ACREDITE: Quem avisa amigo é
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
Um erro cometido de forma consciente, a despeito dos alertas sobre suas consequências, pode derivar de teimosia, manipulação ou irresponsabilidade. Ou de tudo isso somado. Em casos graves envolvendo a administração pública, pode chegar a caracterizar crime de responsabilidade. Pode-se dizer que o planejamento orçamentário do governo Lula da Silva tem circundado perigosamente o terreno da irresponsabilidade fiscal.
Uma recente reportagem do Estadão/Broadcast mostrou que um parecer elaborado em maio por técnicos da Secretaria de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento defendeu que os contingenciamentos de despesas fossem definidos a partir de cálculos baseados no centro da meta fiscal, e não no piso tolerado. A recomendação, como se sabe, foi ignorada. A nota técnica acabou embasando a advertência feita em setembro pelo Tribunal de Contas da União (TCU) ao governo sobre a incompatibilidade da adoção do limite inferior com o que determina a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Na época, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, informou que iria recorrer da decisão do TCU e empurrou para o Congresso a responsabilidade por ter recusado uma proposta do governo Lula para flexibilizar as despesas do Orçamento que permitiria, como alegou, “buscar um resultado fiscal melhor”. Balela, obviamente, aproveitando a brecha do arcabouço fiscal, criado pelo próprio governo Lula, que dá como cumprida a meta se o piso for atingido.
Como diz um antigo ditado popular, quem quer faz, quem não quer dá uma desculpa. E, de desculpa em desculpa, o governo busca um jeito de declarar “cumprida” a meta fiscal mesmo que na ponta do lápis as contas deixem dúvidas sobre o saldo real. Ora são autorizações para a exclusão de gastos considerados excepcionais – já aconteceu com o programa Pé-de-Meia, os precatórios, o Fundeb, o auxílio ao Rio Grande do Sul e as verbas para o Judiciário, entre outros –, ora são as manobras para evitar maiores cortes orçamentários, desconsiderando as normas fiscais.
Tudo isso mina a transparência e põe em dúvida a sustentabilidade fiscal do governo, como alertou o TCU. No ano eleitoral de 2026, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá de entregar, pela primeira vez, o resultado positivo das contas públicas prometido para este terceiro mandato. A meta oficial é de superávit de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), o que hoje corresponde a R$ 34,3 bilhões. A tolerância permitida é zero, ou seja, empate entre o saldo das receitas e o das despesas. Será curioso testemunhar o contorcionismo discursivo e contábil do governo para tentar adequar o resultado à meta, sem necessariamente cumpri-la.
A Nota Técnica 477 da Secretaria de Orçamento Federal comprovou que o governo de Lula tem plena consciência do que está sendo desconsiderado para um planejamento crível das contas públicas. Desculpas, sempre há muitas, mas vale lembrar que a violação dos deveres relativos ao funcionamento da administração pública é crime de responsabilidade, punido com perda do cargo e inabilitação para qualquer função pública.