Verba do exterior para Amazônia é o triplo do que Congresso destina ao ambiente no Brasil inteiro
Um só país europeu destinou um total de recursos para proteção da Amazônia que é o triplo da soma dos valores reservados pelos congressistas brasileiros ao ministério nacional da área ambiental por meio de suas emendas parlamentares na última década.
Desde 2015 deputados e senadores separaram pouco mais de R$ 520 milhões no Orçamento federal para a pasta de meio ambiente, enquanto da Noruega vieram recursos no valor de R$ 1,75 bilhão para o Fundo Amazônia, programa que tem como finalidade captar verbas para ações de prevenção, monitoramento, combate ao desmatamento e uso sustentável principalmente na floresta amazônica.
Nesse período, o montante recebido pelo fundo foi de mais de R$ 2 bilhões, ou seja, os aportes do país nórdico foram responsáveis por 87,5% do total nos últimos dez anos.
O comparativo da Folha toma como marco inicial 2015 pois foi naquele ano que uma alteração na Constituição Federal obrigou o Executivo brasileiro a pagar as emendas individuais pedidas pelos congressistas e inaugurou um período de controle cada vez maior do Legislativo sobre o Orçamento, mudando a forma de fazer política no país.
Considerando todo o tempo de existência do Fundo Amazônia, em vigor desde 2009, a arrecadação foi de R$ 4,5 bilhões, dos quais R$ 1,8 bilhão já foram desembolsados para apoiar 119 projetos de sustentabilidade nos estados da Amazônia Legal, composta por Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão.
A Noruega responde por 76,5% dessas doações, seguido por Alemanha, Estados Unidos e Reino Unido. A Petrobras é a única fonte nacional de recursos para o fundo, tendo contribuído com R$ 17 milhões, ou 0,4% do total.
O país escandinavo é o principal financiador estrangeiro das ações de proteção da natureza no Brasil porque, segundo a embaixada norueguesa, o país tem o compromisso de destinar 1% de seu PIB (Produto Interno Bruto) para a agenda de desenvolvimento internacional.
Os aportes ao Fundo Amazônia estão ligados à Iniciativa Internacional de Clima e Floresta da Noruega (NICFI), lançada em 2007 como o principal instrumento da política climática do país europeu.
Na região amazônica, Belém será capital federal de 10 a 21 de novembro devido à COP30, conferência da ONU que coloca o Brasil na vitrine mundial e mobiliza a classe política com discursos em defesa da natureza.
Tomando por base apenas as emendas parlamentares reservadas ao ministério brasileiro da área de meio ambiente, para emprego específico nos estados da Amazônia Legal, aumenta a disparidade na comparação com as doações estrangeiras desde 2015.
A soma das emendas para emprego nessa região foi de R$ 11,6 milhões —equivalente a 2,2% da verba recebida pela pasta ambiental, que no atual governo Lula (PT) é chamada de Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).
No mesmo período, deputados e senadores destinaram verbas públicas que levaram 1.648 máquinas pesadas aos estados da Amazônia, com um total de recursos pelo menos três vezes superior ao de ações de proteção do ambiente na região da floresta amazônica.
Agentes de fiscalização, autoridades, ambientalistas e lideranças indígenas ouvidos pela Folha associam a farta distribuição dos equipamentos ao desmate e à abertura de estradas ilegais por prefeituras e outros órgãos públicos, aliando discursos desenvolvimentistas a violações da lei.
Para Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), entidade que analisa o Orçamento federal há mais de duas décadas, é preciso considerar que sempre foi baixa a destinação de verbas pelo Estado brasileiro para a área do meio ambiente.
"O orçamento do Meio Ambiente nos últimos dez anos não passa dos R$ 3 bilhões a R$ 5 bilhões. É um orçamento muito pequeno para uma política nacional que tem desafios gigantescos. Estamos falando não só do Ministério do Meio Ambiente e da administração direta, mas do Ibama [ (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis ], do ICMBio [ Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade], do Serviço Florestal e inclusive do Jardim Botânico [do Rio de Janeiro]", afirma.
De acordo com Adriana Ramos, secretária-executiva do Instituto Socioambiental, "historicamente, toda a política ambiental brasileira dependeu majoritariamente de recursos internacionais, desde a criação da primeira Secretaria de Meio Ambiente, que antecedeu o ministério, lá na década de 1970".
Segundo Ramos, os valores do exterior não foram investidos apenas nas ações de nível federal, mas financiaram também, por exemplo, a estruturação de secretarias estaduais de meio ambiente
A secretária-executiva do MMA, Anna Flávia Franco, diz que o ministério trabalha para que o Congresso aumente a destinação de emendas parlamentares para a pasta da área ambiental, mas a responsabilidade pelo financiamento da proteção dos biomas em território brasileiro deve continuar sendo compartilhada com outros países.
"Gostaríamos que os congressistas tivessem maior sensibilidade para alocar um volume maior de recursos para o Ministério do Meio Ambiente. Sem substituir o que as cooperações internacionais trazem, o Congresso realmente deveria contribuir, porque fundamentalmente temos o bioma Amazônia no nosso território", afirma Franco.
Para incentivar o encaminhamento de emendas parlamentares, o MMA acabou de lançar uma cartilha endereçada aos congressistas que indica 42 projetos aptos a receber valores dos deputados e senadores.
O Congresso Nacional possui uma frente ambientalista que formalmente é integrada por 187 parlamentares.
Porém, segundo o coordenador da frente, o deputado federal Nilto Tatto (PT- SP), apenas cerca de 30 congressistas atuam diretamente na pauta ambiental.
"São parlamentares de diversos partidos políticos, na sua grande maioria de partidos no campo progressista. Tem também uma aliança muito forte com parlamentares da bancada animalista, então trabalhamos de forma conjunta. Por isso que você tem nesse rol de deputados partidos mais conservadores, que têm hegemonia da bancada ruralista, por exemplo", diz.
"Mas na hora das votações mais importantes, do ponto de vista da pauta ambiental, a gente tem 120, 130 deputados, podemos contar isso", acrescenta Tatto.
A avaliação do deputado encontra amparo, por exemplo, na votação de julho do projeto de lei que flexibiliza a legislação ambiental, o chamado PL do Licenciamento, na qual 116 congressistas decidiram contra a aprovação da matéria legislativa considerada prejudicial à proteção da natureza pela frente ambientalista.
Procurada pela Folha, a assessoria do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), enviou nota na qual afirma que "a destinação de recursos estrangeiros para fundos ambientais não representa dependência, mas sim cooperação solidária, em conformidade com a responsabilidade dos países desenvolvidos de apoiar nações em desenvolvimento na preservação da biodiversidade, no combate ao desmatamento, na expansão das energias renováveis e na gestão responsável dos recursos naturais".
Segundo a nota, "a presidência do Senado Federal e do Congresso Nacional não emite juízo de valor sobre as escolhas alocativas de parlamentares".
A reportagem também buscou a presidência da Câmara dos Deputados por meio de sua assessoria de imprensa, que afirmou que o tema deveria ser tratado por líderes de comissões orçamentárias da Casa. As lideranças foram procuradas, mas não se manifestaram.
Eficiência do Estado não pode ser tabu
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
Enquanto o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) concluía as propostas da reforma administrativa com a qual se pretende modernizar as regras do funcionalismo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, comprava uma briga com seus colegas de esquerda ao sugerir a necessidade de atrelar a estabilidade de servidores à qualidade e ao desempenho – como se cobrar eficiência do funcionalismo fosse sinal de neoliberalismo.
Haddad disse o óbvio, isto é, demonstrou preocupação com a entrega de serviços de qualidade à população. Não defendeu o fim da estabilidade no serviço público – ainda que devesse fazê-lo, já que, na forma como ela existe hoje no Brasil, trata-se de uma anomalia –, e sim regras de desempenho. Diante das reações entre progressistas, o economista Pedro Fernando Nery, colunista do Estadão, foi ao ponto: em algum momento será possível associar eficiência no serviço público a uma visão progressista? Ou o conceito seguirá visto como uma pauta de viés neoliberal?
Eis aí um debate que importa. Trata-se de um dilema para o País e, mais ainda, para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Afinal, o funcionalismo é historicamente uma base de apoio considerável à qual o presidente costuma dispensar especial proteção. Servidores, admite-se, temem perdas de direitos ou porta aberta para precarização, mas há o outro lado da moeda, ou seja, uma sociedade que espera e cobra serviços públicos mais eficientes. Recorde-se que, nos anos de oposição, os petistas se dedicaram a denunciar como os “inimigos” dos servidores públicos todos aqueles que cobravam destes um trabalho melhor.
E assim, com a decisiva contribuição da militância petista, o Brasil viu debates imprescindíveis interditados por décadas. A estabilidade e a avaliação do desempenho de servidores públicos foi um deles. A responsabilidade fiscal, durante anos, foi outro. A lista se estende às aposentadorias, ao papel das empresas estatais, à corrupção e à busca de eficiência do setor público – preocupações que não se restringem aos “neoliberais”. Entretanto, com essas interdições, eficiência tornou-se palavrão, avaliação de desempenho é crime de lesa-pátria, e revisão de privilégios só parece legítima quando dirigida contra “as elites” e a casta do Poder Judiciário. Tal viés refreia qualquer amadurecimento democrático e aperfeiçoamento do Estado.
Pois o Brasil ganharia com mais lideranças capazes de enfrentar temas controvertidos e até mesmo impopulares para fazer o que é certo. A análise da qualidade e do desempenho de servidores públicos é um desses temas a enfrentar, mesmo que à custa da patrulha da militância ideológica. Encará-la requer inevitavelmente tratar também das regras de estabilidade do funcionalismo. Democracias preveem estabilidade de carreira para garantir a continuidade dos serviços e a proteção de políticas de Estado e dos servidores contra pressões dos governos de turno, mas em geral a estabilidade é restrita a carreiras típicas de Estado, como juízes, diplomatas, policiais e fiscais. Isso torna o modelo brasileiro único no mundo.
Como presidente e como sociólogo, Fernando Henrique Cardoso argumentava que a reforma do Estado não seria apenas um movimento incentivador da racionalização formal da máquina pública e de incentivos a critérios de competição aberta, e sim um movimento democratizador, destinado a assentar as bases de um Estado com efetiva presença na sociedade. Em outras palavras, sua reformulação se prestaria não a obedecer aos cânones do neoliberalismo, mas sim a torná-lo mais democrático no acesso. Ou seja, um novo modelo de Estado é a condição para que seus serviços e benefícios sejam bons e disponíveis para todos.
Eficiência, nesse caso, significa gerar maior capacidade de prestar serviços básicos à população e garantir bens públicos ao maior número possível de pessoas, com o menor custo, sem distorções que incitam a descrença do cidadão em relação à política. É também uma forma de romper um ciclo perverso que costuma unir, simultaneamente, a vitimização e a vilanização dos servidores públicos.
E, sobretudo, uma maneira de desfazer anos e anos de mentiras e preconceitos difundidos na esquerda, que só perpetuaram privilégios e desigualdades que se pretende combater.
O ‘golpe silencioso’ na internet brasileira
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
Em sua origem, a internet se apresentou como a tradução digital da própria ideia de democracia. Sua arquitetura aberta e descentralizada nasceu do princípio de que nenhum centro de poder deve controlar o fluxo das ideias. Cada nó tem voz, cada usuário, autonomia, e cada inovação pode surgir de baixo para cima. Essa engenharia da liberdade transformou a rede em espaço global de criação e participação – um espelho virtual dos valores democráticos.
Hoje esse modelo está sitiado. Em nome da “soberania digital”, governos e reguladores erguem muros no ciberespaço. A China exporta sua doutrina de “cibersoberania”, eufemismo para censura e vigilância. A Europa multiplica regulações que inibem a inovação. Os EUA oscilam entre liberdade e nacionalismo tecnológico. O resultado é uma internet fragmentada em arquipélagos digitais. Já o Brasil sempre foi uma ilha de excelência – até agora.
Desde 1995, o País construiu um modelo de governança multissetorial – o Comitê Gestor da Internet (CGI.br) – que se tornou referência mundial. Nele, governo, academia, empresas e sociedade civil compartilham decisões técnicas e políticas. Dessa experiência nasceram instituições de excelência – NIC.br, Registro.br, IX.br, Cert.br, Cetic.br – que garantem a estabilidade e a segurança da rede. Em 2014, o Marco Civil da Internet consagrou essa filosofia em três pilares: liberdade de expressão, neutralidade de rede e privacidade.
Mas esse modelo está sob ameaça. Nos últimos três anos, a Anatel vem ampliando seu poder sobre o ecossistema digital. A pretexto de realizar uma “modernização regulatória”, a agência revogou a norma 4, que há décadas distinguia os serviços de telecomunicações – sob sua jurisdição – dos serviços de valor adicionado, como a internet. Essa separação foi o alicerce de uma rede livre da lógica centralizadora das telecomunicações. Ao apagá-la, a Anatel abriu caminho para reivindicar controle sobre infraestrutura e serviços fora de seu escopo: pontos de troca de tráfego, domínios, provedores de nuvem.
O movimento culminou no Projeto de Lei 4.557/24, que propõe subordinar à burocracia estatal da Anatel o CGI.br, e com ele a governança de uma rede construída sobre pluralismo e cooperação. A Internet Society advertiu que o projeto mina o modelo que fez do Brasil referência mundial. Como alerta Konstantinos Komaitis, ex-diretor da organização, em artigo em seu blog (www.komaitis.org), trata-se de um “golpe silencioso”, uma tentativa de submeter a rede brasileira à lógica burocrática e centralizadora do Estado.
O modelo brasileiro não apenas funciona: ele inspira confiança. Romper a separação entre telecomunicações e internet é entregar um sistema descentralizado à hierarquia estatal – trocar a colaboração pela autorização, a liberdade pela licença. Submeter a internet à estrutura de uma autarquia é minar o princípio de sua resiliência: o do poder compartilhado, nunca concentrado.
A ofensiva ocorre num ambiente já inclinado ao controle. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Supremo Tribunal Federal têm ampliado a intervenção do Estado sobre o debate digital. Entre decretos abusivos e decisões judiciais expansivas, o País corre o risco de substituir a pluralidade pela tutela. O que se anuncia, no discurso de “regulação das redes”, é uma burocratização da liberdade movida pelo apetite de fazer do espaço digital mais um instrumento de poder político.
A internet brasileira prosperou porque foi livre. O CGI.br mostrou que é possível combinar inovação e responsabilidade sem sufocar o debate nem subordinar a técnica à política. Essa é a essência da soberania aberta: participar do mundo sem se fechar ao mundo. A alternativa – isolamento regulatório e captura institucional – é seguir o caminho dos que confundem proteção com controle e soberania com obediência.
O Brasil tem diante de si uma escolha. Pode preservar a arquitetura da liberdade que o tornou exemplo global, ou transformar-se em mais um elo da corrente que aprisiona a rede sob um Estado tutelar. Defender o CGI.br é defender a democracia digital – e a real. Porque a internet, em última instância, não é uma infraestrutura: é uma ideia. E essa ideia é liberdade.
Lula, o PT e o Congresso
O governo Luiz Inácio Lula da Silva trouxe alívio à vida política e institucional do país ao pacificar as relações do Planalto com o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional. Com o primeiro, a proximidade pode ter ido além da conta; com o segundo, mesmo sem maioria parlamentar segura, o petista soube manter diálogo e negociação —ao menos até há pouco.
Na quarta-feira (15), Lula achou por bem fazer uma crítica desqualificante à atual legislatura em ato público e ao lado do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB). "Hugo é presidente desse Congresso e ele sabe que esse Congresso nunca teve a qualidade de baixo nível como tem agora."
"Aquela extrema direita que se elegeu na eleição passada é o que existe de pior", completou o presidente da República, alegrando a plateia amistosa povoada por professores, no Rio de Janeiro.
Deixe-se de lado o fato de que Motta, vaiado no evento, não preside o Congresso, o que cabe ao chefe do Senado. É difícil dizer se Lula deixou-se levar pelo entusiasmo durante o improviso ou se calculou previamente o impacto da declaração. É certo, de todo modo, que ela se deu num contexto de animosidade de seu partido contra o Legislativo.
De alguns meses para cá, o PT tem tratado as resistências de parlamentares a propostas governistas de aumento de impostos como defesa de interesses milionários ante tentativas de promover justiça social. Essa campanha, que tem muito de farsesca, foi reavivada recentemente depois da derrubada de uma medida provisória que buscava R$ 20,9 bilhões em novas receitas para 2026.
É evidente que o presidente da República tem o direito de expressar suas opiniões —a questão é quando convém fazê-lo diante das responsabilidades do cargo. A retórica de confronto anima a militância, mas é inútil, se não contraproducente, quando se precisam aprovar projetos num Parlamento onde as forças à esquerda não chegam a 25%.
Lula não questionou a legitimidade do Legislativo, mas petistas caminham em terreno perigoso ao demonizar o Congresso como "inimigo do povo" —o partido, aliás, é useiro e vezeiro em radicalizar o discurso nos momentos de adversidade.
Se pode ajudar a disputar eleições, a polarização política atrapalha sobremaneira a tarefa de governar. Resta um ano até o pleito de 2026 e haverá medidas dificílimas a tomar no quadriênio seguinte, qualquer que seja o vencedor. Da perspectiva de Lula, nada indica que a próxima legislatura vá ser mais amigável que a atual.
Governo gastador paga mais ao mercado
Em um cenário global de alívio monetário, o Brasil se mantém preso a juros estratosféricos, em razão, fundamentalmente, do desajuste orçamentário do governo federal.
A administração petista promove mais gastos e promessas eleitoreiras, enfraquece o arcabouço fiscal que nem completou dois anos de vigência e permite que a dívida pública se aproxime de 78% do Produto Interno Bruto —no ritmo atual, estima-se que ela subirá até 95% em 2033.
Esse descontrole erode a confiança dos investidores e impõe um prêmio de risco que encarece o financiamento do déficit persistente da União. Não por acaso, o Tesouro Nacional paga hoje 8% ao ano mais a inflação nos títulos indexados ao IPCA com vencimento em 2029 e 7,7% nos papéis com prazo até 2035.
São taxas superiores às do fechamento do ano passado, quando a cotação do dólar estava em R$ 6,17, muito acima dos R$ 5,40. Um país cuja economia cresce a 3% ao ano ou menos não tem como suportar tais encargos por tempo indeterminado.
A pressão altista sobre o custo do dinheiro de médio e longo prazo ainda tem sido acentuada por emissões de títulos privados incentivados, entre eles as debêntures de infraestrutura isentas de Imposto de Renda. Projetadas para fomentar investimentos em estradas, ferrovias e saneamento, as emissões têm atraído maior demanda, graças às melhorias regulatórias dos últimos anos.
Para o mercado, trata-se opção atraente devido à alíquota zero de IR, ante a taxação de 15% a 22,5% nos títulos públicos. Na prática, há uma competição com os papéis do Tesouro, que assim precisa pagar algo mais para rolar sua dívida —e, diante da alta nas taxas, reduziu o volume de leilões nas últimas semanas.
A situação poderia ser ainda pior se não tivesse caído, na semana passada, a mais recente medida provisória de elevação de impostos do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nas negociações com a Câmara dos Deputados, o Executivo havia concordado em manter os incentivos à parte dos papéis privados e elevar a taxação sobre outros, agravando a assimetria atual.
A tributação das aplicações financeiras continuará sendo objeto de debate necessário, mas a solução essencial para os problemas de financiamento do Tesouro é o controle da gastança do governo, o grande aspirador que suga a poupança nacional e mantém os juros elevados.
Na América Latina e na Ásia, as taxas têm caído, seguindo a expectativa de cortes nos juros americanos, que devem chegar a 3% ao ano até meados de 2026, de acordo com as projeções atuais.
No Brasil, enquanto isso, a Selic segue em 15% com diminuta perspectiva de corte, para algo entre 12,5% e 13% no final do próximo ano. Isso significa o pagamento de mais de R$ 840 bilhões aos credores da dívida federal apenas nos últimos 12 meses —o que inclui um grande presente para os famigerados rentistas.
Entidade investigada por CPI do INSS pagou R$ 176 mi a consultorias ligadas a sua cúpula
Caio Spechoto / FOLHA DE SP
Uma das investigadas pela CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do INSS, a ABCB (Amar Brasil Clube de Benefícios), fez transferências que somam R$ 176 milhões para empresas ligadas à cúpula da entidade. As informações estão em documento sigiloso obtido pela Folha e que foi elaborado pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) a pedido dos parlamentares.
Entre as beneficiárias estão empresas do filho do presidente da Amar e de um ex-presidente da entidade. Todas as companhias que receberam esses depósitos foram constituídas em datas próximas e declararam que consultoria em gestão empresarial como sua atividade principal. As informações sobre as empresas foram obtidas em bancos de dados abertos da Receita Federal e da Junta Comercial de São Paulo.
As datas de constituição das empresas são separadas por poucos meses do dia em que a entidade obteve autorização para fazer os descontos em aposentadorias e pensões do INSS. Quatro delas têm sede no oitavo andar do mesmo prédio em Barueri (SP), de acordo com o cadastro da Receita Federal.
O relatório aponta que a Amar Brasil, presidida por Américo Monte, recebeu R$ 324,6 milhões do INSS entre novembro de 2022 e abril de 2025.
No mesmo período, transferiu R$ 83 milhões às empresas de Felipe Macedo Gomes, um dos responsáveis pelo convênio entre a entidade e o INSS, e de Américo Monte Jr., filho do presidente da Amar Brasil.
Além disso, de acordo com o relatório, foram repassados R$ 92,8 milhões para firmas de Anderson Cordeiro de Vasconcelos, José Branco Garcia e João Carlos Camargo Jr., todos sócios de Monte Jr. e Gomes em uma outra empresa.
A Folha procurou todos os citados. O advogado Rogério Cury, que defende Américo Monte Jr., Felipe Macedo Gomes e Anderson Cordeiro de Vasconcelos, disse que todas as atividades de seus clientes são executadas com ética, transparência e profissionalismo.
"Todas as contratações e recebimentos de valores foram devidamente declarados às autoridades competentes", disse por meio de nota.
A reportagem não localizou os advogados de Américo Monte, José Branco Garcia e João Carlos Camargo Jr., mas tentou contato com suas respectivas firmas e com a Amar Brasil pelos telefones e emails cadastrados no registro de empresas da Receita Federal ou por meio de email disponível no site da entidade. Não houve resposta até a publicação desta reportagem.
As entidades investigadas no escândalo do INSS, como a Amar Brasil, tinham convênios com a Previdência para fazer descontos diretamente em benefícios, desde que autorizados pelos beneficiários, normalmente em troca de algum serviço. Os descontos, porém, estariam sendo realizados sem a anuência dos aposentados e pensionistas.
Relatório da CGU (Controladoria-Geral da União) incluído pela PF (Polícia Federal) nas investigações contem informações que colocam em dúvida a capacidade da Amar Brasil de proporcionar algum benefício a seus associados. Registrou que a entidade não tinha filiais, e que ficou sem funcionários por cerca de um ano, de acordo com os dados oficiais sobre emprego.
DATAS E VALORES
A AMJ Security, de Américo Monte Jr., recebeu R$ 38,2 milhões da Amar Brasil, de acordo com o relatório do Coaf. O registro da empresa na Junta Comercial de São Paulo mostra que ela foi constituída em 9 de dezembro de 2022.
A Amar Brasil foi criada em novembro de 2020. Segundo o relatório da CGU, a entidade conseguiu a autorização para fazer descontos em aposentadorias de associados em agosto de 2022.
O acordo com o INSS foi feito cerca de quatro meses antes da criação da empresa de Américo Monte Jr. e das demais firmas que receberam recursos da entidade mencionadas nesta reportagem.
A EMJC Serviços, de Felipe Macedo Gomes, recebeu R$ 44,9 milhões, segundo o relatório. O registro na Junta Comercial mostra que ela foi constituída em 8 de dezembro de 2022, um dia antes da AMJ.
O relatório da CGU aponta que Gomes foi presidente da Amar Brasil de abril a junho de 2022 e que ele representou a entidade na celebração do acordo com o INSS.
Além disso, houve repasses da Amar Brasil para empresas de sócios tanto de Macedo quanto de Monte Jr.
A ADV Servicos Administrativos, de Anderson Cordeiro de Vasconcelos, recebeu R$ 40 milhões da entidade. Sua empresa foi constituída em 8 de dezembro de 2022, a mesma data de fundação da EMJC, apontam os documentos.
Vasconcelos foi sócio de Macedo e Monte Jr. na Karios Representações LDTA. A empresa, que não consta como beneficiária de depósitos da Amar Brasil no relatório ao qual a Folha teve acesso, foi fundada em outubro de 2023 e baixada em fevereiro de 2024.
Também foram sócios da Karios João Carlos Camargo Jr. e José Branco Garcia.
Camargo Jr. é sócio e administrador da MKT Connection Group LTDA, empresa constituída em 12 de dezembro de 2022. A MKT Connection recebeu R$ 24,4 milhões da Amar Brasil.
José Branco Garcia é sócio da JBG Serviços de Apoio Administrativo LTDA, que recebeu R$ 28,5 milhões da entidade. A empresa foi fundada em 9 de dezembro de 2022.