma palestra que, aqui, nem voto para aprovar uma lei têm.
Em uma discussão elitista, estar convencido de que sabe o que será no futuro. Tenho certeza, por certo, de que, no futuro, todos nós seremos vegetarianos, ninguém vai comer carne, disse um ministro. O Supremo julga de acordo com o caso e a cara do freguês. O ministro da Justiça Ricardo Lewandowski foi a público dizer que a delação premiada vai esclarecer no caso Marielle.
Mas ele, quando ministro do Supremo, disse que as delações eram contaminadas por tortura psicológica. Usou a Vaza Jato no voto, e disse que sabia que não podia. Não foi garantista, mas quando anulou as condenações, adotou as do ministro Toffoli. Casuísmo, resultado de uma aplicação inadequada do ativismo judicial.
Portugal, Espanha, França aprovaram a descriminalização da maconha, e o aborto, na Constituição na frente de muitos estados americanos. Prisões alongadas, como a do Tenente-Coronel Mauro Cid, eram rejeitadas, mas aceitáveis na Lava Jato. Isto quer dizer que os ministros do Supremo querem ter o poder para julgar os políticos no STF.
O Supremo não quer o que o ministro Luis Roberto Barroso sugeriu certa vez, criar uma corte especial para os crimes de políticos. Vai criar um super-juiz, e nós vamos fazer o que?, criticaram ministros do STF. Quando criaram o Superior Tribunal de Justiça (STJ) na Constituinte, ficaram contra para não perder o poder. Hoje o STJ tem uma estrutura maior que o Supremo, que antes julgava tudo, e mais o que passou para o STJ.
A escolha do ministro do Supremo virou uma decisão sobre um juiz do tribunal penal político. É garantista, reconhece a política como atuação importante?. É conflito de competência interna. Até o algoritmo está desmoralizado. Alguém que estivesse na posição de Bolsonaro, é razoável ser julgado por Moraes? Estaria definido como “Inimizade capital”, com toda razão.
Os ministros do Supremo Tribunal Federal não se importam mais com o seu compromisso com os demais Poderes. O Direito pressupõe coerência, integridade. Se o Supremo dá o tom, o Judiciário vai atrás, de acordo com a conveniência do momento. Isso importa para garantir a segurança jurídica com as instituições decisivas. Não é possível que se decida que o resultado seja definido por inclinações pessoais.
* Na edição impressa, parte do texto saiu truncado.
Lula, o PT, e agora Janja: viciados em governar apontando inimigos do Brasil. Não funciona mais
Por Fabiano Lana / O ESTADÃO DE SP
O que há em comum entre Lula chamar o ex-presidente Jair Bolsonaro de “covardão” numa reunião ministerial, em a primeira-dama Janja acusar os antecessores de praticamente furtarem móveis do palácio presidencial, algo que se revelou falso e, finalmente, colocar fotos da família desalojada do poder em uma cerimônia de aniversário do Partido dos Trabalhadores? A resposta é: governar nomeando inimigos. Mostrar sempre à sociedade que haveria uma alternativa muito pior do que os atuais mandatários e que é preciso, a todo momento, evitar a volta dessas pessoas vis.
Funcionou bastante na era pós Fernando Henrique Cardoso. Todas as dificuldades enfrentadas eram culpa da famigerada “herança maldita”. Lutava-se para reconstruir o Brasil contra quem o tinha “quebrado três vezes”. Um ou outro lembrava que esse combate ao antecessor era feito sem desmontar o legado deixado – os parâmetros de responsabilidade fiscal ou o modelo dos programas de transferência de renda, que tiveram os nomes mudados, por exemplo. Mas isso era uma tecnicalidade que não teria grande importância no embate político.
Os próprios tucanos, integrantes do partido de FHC, interiorizaram a crítica, e esconderam seu único presidente por um longo tempo. O auge ocorreu em 2010, quando um programa eleitoral do candidato José Serra colocou Lula de maneira elogiosa na TV. Mesmo publicamente, tucanos preferiram atacar tucanos a defender o que construíram.
A crítica e o ataque permanente tem certa razão de ser na política. Examinem nas redes sociais. Postagens hostis a algum inimigo ou adversário repercutem de maneira exponencial. Textos sobre entregas, programas ou obras de uma administração ganham, proporcionalmente, muito menos cliques. Culpam os algoritmos por esse estado de coisas. Mas quem clica é o humano, não a máquina. Caso todos preferissem ouvir Villa-Lobos do que procurar tretas da política ou fofocas sobre celebridades, receberiam nas suas redes opções de compositores da América Latina e não manifestações beligerantes e conspiratórias quaisquer, além das novidades sobre o Big Brother Brasil. Não é a máquina, é o humano.
Por mais de década, o ataque do petismo foi ao PSDB. Eles eram “de direita” (não importava se a base de apoio ao petismo no Congresso fosse à direita dos tucanos), “fascistas”, “não gostavam do povo”, “venderam nosso patrimônio a preço de banana” e por aí seguia o baile com o ápice de o então candidato Geraldo Alckimin, em, 2006, acusado de ter a intenção de privatizar a Petrobras, aparecer publicamente com coletes da petroleira – com o passar dos anos ficou provado que Alckmin interiorizou a crítica de maneira até mesmo surpreendente e, como um Zelig, o personagem de Woody Allen que muda de personalidade a cada circunstância, tornou-se vice-presidente da República.
Com um inimigo à espreita, questões como desenvolvimento, combate à inflação, empregos ou paralisia administrativa podem ficar até em segundo plano nas discussões políticas. Governar assim é politicamente conveniente. Não dura para sempre, porém ajuda a ganhar tempo. Funciona da seguinte maneira: se a situação está desfavorável, culpe o inimigo. Se está favorável, bata o bumbo pelas conquistas e se autocongratule. Prática que poderia estar no guia universal dos administradores públicos.
Para o PT, apontar para um inimigo consta como cláusula pétrea do manual de atuação do partido da estrela vermelha. No governo Lula 3 já tivemos o Banco Central independente culpado pelo baixo crescimento econômico e mesmo o Departamento de Estado americano supostamente responsável por fomentar a Lava Jato (isso deve ser fake news, mas dissertar sobre as fake new petistas exigiria um longo artigo, talvez uma tese acadêmica). O que o governo petista talvez não esperasse é a resistência atual de parte da sociedade ao seus discursos de apontar o dedo para um causador dos males do Brasil.
Nos ataques ao PSDB não havia quem os defendesse. Bastava dizer que um tucano era de “direita” que eles corriam para o divã. Nos ataques ao Bolsonaro há um contra-ataque imediato. Dizer que são de direita é ouvir como resposta: “somos sim, e daí?”, e segue uma lista de impropérios contra os petistas que incluem termos como bandidos e outros que não convêm escrever aqui. O jogo ficou mais bruto, porém mais equilibrado.
Com Jair Bolsonaro, o inimigo seria até mais fácil de nominar, já que é uma figura que de fato apresenta desapreço à democracia (tentou um golpe de Estado!), tem algo de quase completo incivilizado (nos vídeos que vazam, ele mal consegue concluir uma frase sem enfiar uma palavra de baixo-calão no meio), e teve aquela postura medonha durante a pandemia da covid com relação às vacinas, por exemplo. Mas, na prática, temos um vilão que se defende com um exército de seguidores a ecoá-lo, e isso faz a diferença na arena política.
Nesse Brasil mais entrincheirado, atacar um inimigo que também conta com militantes ativos em sua proteção não irá ajudar no objetivo abertamente declarado do governo de aumentar os níveis de popularidade. Quem está do outro lado do muro permanece imune a qualquer tentativa de convencimento. E quem não está de um lado ou de outro pode perceber que no final das contas está sendo apenas enrolado. O constatável é que quando dois grandes grupos brigam, quem está do lado de fora tem ficado sem energias e sem voluntários para constituir sua própria força política.
Filósofo e consultor político
A diferença entre Lula e Bolsonaro em relação ao sigilo do que fazem as primeiras-damas
Por Francisco Leali / O ESTADÃO DE SP
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, agora a vidraça, vê as pedras que jogou na direção do governo Jair Bolsonaro voltarem contra si. Na campanha de 2022, o petista deu status de debate eleitoral à cobrança por falta de transparência na gestão do ex-capitão. De 2019 a 2022, Bolsonaro tentou minar a lei que obriga o Estado a dar acesso a documentos públicos, usou e abusou do sigilo.
No caso mais notório, o governo passado carimbou 100 anos de segredo para a apuração do Exército sobre a participação do então ministro e general Eduardo Pazuello num ato político sem autorização do comandante da Força. Ministérios vários seguiram o mesmo script já que o exemplo vinha de cima. Alguns exemplos: nomes de quem visitou a primeira-dama Michelle Bolsonaro no Palácio da Alvorada e telegramas do Itamaraty sobre a prisão do ex-jogador Ronaldinho Gaúcho no Paraguai e de médico bolsonarista no Egito, e a carteira de vacinação do presidente.
Cara-a-cara com o adversário em debate televisivo, Lula tirou o assunto do bolso: “Vou pegar o seu sigilo e vou botar o povo brasileiro saber porque porque você esconde tanta coisa. Afinal de contas, se é bom não precisa esconder”.
Um corte com a cena do petista fazendo a ameaça-promessa começou a ser compartilhado pelos aliados de Bolsonaro a partir da revelação feito pelo Estadão. Como mostrou o repórter Tácio Lorran, repetindo Bolsonaro, a gestão de Lula também impôs o sigilo de 100 anos a documentos que cidadãos tentaram ver.
Costuma-se pregar que na democracia o sigilo deve ser raro. Mas como aponta o pesquisador norte-americano Mark Fenster, a administração pública, ainda que obrigada por mecanismos legais a ser transparente, pode preferir a opacidade.
“No decurso normal do seu funcionamento burocrático, as organizações públicas criam impedimentos institucionais que obstruem a observação externa. Às vezes fazem isso inadvertidamente, às vezes deliberadamente; às vezes com boas intenções, mas às vezes com intenções antiéticas ou ilegais”, diz Fenster.
Dito de outra forma, todo governo tem seus segredos. Alguns justificáveis, outros nem tanto. No caso dos 100 anos vale uma breve explicação que serve tanto a Bolsonaro como a Lula, porque a legislação que trata do assunto vale para ambos.
A Lei de Acesso à Informação tem um artigo, o 31, estabelecendo que as informações que o Estado detém sobre a “intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas” devem ficar protegidas por sigilo de um século. Esse artigo serve para, por exemplo, o governo negar acesso a um documento pessoal que esteja sob a guarda oficial.
Agora, quando se trata de servidores públicos no exercício da função ou pessoas politicamente expostas o critério, pelo menos teoricamente, deve ser outro. Assim, se o general Pazuello foi investigado pelo Exército e depois absolvido, qualquer cidadão pode e deve ter direito de saber o que se passou no âmbito da administração para fazer seu juízo de que a administração pública atuou como se espera.
Mas a gestão Bolsonaro disse não. O Exército queria guardar os documentos do ex-ministro da Saúde, hoje deputado federal, por 100 anos.
O governo passado fez o mesmo quando um cidadão que se identificou como jornalista da BBC Brasil pediu a lista de pessoas que visitaram a primeira-dama Michelle Bolsonaro no Alvorada. Resposta na época: “Prezado cidadão, esclarecemos que as informações solicitadas dizem respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, protegidas com restrição de acesso, nos termos do artigo 31 da Lei de Acesso à Informação”. Pronto, estava ali dito sem dizer: isso só vamos revelar daqui a 100 anos.
Lula prometeu mudar isso. Assumiu o cargo e a Controladoria-Geral da União (CGU) foi incumbida de rever os casos de pedidos de informação em que a gestão Bolsonaro optou pelo segredo. O trabalho foi feito e boa parte das informações foi aberta. Uma delas justamente as visitas à senhora Michelle. E ficamos sabendo que por baixo do manto do sigilo estavam 565 registros de entrada na residência oficial do Alvorada entre janeiro de 2021 e dezembro de 2022. Na lista tinha pastor e “personal stlyist”, entre outros.
No novo governo, uma pessoa fez pedido similar sobre a atual primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja. Resposta da Casa Civil: “Prezada Cidadã, esclarecemos que o pedido não poderá ser atendido em função do Enunciado CGU nº 02/2023, que afirma: “Os registros de entrada e saída de pessoas em residências oficiais do Presidente e do Vice-presidente da República são informações que devem ser protegidas por revelarem aspectos da intimidade e vida privada das autoridades públicas e de seus familiares, salvo se tais registros disserem respeito a agendas oficiais, as quais têm como regra a publicidade, ou se referirem a agentes privados que estejam representando interesses junto à Administração Pública”.
Trocando em miúdos, visitas a Janja no Alvorada não podemos ficar sabendo, ainda que ela seja pessoa pública e mais do que abertamente já deixou claro que tem uma atuação política. No começo de 2023, tomou a dianteira e abriu o mesmo Alvorada para mostrar à imprensa o estado da residência pós-Bolsonaro.
Tal protagonismo acabou gerando um fato peculiar na administração pública. A foto de Janja dando entrevista foi usada em documento oficial, uma nota técnica produzida pela Presidência, para relatar os problemas com o mobiliário que foi parcialmente renovado. No embalo, a gestão petista ainda acusou a anterior de dar sumiço em 261 itens que deveriam estar no palácio. Esta semana, soube-se que o que estava desaparecido, apareceu.
Semelhanças e diferenças
Se não mostra quem a primeira-dama recebe na residência oficial, como o governo Bolsonaro fazia com Michelle, a gestão Lula adota uma nova regra para dar conhecimento com quem Janja se reúne no Planalto. Em 2023, quem pediu as agendas oficiais, recebeu a lista que incluía até a informação “almoço com o presidente”.
Diante da comparação com a gestão passada, o governo Lula difere no discurso pró-transparência, mas, na prática, ainda que tenha exemplos de que vai na direção oposta do antecessor, escorrega. Os 100 anos impostos em pedidos de informação enviados por cidadãos a vários ministros são um exemplo. Outro já foi até motivo de zombaria.
O então ministro da Justiça, Flávio Dino, foi vencedor do troféu “cadeado de chumbo” concedido por fórum de entidades que defendem a transparência governamental. Um cidadão pediu acesso a relatórios de inteligência da pasta de Dino. Ele negou. A CGU mandou o ministro entregar. Dino recorreu e a Controladoria mudou de posição e “desdecidiu” fazendo com que os relatórios continuassem em segredo.
O caso do Ministério da Justiça foi escolhido como o pior exemplo de 2023 de como um governo pode lidar ou não lidar com a transparência dos documentos que guarda. E costuma ser assim: vez ou outra alguém tem que lembrar à administração que ela não é proprietária dos documentos oficiais. O verbo em questão é guardar e não esconder.
Direita popular: três presidentes mais bem avaliados da América Latina são de direita
Por Bruno Soller / O ESTADÃO DE SP
Marcada por ditaduras militares bastante repressivas, nos anos 70 e 80, a América Latina fez uma transição dos regimes autoritários para a democracia com uma característica bastante comum aos presidentes eleitos nos anos 90. Os chamados neoliberais, pela esquerda, fizeram a reabertura dos países e foram responsáveis por criar uma base econômica, que por muitas vezes não foi suficiente para sustentar crescimento e resolver desigualdades.
No Brasil, o Plano Real, elaborado por Fernando Henrique Cardoso e Itamar Franco foi fundamental para combater as altas taxas de inflação. Na Argentina, o início do governo Carlos Menem foi marcado pelo plano de conversabilidade, também focado em estancar a inflação galopante que se via no país, além de uma série de privatizações. Dessa mesma maneira Gonzálo Sanches de Lozada com sua “terapia de choque” criou uma guerra contra a hiperinflação, na Bolívia. As medidas econômicas, importantes para responder à crise que os países viviam, deram a tônica da politica latinoamericana na década, mas falharam ao não conseguirem capturar a necessidade de combate à pobreza.
Com as crises econômicas do final dos anos 90, que impactaram o mundo emergente, o efeito da planificação econômica sofreu um grande revés. Aumento do desemprego e da pobreza foram combustíveis para o alavancar de políticos de esquerda por toda a região, inaugurando uma nova fase na América Latina.
Lula, no Brasil, Néstor Kirchner, na Argentina, Evo Morales, na Bolívia, Hugo Chávez, na Venezuela, Fernando Lugo, no Paraguai, Ollanta Humala, no Peru, Tabaré Vásquez e Pepe Mujica, no Uruguai, Michele Bachelet, no Chile e Rafael Corrêa, no Equador, tornaram-se presidentes dos seus países e foram parte fundamental dessa nova cara da política regional. Com discursos de empoderamento dos mais pobres e movidos por um crescimento econômico em todo o mundo, muitos desses presidentes viraram verdadeiras lendas em seus países.
A altíssima popularidade de alguns criou movimentos de perpetuação de poder e ruptura democrática. No Brasil, Jackson Barreto, deputado federal à época pelo MDB de Sergipe, chegou a protocolar uma proposta para que se permitisse uma nova reeleição a Lula, garantindo-lhe um terceiro mandato consecutivo, nos mesmos moldes de Morales, na Bolívia.
Os diversos casos de corrupção, o aumento dos níveis de violência e a pouca mobilidade social vista ao final desses ciclos, criou movimentos de fortalecimento de uma nova direita na América Latina. Ainda em transição, essa direita se mantinha muito fiel aos preceitos econômicos e fazendo discursos liberais para modificar a estrutura da economia dos países.
No Peru, Pedro Paulo Kuczynski sucedeu Humala ainda pautado na fundamentação teórica do mercado e de combate ao intervencionismo estatal. PPK foi um dos primeiros candidatos da direita a vencerem depois desse domínio regional da esquerda. Seu governo, no entanto, foi muito decepcionante e diversas denúncias de malversação do dinheiro público acabaram causando o seu impedimento. Macri, na Argentina, Sebastian Piñera, no Chile e Jair Bolsonaro, no Brasil, não conseguiram reeleição ou fazer sucessores, sendo derrotados justamente pela esquerda que tanto combateram.
A assunção de novos líderes de direita, todavia, tem sido mais exitosa nesse atual momento. Com características bem distintas dos discursos economicistas, essa direita renovada tem como base de proposta a justiça social. O combate à criminalidade e um olhar para os mais necessitados, tem dado uma nova roupagem para esses líderes, que capturaram melhor o novo momento da sociedade.
O simples fato de Lula pensar em vetar o projeto de lei que encerra a saída temporária de presos, já mostra a dissonância de pensamento dessa esquerda com as demandas populares e justifica o fato dessa direita popular conseguir voos maiores. Dados do instituto RealTime Big Data, divulgados pela Record, mostram que mais de 90% dos brasileiros querem o fim desse benefício.
O sucesso de Nayib Bukele em El Salvador, mesmo com todas as supressões de direitos, tem dado a tônica dessa popularidade. Reeleito com 83% dos votos, o jovem presidente salvadorenho tem feito escola pela América. Daniel Noboa, presidente do Equador, venceu uma eleição bastante renhida, com 52% dos votos ante 48% da socialista Luisa González, apoiada por Machi Correa. Noboa atinge, hoje, índices de 82% de aprovação, segundo pesquisa da empresa Cedatos, afiliada do grupo Gallup, no país. Ou seja, boa parte do eleitorado que votou na candidata de esquerda tem se rendido ao trabalho do presidente equatoriano, que só possui 35 anos de idade.
Uma pesquisa da Equipo Consultores, do Uruguai, mostra Lacalle Pou com 50% de aprovação, contra 30% de desaprovação, em seu último ano de mandato. Níveis muito parecidos com os dos presidentes de esquerda que dominaram a política uruguaia nos últimos 15 anos.
Um certo reacionarismo da esquerda, que não admite as mudanças que o mundo atual exige, tem feito dessa corrente ainda refém do eleitorado dos rincões de pobreza dos países. Perdendo a discussão nas grandes cidades, justamente por posicionamentos que não coadunam com o momento da civilização, como a discussão sobre os aplicativos de mobilidade e entrega, a insistência por regras trabalhistas que perderam o sentido com o tempo e com uma dificuldade em tratar questões relativas à criminalidade e violência, a antiga pecha de vanguardista tem ruído cada vez mais, e com o surgimento de uma direita com menos vínculo ideológico e mais pragmática, a esquerda pode ficar sem prumo nos próximos pleitos.
No Brasil, o bolsonarismo ainda insiste em travar essa disputa com a esquerda apenas pelo campo ideológico. O serviço segurança pública ainda timidamente é tratado pelos bolsonaristas, mas as ações de alguns governos de direita é que tem capturado o interesse das pessoas sobre o tema.
Ronaldo Caiado, que tenta se viabilizar candidato a presidente por esse corredor tem tido na ação da segurança o seu maior pico de aprovação, no estado de Goiás, do qual é governador. As ações da polícia militar paulista na Baixada Santista têm dado respaldo popular ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, um dos nomes cogitados para 2026. A discussão sobre melhorar a vida dos mais pobres ainda passa ao largo dessa direita brasileira.
Quase 30% da população do Brasil está concentrada na classe D e vive com menos de um salário mínimo de renda familiar. Esse público mesmo sofrendo com os altos preços dos alimentos, do gás de cozinha, dos combustíveis, não enxerga em outra liderança brasileira acolhimento. Esse eleitor está decepcionado com Lula, que mesmo com toda a desaprovação crescente, ainda fulgura entre os presidentes de esquerda com melhor avaliação, na região, perdendo apenas para o mexicano López Obrador.
A ocupação da direita em pautas sociais é fundamental para o seu sucesso futuro. O deputado mineiro Nikolas Ferreira terá a missão de comandar uma importante comissão da Câmara dos Deputados, a de educação, e pode neste espaço romper com o discurso para convertidos, ampliando o leque de atuação dessa direita.
Vale ressaltar, que de todos os nomes pensados para a disputa presidencial vindoura, a direita só possui um candidato que, hoje, consegue penetrar no eleitorado de classe D. Ratinho Junior, governador do Paraná, é alçado a esse posto muito em função da alta popularidade de seu pai. Se percorrer um caminho distinto do que os demais concorrentes têm pregado, que apenas se comunicam com a base sólida do bolsonarismo, pode inaugurar uma nova frente de uma direita popular, no Brasil.
Os ciclos da América Latina mostram uma uniformidade interessante de épocas e perfis. A direita brasileira, se quiser vencer o lulismo definitivamente, precisará conquistar o eleitor que tem garantido as vitórias petistas. Com a quebra de expectativas desse público em relação ao que Lula tem ofertado, nunca essa missão teve tão alcançável. Para isso, é necessário menos ideologia e mais realismo.
O STF pratica a democracia do sadismo e o horror se tornou banal no Brasil
Por J.R. Guzzo O ESTADÃO DE SP
O Supremo Tribunal Federal, a quem a Constituição impõe a obrigação de funcionar como o protetor máximo das leis no Brasil, tornou-se uma infâmia mundial. Não se trata de um ponto de vista, ou de desagrado em relação às decisões do STF, como os ministros repetem todas as vezes em que são criticados. Trata-se de constatar fatos objetivos, indiscutíveis e cada vez mais perversos – ou na fronteira daquilo que a psiquiatria descreve como transtornos mentais de natureza patológica.
Não tem nada a ver com política. Que dúvida pode haver sobre a conduta de um Supremo Tribunal de Justiça que condena uma professora aposentada de 71 anos de idade, sem nenhum antecedente criminal, a passar os próximos 14 anos de sua vida na cadeia – pelo crime de “golpe de Estado”? É demência. Não há a menor possibilidade material de uma pessoa assim dar um golpe de Estado, ou qualquer coisa remotamente parecida. O que há é uma desgraça para a sociedade brasileira.
Fica tudo mais alucinante quando se olha para os detalhes. A acusada estava em liberdade provisória e teve permissão para retirar a tornozeleira eletrônica que o STF colocou nela, porque precisou fazer uma cirurgia delicada por conta de uma fratura do fêmur esquerdo. A autorização foi dada no dia 4 de março; no mesmo dia, a professora foi condenada a 14 anos de prisão, mais uma multa de R$ 14 mil. Três dias depois da operação, a polícia entrou no seu quarto num hospital do ABC para lhe colocar de novo a tornozeleira. É como ela está hoje, mais a sua diabete, hipertensão e problemas circulatórios, à espera de ser mandada de volta à cadeia para cumprir pena até os 85 anos de idade. Qual o propósito racional de uma coisa dessas?
O STF, como se divulgou há pouco, manteve na prisão, por onze meses inteiros, um morador de rua de Brasília, também ele acusado de “abolição violenta do Estado de Direito”. Já tinha condenado um barbeiro e um vendedor ambulante. Já tinha deixado morrer na cadeia um preso que precisava receber tratamento médico urgente, negado pelo ministro Alexandre de Moraes. Qual vai ser a próxima?
Essas depravações são, em geral, recebidas com passividade; o horror se tornou banal no Brasil. O governo, a esquerda extremista e o próprio STF vão além disso. Ficam enfurecidos com as vítimas, culpam a elas pelos absurdos que lhes são impostos e não admitem que se fale em anistia. Uma hora o mundo vai começar a saber o que é essa democracia do sadismo que foi imposta aos brasileiros.
Aliás, já começou – Elon Musk, em pessoa, contou o que está acontecendo para os seus 150 milhões de seguidores no X. “Preocupante”, diz ele. Não vai parar por aí.
A MAIS NOVA CALÚNIA DE LULA
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
Com estardalhaço incompatível com a dignidade da Presidência da República, Lula da Silva acusou Jair Bolsonaro e sua mulher, Michelle Bolsonaro, de terem “levado tudo” com eles do Palácio da Alvorada – cerca de 260 móveis e objetos de decoração. Ou seja, patrimônio público. “Se fosse dele, ele tinha razão de levar mesmo, mas ali é uma coisa pública. Eu não sei por que tem que levar uma cama embora”, afirmou Lula durante um café da manhã com jornalistas no dia 12 de janeiro de 2023.
Exatamente uma semana antes do encontro do petista com a imprensa, a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, havia conduzido uma equipe de reportagem da GloboNews por uma espécie de tour pela área privativa da residência oficial. Por meio da imprensa, Janja queria denunciar ao País o tal “sumiço” dos móveis e exibir o grau da degradação que Bolsonaro e Michelle teriam promovido no Alvorada.
A suposta rapinagem da residência oficial da família presidencial ensejou um gasto de quase R$ 200 mil para aquisição de novo mobiliário, incluindo um sofá reclinável que custou R$ 65 mil. Porém, muito mais escandalosas que o dispêndio desse montante de recursos públicos – que, a bem da verdade, caso fosse justificável, não seria excessivo considerando o local – são a mentira e a dissimulação do atual governo.
Os cerca de 260 móveis e peças de decoração que teriam sido surrupiados pelo casal Bolsonaro foram encontrados, ora vejam, nas dependências do próprio Palácio da Alvorada. E o governo Lula da Silva sabia disso desde ao menos setembro do ano passado, mas nada disse. A informação foi obtida pelo jornal Folha de S.Paulo por meio da Lei de Acesso à Informação.
É estarrecedor. O governo Lula da Silva escondeu da sociedade durante seis meses uma informação de interesse público – afinal, o presidente havia acusado seu antecessor de ter furtado patrimônio público, nada menos – apenas e tão somente para encobrir o que se revelou ser uma calúnia do petista. É disso que se trata. E um governo capaz disso, única e exclusivamente para sustentar um discurso político de oposição radical a um adversário político, é capaz de mentir sobre qualquer coisa para os cidadãos.
Ao supremo mandatário do País é imposto o dever da transparência, salvo casos excepcionalíssimos que envolvem questões ligadas à segurança nacional, entre outros temas previstos em lei. O sigilo dos atos da administração pública é exceção em qualquer país democrático. Ademais, espera-se que quem se dispõe a governar o País não precise exclusivamente de comandos legais para se comportar de maneira ética e responsável. Mas, nessa rinha particular entre Lula e Bolsonaro, parece valer tudo.
Fosse mais prudente, Lula aguardaria o inventário feito pela Diretoria Curatorial dos Palácios Presidenciais, além de levantamentos de outros órgãos ligados ao patrimônio público, antes de lançar suas aleivosias. Mas contenção e humildade nunca foram o forte do petista – menos ainda nestes tempos em que os fatos parecem ter pouca importância.