Da vitória de Nunes à esquerda em dificuldades, segundo turno confirma tendência de reeleições e predomínio do Centrão
Por Caio Sartori — Rio de Janeiro / O GLOBO
Confirmada ontem a recondução dos seis prefeitos de capitais que ainda estavam no páreo, as eleições municipais de 2024 chegaram ao fim com um índice de 80% de reeleição nas principais cidades brasileiras. O patamar é o mesmo do registrado nos mais de 5 mil municípios no primeiro turno, quando 81% dos prefeitos conseguiram um segundo mandato. Entre os 16 vitoriosos nas capitais nos dois turnos, destaca-se o de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), que conseguiu um triunfo confortável na maior cidade do país.
Foi, portanto, uma campanha de continuidade, marcada pela força das máquinas, além da primeira disputa municipal influenciada pelo superlativo volume de emendas parlamentares que saem de Brasília e irrigam prefeituras país afora. Nas capitais, trata-se do segundo maior percentual de reeleição na História, atrás apenas dos 95% de 2008. Quando se consideram todos os municípios, nunca o número foi tão alto.
Nunes é quem melhor simboliza o resultado geral no país. Ex-vice que assumiu a prefeitura com a morte de Bruno Covas (PSDB), vítima de câncer, o político até então conhecido apenas nos bastidores, vereador de dois mandatos, conseguiu superar com folga um Guilherme Boulos (PSOL) de recall alto e apoiado pelo presidente Lula — depois de ter deixado para trás, no primeiro turno, o fenômeno Pablo Marçal (PRTB).
O placar foi acachapante: 59,35% a 40,65%, quase idêntico ao de Covas contra o mesmo Boulos há quatro anos — o que indica um teto para o psolista, outra vez assolado pela rejeição. O mapa da votação também ilustra o massacre. O candidato do PSOL ganhou em apenas três zonas eleitorais da cidade, com derrotas até em áreas onde foi bem no primeiro turno.
No discurso de vitória, Nunes disse que derrotou os “extremismos”. E, no momento da fala em que mais apontou para frente, classificou o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) como “o futuro” e “líder maior”. Quase não mencionou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que teve postura errática na eleição paulistana, com idas e vindas no apoio ao prefeito e nenhum protagonismo no desfecho do jogo.
— O equilíbrio venceu todos os extremismos. São Paulo falou e mandou recado para todo o país. O que o povo precisa é de emprego, segurança, melhorias e oportunidades.
Quanto a Tarcísio, a escolha das palavras para se referir ao aliado não foi em vão. O governador é cotado para disputar a Presidência em 2026. Ao lado do prefeito e de Tarcísio no palanque da vitória, no entanto, estava o presidente do PSD, Gilberto Kassab, dirigente de conhecida influência sobre o chefe do Palácio dos Bandeirantes e um dos que defendem que ele dispute a reeleição em São Paulo, deixando para 2030 a ambição nacional. De qualquer forma, Tarcísio se consolidou como o grande quadro da direita depois de Bolsonaro.
Máquinas
Outro caso exemplar da tendência à continuidade é Fuad Noman (PSD), de Belo Horizonte, também vice-prefeito até pouco tempo — assumiu a cadeira quando Alexandre Kalil decidiu disputar o governo do estado, em 2022. Aos 77 anos e com um câncer descoberto a poucos dias do início da campanha, Fuad começou em baixa, mas cresceu pouco a pouco com base na estratégia de se apresentar ao eleitorado e expor realizações da prefeitura. Assim, superou no primeiro turno o outsider Mauro Tramonte (Republicanos) e, depois, o bolsonarista Bruno Engler (PL). Até então, a única eleição disputada pelo prefeito havia sido a de 2020, como vice e quase sem aparecer.
Na foto da vitória, ontem, estavam figuras como o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), que trajava um boné com os dizeres “Sou Lula”, e alguns petistas influentes. Em Minas, 2026 já começou, e setores do PT defendem uma aproximação maior com o partido de Fuad para fortalecer o palanque de Lula.
As outras quatro reeleições no segundo turno se deram em Porto Alegre, com Sebastião Melo (MDB); Manaus, com David Almeida (Avante); João Pessoa, com Cícero Lucena (PP); e Campo Grande, com Adriane Lopes (PP).
O feito de Melo, vitorioso com 61,53% dos votos válidos, também é sintomático da força dos incumbentes, dada a catástrofe climática pela qual a cidade gaúcha passou no primeiro semestre. Pesou também a rejeição à petista Maria do Rosário, que falou mais alto do que qualquer crítica dos eleitores ao trabalho da prefeitura no âmbito das enchentes.
Os consagrados ontem nas urnas se juntam a um elenco já robusto que conseguiu novos mandatos sem precisar de segundo turno — todos mais ao centro, mas cada um com suas inclinações para um lado ou outro da polarização nacional. Lula, por exemplo, tem em Eduardo Paes (PSD), no Rio, e João Campos (PSB), no Recife, bons aliados entre os vencedores do dia 6 de outubro. Mas há também, nas principais cidades, aqueles que evitam se posicionar quando o jogo transcende as fronteiras locais, como Bruno Reis (União), de Salvador.
Esquerda e direita
O PT conseguiu um gol de honra ao conquistar Fortaleza, maior cidade do Nordeste. Será a única capital nas mãos de um petista a partir do ano que vem — um alívio se comparado a 2020, quando a sigla ficou sem nenhuma grande cidade pela primeira vez.
Por lá, a disputa foi a mais acirrada entre as de ontem, com menos de um ponto de diferença entre o eleito Evandro Leitão e André Fernandes (PL). Com Fortaleza, o PT tem agora a capital cearense e o governo do estado, chefiado por Elmano de Freitas.
A legenda de Lula venceu em quatro das 13 cidades em que disputou o segundo turno. Das capitais, perdeu Porto Alegre, Natal e Cuiabá. Na leitura geral das eleições, a evolução do partido em comparação com 2020 foi tímida, e o resultado impõe uma série de reflexões — da importância de alianças com o centro para 2026 à necessidade de construir novos discursos.
Ao fim do segundo turno, no entanto, tampouco o bolsonarismo se saiu vitorioso. Teve mais derrotas do que vitórias, e se deu mal onde tentou resolver o jogo por conta própria, sem composições com outros setores. O PL venceu ontem nas pouco populosas Aracaju e Cuiabá; foi derrotado em Goiânia, Fortaleza, Manaus, João Pessoa, Belém e Palmas, algumas delas com intenso envolvimento de Bolsonaro.
O mau desempenho da esquerda nos grandes centros, somado à força de uma direita não necessariamente bolsonarista, faz com que uma das máximas propagadas nas últimas semanas ecoe cada vez mais: o eleitorado de Lula em 2022 é maior do que o da esquerda, enquanto a direita se mostra maior que Bolsonaro.
Derrota de Boulos em SP abre ‘caça às bruxas’ no PT em busca de culpados
Por Vera Rosa / O ESTADÃO DE SP
BRASÍLIA – A derrota de Guilherme Boulos (PSOL) na disputa pela Prefeitura de São Paulo provocou uma espécie de “caças às bruxas” nas fileiras do PT em busca dos culpados pelo fracasso do candidato apoiado pelo partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não sem motivo: o desfecho dessas eleições municipais tem impacto nacional e afeta a correlação de forças políticas.
O desgosto do PT por não conseguir voltar ao comando da capital paulista, onde o prefeito Ricardo Nunes (MDB) se reelegeu, só foi amenizado pela vitória em Fortaleza. Na maior capital do Nordeste, Evandro Leitão (PT) venceu André Fernandes (PL), candidato apoiado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O triunfo em Fortaleza foi comemorado ainda mais porque o PT não administrava nenhuma capital desde 2020 e, além disso, venceu um aliado de Bolsonaro. O resultado em Fortaleza dá musculatura ao ministro da Educação, Camilo Santana, e ao líder do governo na Câmara, José Guimarães (CE), que quer presidir o PT. Até agora, porém, o prefeito de Araraquara, Edinho Silva – que não conseguiu fazer a sucessora – é o nome preferido de Lula para comandar o partido.
Das quatro capitais em que concorria com chapa própria neste segundo turno, o PT só ganhou Fortaleza. Perdeu em Porto Alegre, Natal e Cuiabá. Também sofreu reveses em cidades importantes, como Diadema, no ABC paulista, mas celebra como se fossem suas vitórias contra candidatos bolsonaristas como Marcelo Queiroga (PL), ex-ministro da Saúde de Bolsonaro, que perdeu em João Pessoa para Cícero Lucena (PP), e Bruno Engler (PL), derrotado pelo prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman (PSD) .
Em São Paulo, o ataque do governador Tarcísio de Freitas a Boulos, na última hora, serviu como argumento oficial para a cúpula do PT explicar o mau resultado do candidato do PSOL. Sem apresentar qualquer prova, Tarcísio disse que uma ação de inteligência do governo interceptou mensagens da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) pedindo voto em Boulos.
“A força da virada do Boulos fez o Tarcísio sair da toca e ir para o submundo do crime eleitoral”, disse ao Estadão o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha. “A maior prova de que tudo o que o governador falou era falso é que ele não tomou nenhuma atitude: não encaminhou denúncia ao Tribunal Regional Eleitoral e nem ao Ministério da Justiça.”
A atuação do governador em favor de Ricardo Nunes – chamada de “armação rasteira e covarde” pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann – conseguiu desviar o foco, ao menos por enquanto, do processo de autofagia no partido. Nos bastidores, porém, há um jogo de empurra sobre os responsáveis pela derrota.
No primeiro turno, por exemplo, o deputado Washington Quaquá (RJ), prefeito eleito de Maricá (RJ) e um dos vice-presidentes do PT, chegou a dizer que Boulos era “o melhor candidato para perder” por causa da alta rejeição e por não ampliar a aliança ao centro.
Na noite deste domingo, 27, após a divulgação do resultado em São Paulo, Quaquá voltou à carga. “O PT precisa parar de errar! Boulos era a crônica de uma morte anunciada! A candidatura errada na cidade errada!”, escreveu ele em postagens nas redes sociais.
Embora interlocutores de Lula sustentem que as eleições municipais não têm ligação com a disputa de 2026, quando o presidente tentará concorrer a novo mandato, a correlação de forças que saiu das urnas indica o desgaste da esquerda e um caminho mais à direita.
“Há um desafio enorme para o bolsonarismo raiz, que sai derrotado, mas reconhecemos que também há um desafio para os partidos de esquerda, sobretudo para voltar a governar cidades importantes, como São Paulo”, afirmou Padilha.
A portas fechadas, ministros observam que o governo errou ao não projetar a figura de Boulos com antecedência. Argumentam que Lula deveria ter chamado o deputado para comandar um ministério da área social. A estratégia permitiria que ele se livrasse da pecha de “radical” e, ao mesmo tempo, mostrasse serviço.
Foi o próprio Lula que bancou a candidatura de Boulos, apesar das divergências no PT. Em 2022, quando era candidato ao Palácio do Planalto, ele pediu que Boulos desistisse de concorrer ao governo paulista para apoiar Fernando Haddad (PT), hoje ministro da Fazenda.
Em troca, Lula prometeu avalizar sua campanha à Prefeitura de São Paulo. O presidente não só intermediou o acordo como articulou a volta da ex-prefeita Marta Suplicy ao PT para ser vice na chapa de Boulos. Até então, Marta estava no cargo de secretária de Relações Internacionais da gestão Nunes.
O balanço das eleições municipais será feito nesta segunda-feira, 28, em reunião da Executiva Nacional do PT ampliada, com a presença de deputados federais. Mas, apesar das críticas nos bastidores, a resolução política a ser aprovada deve destacar apenas as vitórias do partido, como em Fortaleza, Mauá, Camaçari e Pelotas, e as derrotas do bolsonarismo.
“Eu também vou pedir, nessa reunião, que quem é candidato a presidente do PT se apresente, porque queremos construir o consenso”, afirmou Gleisi Hoffmann ao Estadão. A eleição que vai renovar o comando do PT ocorrerá em junho de 2025, mas a briga no partido pela cadeira de Gleisi está cada vez mais forte.
Repórter especial do ‘Estadão’. Na Sucursal de Brasília desde 2003, sempre cobrindo Planalto e Congresso. É jornalista formada pela PUC-SP. Escreve às quartas-feiras
A escalada da dívida não é questão de fé
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
O Fundo Monetário Internacional (FMI) projetou que a dívida bruta brasileira na proporção do Produto Interno Bruto (PIB) deve aumentar mais de 10 pontos porcentuais ao longo do mandato do presidente Lula da Silva, de 83,9% do PIB, no fim de 2022, para 94,7% do PIB, em 2026. Superávit primário, se houver, só a partir de 2027, e bastante modesto – o equivalente a 0,1% do PIB.
A relação entre dívida e PIB é um indicador importante para aferir a solvência de um país e comparar sua situação à de outras nações semelhantes. No caso brasileiro, o endividamento, segundo os critérios do Fundo, subiu de 86,7% do PIB no relatório divulgado em abril para 87,6% do PIB no de outubro. E até 2029, a dívida na proporção do PIB chegará a 97,6%.
Antes mesmo dessa revisão, o indicador brasileiro já destoava da média dos países emergentes, hoje em 70,8%, atrás apenas de China, Egito, Ucrânia, Bahrein e Argentina. Mas o alerta do FMI não vale somente para o Brasil. A dívida bruta global deve atingir 93% do PIB, em média, e superar US$ 100 trilhões neste ano. Até 2030, ela deve alcançar 100%, 10 pontos porcentuais acima do registrado em 2019, um ano antes da pandemia.
Com a covid-19, países desenvolvidos e emergentes aumentaram gastos para lidar com os desafios sanitários e evitar que suas economias desabassem. O estímulo resultou em inflação elevada e juros mais altos. Para completar, tensões geopolíticas ampliaram incertezas no mundo todo.
A receita mais segura em um cenário turbulento, segundo o FMI, é apostar na credibilidade e na transparência das políticas fiscal e monetária. Para o Fundo, é preciso aproveitar o ciclo de flexibilização da política monetária nas principais economias do mundo para elaborar políticas fiscais cuidadosas, que protejam as famílias mais vulneráveis e não prejudiquem o crescimento. Do contrário, os ajustes necessários terão de ser bem mais duros no futuro.
As projeções do FMI para a dívida brasileira foram mal recebidas pelo governo, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse esperar que esse cenário não se concretize. “Não acredito nessa trajetória. Se você está descrevendo o que está no documento, eu não acredito que ela vá acontecer”, afirmou o ministro, em entrevista a jornalistas em Washington.
Um dia antes, quando o FMI melhorou a estimativa para o crescimento do PIB de 2,1% para 3% neste ano, a receptividade foi muito diferente. Haddad celebrou a revisão sem questioná-la, negou que o avanço estivesse relacionado ao estímulo fiscal do governo e não deu muita atenção à previsão do FMI para o PIB de 2025, embora o crescimento tenha sido reduzido de 2,4% para 2,2%.
A questão é que o crescimento econômico, no caso brasileiro, tem sido muito influenciado pelo consumo, o que tem tudo a ver com o aumento da dívida bruta. Dados do Banco Central (BC), embora calculados de forma um pouco diferente, corroboram a trajetória traçada pelo FMI.
Pelo critério do BC, a dívida bruta atingiu 78,55% do PIB em agosto, o maior patamar desde outubro de 2021, quando ela estava em 79,5% do PIB. Desde janeiro deste ano, a dívida bruta calculada pelo BC já subiu 4,1 pontos porcentuais, e desde o início do governo Lula da Silva, quase 7 pontos porcentuais.
No FMI, Haddad defendeu o arcabouço fiscal como instrumento para conter a trajetória da dívida e seu fortalecimento como a melhor maneira de dissipar a desconfiança do mercado. O único gasto que teria ficado fora do arcabouço, de acordo com o ministro, teria sido o novo Auxílio Gás, rebatizado de Gás para Todos, que será redesenhado pela Fazenda. Ora, se isso fosse verdade, a dívida bruta não teria subido tanto em tão pouco tempo.
Ao contrário do que acontece nos países ricos, o Brasil acaba de iniciar um novo ciclo de aumento da taxa básica de juros, o que só reforça a recomendação do FMI sobre a necessidade de um ajuste fiscal e a projeção do fundo de desaceleração da economia no ano que vem. Mais do que nunca, impedir que a profecia do FMI se realize requer alinhamento entre as políticas fiscal e monetária.
Setor público mantém economia de quase metade dos municípios do país, segundo IBGE
Luany Galdeano / FOLHA DE SP
Quase metade dos municípios brasileiros tem a administração pública como principal atividade econômica, à frente de setores como indústria, agricultura e de serviços. São cidades mais pobres, que dependem de transferências de renda por parte dos governos federal e estadual e, em sua maioria, oferecem apenas serviços básicos aos cidadãos, de acordo com especialistas.
Ao todo, 43% dos municípios brasileiros se encaixam nessas condições, o equivalente a 2.409, em números absolutos. Desses, 2.286 têm menos de 50 mil habitantes, e a maior parte se encontra em estados do Norte e do Nordeste. Os dados são do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), divulgados no fim do ano passado e referentes a 2021.
O quadro faz com que o setor público nesses locais careça de profissionais qualificados, por ter salários menores e estrutura de trabalho mais precária para servidores. Segundo especialistas, uma saída adotada por parte prefeituras das prefeituras é a adesão a consórcios, para compartilhar e, com isso, reduzir despesas com a administração pública.
Este texto faz parte de um conjunto de reportagens alusivas ao Dia do Servidor Público, celebrado em 28 de outubro.
No Amapá, em Roraima e na Paraíba, 93% das cidades têm dependência em relação à administração pública. O Distrito Federal também está entre as unidades da federação que se encaixam nessa categoria. Amapá e Roraima são os únicos estados cujas capitais, Macapá e Boa Vista, respectivamente, têm o setor como principal fonte de renda.
"A administração pública é obrigatória, mas isso não quer dizer que o município não precise ter outras estruturas que lhe garantam uma potência arrecadatória", diz Ursula Peres, professora de gestão de políticas públicas da USP.
Pelo REM-F (Ranking de Eficiência dos Municípios da Folha), cidades que dependem do setor público têm os piores resultados. É o caso dos municípios paraenses de Bagre, Alenquer e Muaná, que ocupam as últimas posições no ranking.
O cenário é resultado da falta de recursos próprios que existe em boa parte das cidades brasileiras. Mais de 40% dos municípios enfrentam uma situação fiscal difícil ou crítica, em que dependem de transferência de receitas do governo federal ou de estados, segundo o Índice Firjan de Gestão Fiscal divulgado no fim do ano passado.
Esse quadro impede as cidades de investirem na economia municipal, que permitiria desenvolver o setor privado, elevar a empregabilidade dos habitantes e ajudar na arrecadação de impostos pela prefeitura, de acordo com especialistas.
Somado a isso, são locais que enfrentam dificuldade para atrair e reter profissionais qualificados, devido aos salários menores e condições mais precárias de trabalho, de acordo com Fernando Coelho, professor da USP e integrante do Movimento Pessoas à Frente, voltado à gestão de pessoas no setor público.
Essas cidades contam com estruturas precárias, onde faltam equipamentos e outros recursos mínimos para o trabalho. É uma situação que desestimula servidores, sobretudo os recém-chegados. Isso, por sua vez, gera uma alta rotatividade nos cargos, que agravar o quadro limitado nessas cidades, segundo o professor.
"Muitas vezes, falta inteligência profissional nesses municípios, tanto que eles têm dificuldade para captar recursos, porque não há pessoas dentro da prefeitura capazes de elaborar um projeto", diz. "Não há técnicos ali que saibam fazer uma boa compra pública ou organizar um concurso."
Ainda que o problema seja maior em cidades pequenas, existem grandes centros que também dependem da administração pública. No Rio de Janeiro, estão quatro dos dez maiores municípios nessas condições, todos na região metropolitana da capital. Entre elas, São Gonçalo, a segunda maior cidade fluminense, com quase 1 milhão de habitantes, além de Belford Roxo e São João de Meriti.
Segundo especialistas, esses são casos de municípios-dormitório, em que a maior parte da população mora ali, mas trabalha em cidades maiores –no caso, o Rio de Janeiro. A migração de profissionais para cidades vizinhas afeta o desenvolvimento econômico dessas periferias.
Municípios que têm a administração pública como principal atividade econômica também contam com uma população de menor PIB per capita, segundo dados do IBGE. Por isso, são as cidades que mais precisam de serviços de qualidade.
No entanto, esses lugares têm apenas o mínimo para atender às demandas básicas da população, de acordo com Ursula Peres, da USP.
Isso inclui, por exemplo, a estrutura do Cras (Centro de Referência de Assistência Social), escola municipal de ensino infantil, posto de saúde e ao menos uma ambulância, para transportar habitantes até hospitais em cidades maiores.
Hoje, há cidades que repensam formas de investir nos serviços para reduzir custos, o que inclui consórcios. Um deles é o Consórcio Intermunicipal de Saúde da Microrregião Alto Rio Verde Grande, em Minas Gerais. A iniciativa reúne 19 municípios.
De acordo com Sérgio Miranda, secretário-executivo do consórcio, o objetivo do grupo é aumentar o volume das compras para reduzir os gastos.
Por exemplo, médicos que cobram por consulta pediriam um valor maior para atender a menos pessoas em um município pequeno. Mas quando os gastos com esse profissional são compartilhados entre dez cidades, os valores ficam reduzidos. O mesmo funciona para insumos e exames, segundo o secretário.
"Os custos para a produção de determinados serviços públicos ficaram onerosos. Por isso, juntamos municípios de pequeno porte para gerar ganho de escala e, com isso, obtemos um custo médio inferior para cada atendimento."
Esquerda perde metade das capitais do Nordeste; direita domina as do Centro-Oeste
Com os resultados do segundo turno das eleições municipais de 2024, as capitais de estado do país foram dominadas por prefeitos ao centro e à direita do espectro político. Dos 26 gestores eleitos no primeiro e segundo turno, 15 são de centro, nove de direita e apenas dois de esquerda, segundo o alinhamento do GPS ideológico da Folha
Na região Nordeste, 6 das 9 capitais foram vencidas por candidatos de direita, uma pelo centro e duas pela esquerda. Na eleição de 2020, a direita conquistou havia três, o centro, duas, e a esquerda, quatro.
Esse é o pior resultado dos partidos do campo político do presidente Lula (PT) na região desde a redemocratização, em 1985.
Além do avanço no Nordeste, a direita conquistou todas as capitais da região Centro-Oeste. No Sul e no Sudeste, 6 das 7 serão governadas por partidos de centro: quatro pelo PSD (Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba e Florianópolis) e duas pelo MDB (São Paulo e Porto Alegre).
Número de prefeitos reeleitos é o maior dos últimos 20 anos
O número de prefeitos reeleitos no Brasil em 2024 é o maior dos últimos 20 anos. Ao menos 80% dos candidatos mantiveram suas posições no Executivo municipal, representando 2.571 cidades no país, de acordo com análise da Folha a partir de dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Antes de 2024, o último recorde de reeleições havia sido em 2008, quando 65% dos candidatos se reelegeram, totalizando 2.385 prefeituras.
Considerando partidos robustos, com mais de cem políticos concorrendo à reeleição, o Republicanos registrou a maior taxa, com 86% de reeleitos (203 de 235 prefeituras disputadas). Um destaque é Vitória (ES), com reeleição de Lorenzo Pazolini no primeiro turno. É a única capital comandada pela sigla.
Já entre legendas com menos de cem prefeitos concorrendo à reeleição, Cidadania e PC do B lideraram a taxa de êxito, com 89% (17 de 19 municípios) e 86% (13 de 15 prefeituras), respectivamente.
Os estados com maior taxa de reeleição são Amapá e Roraima, que reelegeram 100% dos prefeitos que tentaram um novo mandato. O número de concorrentes, entretanto, era baixo: 9 no primeiro e 10 no segundo estado.
Dr Furlan (MDB), prefeito da capital Macapá, foi reeleito com a maior vitória dentre as capitais, chegando a 85% dos votos válidos.
Já ao considerar estados com mais de cem postulantes concorrendo à reeleição, a Paraíba apresentou o melhor aproveitamento, de 93% (108 de 115 prefeituras), maior percentual dos últimos 20 anos.
O prefeito da capital João Pessoa, Cícero Lucena (PP), foi reeleito no segundo turno com 63,91% dos votos frente ao concorrente Marcelo Queiroga (PL).
Historicamente, a Paraíba se destaca pela reeleição, com uma média de 71%. Desde o início da série histórica, o estado nunca deixou de reeleger ao menos 62% de seus prefeitos.
São Paulo só atingiu essa marca duas vezes, em 2008, com 70% de reeleitos, e neste ano, seguindo a tendência nacional, com 72%.
Na capital paulista, Ricardo Nunes (MDB) foi reconduzido ao cargo com 59,35% dos votos, contra 40,65% de Guilherme Boulos (PSOL).
Considerando o primeiro e o segundo turno de 26 capitais brasileiras, 16 delas mantiveram os mesmos candidatos de 2020.
O Nordeste concentrou a maioria das reeleições, com as vitórias de João Campos (PSB) no Recife, Bruno Reis (União Brasil) em Salvador, JHC (PL) em Maceió e Eduardo Braide (PSD) em São Luís.
Nas demais regiões, foram reeleitos Eduardo Paes (PSD) no Rio de Janeiro, Topázio Neto (PSD) em Florianópolis, Lorenzo Pazolini (Republicanos) em Vitória, Tião Bocalom (PL) em Rio Branco e Arthur Henrique (MDB) em Boa Vista.
Os homens apresentam uma taxa de reeleição maior do que as mulheres. Em 2024, eles garantiram 81% das prefeituras com disputa de reeleição, mantendo-se em 2.231 municípios. Já as mulheres alcançaram um recorde de 76%, com 340 prefeitas reconduzidas ao cargo.
Pessoas pretas, amarelas e indígenas são menos reeleitas nas prefeituras. Pessoas brancas mantêm o maior número de cargos, embora não tenham nestas eleições o maior percentual. Dos 2.105 prefeitos brancos que tentaram renovar seus mandatos, 78% tiveram sucesso. Pretos registraram o maior percentual de reeleição entre todos os grupos (87%), garantindo 67 das 77 prefeituras em disputa.
Já entre os candidatos pardos, a taxa de reeleição foi de 84% (840 das 1.000 prefeituras disputadas). Indígenas e amarelos, com menor representação, reelegeram 6 dos 7 e 5 dos 6 prefeitos, respectivamente.