Queda da fome no Brasil: entenda os erros do governo nos gráficos sobre segurança alimentar
Por Franklin Weise / O CURIOSO / O ESTADÃO DE SP
Há alguns dias, o Ministério de Desenvolvimento e Assistência Social comemorou a publicação dos dados de insegurança alimentar de 2024 na manchete que destacava o menor patamar de pessoas em situação de fome na história.
A queda da fome é real? Sim! Mas o diabo mora nos detalhes. Antes de tudo: o que é medido – e como?
O questionário Escala Brasileira de Medida Domiciliar de Insegurança Alimentar (EBIA) é o instrumento que mede experiências subjetivas da fome percebida via um conjunto de 14 perguntas padronizadas sobre o acesso a alimentos. Este questionário foi aplicado pela primeira vez pelo IBGE na PNAD anual em 2004 e repetido em 2009 e 2013. Em 2018, foi incluído na Pesquisa de Orçamento Familiar, também conduzida pelo IBGE.
Em 2020 e 2022, uma outra entidade, não ligada ao governo federal (Rede Penssan) encomendou a pesquisa Vigisan ao instituto Vox Populi.
Em 2023 e 2024, o IBGE retomou a pesquisa, mas agora via PNAD contínua (que mede os dados mensalmente), em vez da PNAD anual, que coletava os dados em setembro apenas.
E agora vamos às diferenças: a PNAD antiga abrangia 1.100 municípios. Já a Vigisan colheu respostas em 577 municípios e a PNAD contínua (modelo atual), em 3.500. Com a mudança no tamanho da amostra, muda também a precisão das estimativas. Mas o grande problema não está aqui.
PNAD, PNAD contínua e Pesquisa de Orçamento Familiar foram executadas pelo IBGE, via o questionário-padrão de 14 itens já mencionado antes. Já a Vigisan foi encomendada pela Rede Penssan e executada pelo Vox Populi, com um questionário reduzido de apenas 8 itens. Aqui já fica claro que misturar os resultados da Vigisan com os da PNAD/POF, como o Ministério do Desenvolvimento Social fez, não é admissível pela diferença nos questionários - viram indicadores distintos.
É interessante observar que, em 2022, quando da publicação da segunda edição da Vigisan, a própria Rede Penssan chamou atenção para a diferença ao incluir no gráfico a observação “Dados reanalisados para a escala de oito itens”, o que mudou os resultados do IBGE na plotagem.
Indo além: quanto à distribuição amostral, nas notas metodológicas a Vigisan diz que “apontou comparabilidade com a distribuição amostral da PNAD 2015, tomada como referência, com semelhanças nas distribuições por sexo e idade entre os inquéritos”. Percebem uma importante omissão? Não considerou escolaridade. Mas ela consta nos dados: em vez do aumento na participação de entrevistados com ensino superior, o que seria esperado pelo intervalo de 7 anos entre a PNAD 2015 e a Vigisan 2022, apontou significativa redução (de 18% para 12% da amostra). Fica evidente que a amostra usada pela Vigisan é distinta da PNAD anual, que novamente torna a comparação direta descabida (mesmo se ajustada pelo mesmo número de perguntas).
Aqui já poderíamos encerrar: o gráfico de linhas que ilustra a matéria do MDS é conceitualmente incorreto, pois mistura resultados que não poderiam ser misturados em uma mesma série.
Mas existe um detalhe adicional no gráfico seguinte (o de colunas) que é especialmente pernicioso: entre as colunas de 2018 e 2020, há uma observação que coloca uma nota de contexto (“desmonte das políticas públicas”). No entanto, não há menção aos dois eventos bombásticos que influenciaram a série: a recessão de 2015-2016 e a pandemia de 2020-2022.
Em outras palavras: ao incluir uma nota que infere efeito causal por uma alteração de políticas públicas (“desmonte”) e omitir dois fenômenos objetivos (possivelmente muito mais importantes), o gráfico distorce a compreensão, que pode muito bem ser classificado como desinformação por parte do MDS.
Vale lembrar que, por outro lado, o IBGE corretamente não considera a Vigisan na série histórica da fome em suas publicações.
Nota: perceberam que, no gráfico de linhas, o último ponto de insegurança alimentar moderada (4,5%) está acima dos 5,3% do ano anterior? É o que eu chamo de “gráfico feito à mão livre”.
Vejam o quanto é importante se atentar a usar apenas indicadores colhidos com uma única metodologia numa série histórica - e cuidado com as notas explicativas junto ao gráfico!
E, de novo, terei de encerrar com meu mantra: “mais rigor, por favor!”.
O Estado brasileiro, esse demiurgo, é feito para destruir os cidadãos
Luiz Felipe Pondé Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP / FOLHA DE SP
Sempre tive uma paixão anarquista. Assim como o filósofo britânico do século 20 Michael Oakeshott falava acerca da disposição conservadora, eu falaria de uma disposição anarquista em algumas pessoas.
Pressinto que toda forma de poder deve ser objeto de desconfiança, mas, considerando as diferenças da duas formas conhecidas de anarquismo —o socialista e o anarcocapitalista—, não partilho de nenhuma das crenças alimentadas por elas por julgá-las bobas e equivocadas. O que faz de mim um anarquista sem pátria.
Além do fato, óbvio, de que parece absurda a ideia de que possamos viver sem alguma forma mínima de Leviatã, o que considero um modo específico de tragédia humana.
Se atentarmos para algumas das ideias do príncipe anarquista russo Piotr Kropotkin no seu volume "O Princípio Anarquista e outros Ensaios", editora Hedra —ou mesmo na sua biografia "Peter Kropotkin, From Prince to Rebel", de príncipe a rebelde, de George Woodcock e Ivan Avakumovic, da Black Rose Books—, o autor descreve a emergência da ideia de estado como um processo que destrói a autonomia originária das populações que viviam em comunidades livres e sem propriedade privada. Portanto, há uma tentativa de gênese histórica do poder.
Além desse olhar, suas viagens de exploração geográfica pela vasta Sibéria deram a ele a clara percepção da crueldade de qualquer forma de poder e sua inviabilidade de operar fora do mecanismo de esmagamento das pessoas sob sua tutela.
Kropotkin reconhece ao longo da sua obra o valor de outros anarquistas socialistas como William Godwin —pai da escritora Mary Shelley—, Mikhail Bakunin, Pierre-Joseph Proudhon e Max Stirner —todos viveram entre os séculos 18 e 19. Entretanto, reconhece também a tendência à pura negatividade das propostas "nunca mais autoridade, nunca mais propriedade privada", aparentemente pecando pela falta de um anarquismo propositivo.
O autor entendia que a presença das formas de poder na história iria se desfazer na medida da sua incompetência em gerir a vida humana, e seu modo social e político. O mundo se transformaria naquilo que nunca deveria ter deixado de ser: um cotidiano social de partilha, solidariedade e liberdade absoluta. Ele via este processo como inevitável, levando-o a romper com a revolução bolchevique por considerar que toda forma de poder degenera em autoritarismo.
Kropotkin considerava a empreitada enciclopédica de filósofos como Voltaire uma ferramenta essencial para a anarquia porque colocava ao alcance de todos a filosofia, que, na sua opinião, era a arma fundamental contra os "esfomeadores" que torturavam as pessoas com seus homens de negócios, padres e professores universitários e sua linguagem incompreensível.
Lembre que o nosso príncipe não conheceu autores como Martin Heidegger ou Jacques Lacan, mas, que teve ao seu alcance nomes como Hegel, Schelling e Fichte, típicos filósofos alemães das universidades, portadores de linguagem complicadíssima.
O anarquista russo defendia a "ciência da mutualidade", princípio para o qual as pessoas e sociedades tendem, quando são deixadas em paz para gerir suas vidas sem a intervenção estatista que visa destruir essa vocação humana para a mutualidade.
Temo que essa natureza humana não exista, e aqui volto à crítica esboçada acima. A utopia do príncipe tem toda a história humana contra ela. O ser humano não parece capaz de realizar essa mutualidade da qual ele fala.
Soando quase Rousseau, o anarquismo socialista morre na praia sempre, pelo menos com os seres humanos que existiram e existem. A própria ideia de um "homem natural solidário", enterrado sob a violência das formas estatistas, parece empiricamente voltada ao fracasso histórico.
O anarco-capitalista Murray Rothbard, do século 20, dizia que o Estado era um bando de ladrões em escala —concordo com ele. Em se tratando deste discípulo de Von Mises da Escola Austríaca liberal, defensora do estado mínimo, o equívoco estaria em crer que contratos privados a partir de interesses pessoais e empresariais seriam suficientes para organizar a vida em sociedade. A liberal radical Ayn Rand, como Von Mises, defensora do estado mínimo, criticava justamente essa ilusão de que uma sociedade dessa ficasse de pé sem degenerar em lugares do tipo Sudão e similares.
O Estado brasileiro, esse demiurgo, é feito para destruir o cidadão. Os criminosos operam livremente e sob suas graças. De todos os poderes, hoje, o mais perigoso é o Poder Judiciário e associados. Leniente com bandidos, o Judiciário hoje destrói quem ele quiser.
O novo Toffoli no STF: homem, branco, jovem, petista, amigo do rei e confiável
Por Eliane Cantanhêde / O ESTADÃO DE SP
Numa partida de futebol no Palácio do Jaburu, residência oficial dos vice -presidentes, Lula, em seu segundo mandato, apontou o dedo para o advogado e deputado Luiz Carlos Sigmaringa Seixas e comunicou: “Você vai ser o próximo ministro do Supremo”. Sig, como era conhecido, não titubeou: “Tá louco, Lula? Eu não estou preparado para isso”. Houve outras investidas, ele nunca aceitou.
José Antônio Dias Toffoli não teve a mesma prudência. Vestiu a toga do STF aos 42 anos, em 2009, e aos 50 foi o mais novo presidente da corte desde o império. Formado em Direito pela USP, foi advogado, assessor parlamentar e Advogado Geral da União (AGU), mas não tinha mestrado nem doutorado e tinha levado duas bombas em concursos para a magistratura. Quem não conseguiu ser juiz virou ministro do Supremo.
Hoje, o também AGU Jorge Messias, virtualmente o novo ministro do STF, é sempre comparado com Cristiano Zanin, advogado que brilhou na defesa de Lula na Lava Jato e foi premiado com a toga. A escolha de Messias, porém, tem muito mais a ver com a de Dias Toffoli, 16 anos atrás, pelo mesmo Lula. Amigo do peito, “confiável”, muito jovem, petista e pau para toda obra.
Ao assumir a cadeira, Toffoli era o típico “bom moço”, cheio das melhores intenções e ambições, e o salto estonteante pode ter lhe custado muito caro, inclusive pessoal e emocionalmente. Imaginem as crises de consciência nos julgamentos do mensalão e do petrolão, atingindo em cheio o padrinho Lula e os amigos do PT? Na dúvida, mergulhou na onda da Lava Jato e até hoje paga um alto preço, até, ou principalmente, em decisões no STF.
Messias conquistou a fama como “Bessias”, depois de a então presidente Dilma Rosseff, gripada, ser grampeada num telefonema para Lula avisando que ele seria o mensageiro de sua nomeação para a Casa Civil – o que blindaria Lula dos processos, mas foi vetado pelo próprio Supremo.
Formado em Direito pela UFPE, Messias é pernambucano, tem 45 anos, é mestre e doutor em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional pela UnB e fez carreira como procurador, inclusive do BC e do BNDES. Hoje é AGU, com boas relações no STF.
É um bom currículo, mas não consta que Messias seja um jurista brilhante, reconhecido, com estatura para a mais alta corte do País, pronto para enfrentar um momento tenso no Supremo e segurar a cadeira e a toga durante trinta anos, até os 75.
Com o detalhe, que não é detalhe, de que ele é evangélico e foi praticamente anunciado ao orar com Lula, bispos e pastores, no Planalto, na última quinta-feira. Isso embola ainda mais amizade, lealdade, religião e cálculo eleitoral.
Da Itália, Lula mandou o recado de que não escolheria um amigo nem levaria em conta se o candidato era mulher ou homem, preto ou branco, mas sim se era uma pessoa gabaritada, que cumprisse a Constituição. Ele, porém, está indicado, sim, não apenas um amigo, mas um amigo confiável, homem, branco, jovem e petista, na linha do “eu quero, eu faço”.
O Supremo está sob a presidência de Edson Fachin, respeitado pela discrição - nem sequer foi ao jantar de Lula com ministros -, mas considerado “fraco” pelos colegas, justamente quando a corte está conflagrado pela dissidência de Luiz Fux no julgamento do golpe e agora pelo processo sobre aborto, reaberto por Luiz Roberto Barroso, no último instante antes da aposentadoria.
A curiosidade é que Carmen Lúcia, a única mulher entre os onze ministros, é considerada, além de firme, a mais ponderada e sensata entre eles. Como dizem os evangélicos, “oremos” para que Messias, o novo Toffoli, seja nas próximas três décadas o que um ministro do STF deve ser, preparado, técnico, sério, independente e, acima de tudo, reverente à Constituição.
ACREDITE: Quem avisa amigo é
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
Um erro cometido de forma consciente, a despeito dos alertas sobre suas consequências, pode derivar de teimosia, manipulação ou irresponsabilidade. Ou de tudo isso somado. Em casos graves envolvendo a administração pública, pode chegar a caracterizar crime de responsabilidade. Pode-se dizer que o planejamento orçamentário do governo Lula da Silva tem circundado perigosamente o terreno da irresponsabilidade fiscal.
Uma recente reportagem do Estadão/Broadcast mostrou que um parecer elaborado em maio por técnicos da Secretaria de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento defendeu que os contingenciamentos de despesas fossem definidos a partir de cálculos baseados no centro da meta fiscal, e não no piso tolerado. A recomendação, como se sabe, foi ignorada. A nota técnica acabou embasando a advertência feita em setembro pelo Tribunal de Contas da União (TCU) ao governo sobre a incompatibilidade da adoção do limite inferior com o que determina a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Na época, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, informou que iria recorrer da decisão do TCU e empurrou para o Congresso a responsabilidade por ter recusado uma proposta do governo Lula para flexibilizar as despesas do Orçamento que permitiria, como alegou, “buscar um resultado fiscal melhor”. Balela, obviamente, aproveitando a brecha do arcabouço fiscal, criado pelo próprio governo Lula, que dá como cumprida a meta se o piso for atingido.
Como diz um antigo ditado popular, quem quer faz, quem não quer dá uma desculpa. E, de desculpa em desculpa, o governo busca um jeito de declarar “cumprida” a meta fiscal mesmo que na ponta do lápis as contas deixem dúvidas sobre o saldo real. Ora são autorizações para a exclusão de gastos considerados excepcionais – já aconteceu com o programa Pé-de-Meia, os precatórios, o Fundeb, o auxílio ao Rio Grande do Sul e as verbas para o Judiciário, entre outros –, ora são as manobras para evitar maiores cortes orçamentários, desconsiderando as normas fiscais.
Tudo isso mina a transparência e põe em dúvida a sustentabilidade fiscal do governo, como alertou o TCU. No ano eleitoral de 2026, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá de entregar, pela primeira vez, o resultado positivo das contas públicas prometido para este terceiro mandato. A meta oficial é de superávit de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), o que hoje corresponde a R$ 34,3 bilhões. A tolerância permitida é zero, ou seja, empate entre o saldo das receitas e o das despesas. Será curioso testemunhar o contorcionismo discursivo e contábil do governo para tentar adequar o resultado à meta, sem necessariamente cumpri-la.
A Nota Técnica 477 da Secretaria de Orçamento Federal comprovou que o governo de Lula tem plena consciência do que está sendo desconsiderado para um planejamento crível das contas públicas. Desculpas, sempre há muitas, mas vale lembrar que a violação dos deveres relativos ao funcionamento da administração pública é crime de responsabilidade, punido com perda do cargo e inabilitação para qualquer função pública.
A última tentação do Supremo
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento da Ação Penal 2.694, contra os sete réus do núcleo 4 da tentativa de golpe de Estado, o chamado “núcleo de desinformação”. O grupo foi acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de ser responsável por uma “guerra informacional” voltada a atacar o sistema eleitoral, autoridades e instituições. São muito graves as acusações formais – golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado –, cabendo à Primeira Turma do STF julgar se os fatos e as provas trazidos aos autos pelo parquet as sustentam.
O que é inquietante, porém, é que a acusação feita pelo procurador-geral, Paulo Gonet, parece se expandir para um terreno aonde o Direito Penal ainda não chegou: a criminalização da “desinformação”. A tese do sr. Gonet é de que os integrantes do núcleo 4 teriam disseminado mentiras sobre o sistema eleitoral com o propósito de desacreditá-lo e, assim, criar o ambiente de revolta social que culminou no 8 de Janeiro. A razia promovida pelos golpistas naquele fatídico dia seria o estopim para uma intervenção militar que, ao fim e ao cabo, subverteria o legítimo resultado das urnas em 2022. Mais bem dito: a manipulação de informações falsas teria sido o instrumento fundamental da tentativa de golpe, no entender da PGR.
Trata-se de uma construção arriscada, para dizer o mínimo. Não há, no ordenamento jurídico pátrio, um tipo penal que defina “desinformação” ou divulgação de “fake news” como crime. Ainda que a conduta dos réus seja antidemocrática, moralmente reprovável e politicamente perigosa, o fato de espalharem mentiras sobre o sistema eleitoral não basta, por si só, para condená-los – ao menos até que o Congresso Nacional, e não o STF, delimite a fronteira entre o que é liberdade de expressão e o que é ilícito penal.
Imputar responsabilidade penal com base em condutas não tipificadas fere o princípio da legalidade, viga-mestra do Direito Penal e um dos sustentáculos do Estado de Direito. Ninguém pode ser punido por ação ou omissão que a lei não defina como crime. É por isso que, numa república digna do nome, a prerrogativa de criar tipos penais cabe ao Legislativo, locus adequado para o debate democrático sobre as consequências, limites e riscos de uma eventual criminalização da disseminação de desinformação.
No Congresso, discute-se um projeto de lei para regular as plataformas digitais e combater a propagação de conteúdos falsos, o chamado PL das Fake News. O fato de os parlamentares ainda não terem chegado a um consenso para votá-lo é prova da complexidade do problema. Ora, se até os representantes da sociedade, com toda a legitimidade de que dispõem, divergem sobre o que seja “desinformação”, não só é temerário, como inconstitucional, deixar essa faina a cargo de cinco ministros do STF.
Na Corte, contudo, há quem não veja problema em romper com a separação de Poderes. Em maio, quando aceitou a denúncia contra os réus do núcleo 4, o ministro Flávio Dino defendeu que as “fake news” sejam reconhecidas como modalidade de “violência gravíssima”, com efeitos, pasme o leitor, “similares a uma facada ou a um tiro”. Esse reconhecimento, segundo Dino, há de vir “pela via legislativa ou pela via jurisprudencial”. Ora, não há disjuntiva nessa questão: o STF simplesmente não pode criar tipos penais por “via jurisprudencial”, sob pena de usurpar uma competência exclusiva do Congresso. Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes, outros integrantes da Primeira Turma, já manifestaram o mesmo ânimo legiferante.
Se, baseado em provas, o STF condenar os réus considerando os crimes previstos em lei de que foram acusados, terá cumprido o seu papel. Mas, se decidir condená-los com base em um conceito fluido e não tipificado como “desinformação”, abrirá uma senda perigosa para a democracia brasileira. Hoje, o alvo é quem espalha mentiras sobre as urnas eletrônicas. Amanhã, poderá ser qualquer um que manifeste uma opinião classificada como ilícita sabe-se lá por quem. Por mais tentador que seja criminalizar a “desinformação”, isso é incompatível com a mais elementar das liberdades democráticas.
Receio de 'greve' de Alcolumbre sobre indicação de Messias leva intranquilidade ao Judiciário
Painel
Editado por Fábio Zanini, espaço traz notícias e bastidores da política. Com Danielle Brant e Carlos Petrocilo / FROLHA DE SP
Integrantes do Poder Judiciário temem a reação do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP) caso o governo Lula confirme a indicação de Jorge Messias (AGU) para o STF.
O receio é de uma repetição da "greve" que ele fez em 2021, quando segurou durante cinco meses a sabatina de André Mendonça, por discordar da indicação.
Na ocasião, ele preferia o então procurador-geral da República, Augusto Aras, para a vaga. Agora, Alcolumbre trabalha pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Segurar sabatinas é um modus operandi do presidente do Senado, que costuma atrasar a aprovação de indicados para agências e outros postos para extrair concessões.
Já no governo Lula, há mais otimismo. Aposta-se na boa relação construída com o senador, que tem dois ministros de sua cota, das Comunicações e Integração Regional, além de cargos menores.