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Toffoli ignorou conflito de interesse ao suspender multa bilionária, diz Conrado Hubner Mendes

Por Rubens Anater / O ESTADÃO DE SP

 

O jurista Conrado Hubner Mendes, professor de Direito Constitucional na Universidade de São Paulo (USP), considera “profundamente equivocadas e inapropriadas” as decisões do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, que suspenderam as multas bilionárias dos acordos de leniência das empresas Novonor (antiga Odebrecht) e J&F.

 

Para o professor, o problema começa no fato de o ministro ter agido por meio de uma decisão monocrática, sem manifestação imediata do plenário do STF, a despeito do impacto e da relevância do tema. A situação piora pelo fato de sua mulher, a advogada Roberta Rangel, prestar assessoria jurídica para a J&F. “O reconhecimento de conflito de interesse é uma regra muito elementar do judiciário civilizado e o Toffoli ignorou isso”, afirmou o professor, em entrevista exclusiva ao Estadão.

 

Mas no âmago da questão está a fundamentação jurídica do ministro, que Hubner Mender classificou como “árida e abstrata”. Para ele, a justificativa de que há dúvida sobre a voluntariedade das empresas nos acordos de leniência é “forçado”. “Quando a pessoa está sob tortura, seja física, seja moral, é possível questionar a voluntariedade daquilo que ela aceita fazer. É diferente a situação dos maiores empresários do País, com os advogados mais caros, sentando à mesa para negociar.”

 

Ele diz ainda que a fundamentação das decisões do ministro é “basicamente” composta por “lugares-comuns” e críticas à Lava Jato. O professor não questiona as críticas e concorda que houve abusos e arbitrariedades na operação, mas afirma que as “frases genéricas” não valem como fundamentação jurídica para a suspensão de acordos construídos com revelações confessas de corrupção.

 

Para o professor, há atualmente um esforço interessado e lucrativo contra o que restou da operação. “A Lava Jato já foi enterrada e desmoralizada há muito tempo”, avalia ele, mas pondera que parte do grupo que se autodenomina antilavajatista – principalmente os que tem interesses advocatícios no tema – se metamorfoseou com o tempo. “É importante e lucrativo, para essa advocacia, manter a sombra da ameaça da Lava Jato bem viva, pois essa estratégia é um atalho retórico para defender seus clientes.”

 

Veja a entrevista na íntegra:

 

ESTADÃO: Como o senhor avalia as decisões do ministro Dias Toffoli que suspenderam o pagamento das multas dos acordos de leniência da J&F e da Novonor (Odebrecht)?

Conrado Hubner: Eu avalio como profundamente equivocadas e inapropriadas por uma série de razões. A primeira é que são decisões sérias e impactantes demais para serem tomadas de forma monocrática sem que o plenário se manifeste imediatamente. Isso é muito grave, ainda mais em casos de tamanha repercussão para o País.

O segundo problema é que a fundamentação jurídica é árida e abstrata. Basicamente uma série de lugares-comuns sobre a Lava Jato, de que ela violou garantias e prerrogativas, abalou a democracia e a economia do País. As frases genéricas dizem o óbvio, mas não são fundamentação jurídica. Ocorreram muitas arbitrariedades e abusos, em particular na forma como casos foram conduzidos por Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, mas a Lava Jato é um edifício multifacetado, que também promoveu negociações e acordos de leniência, termos de ajuste de conduta, pagamento de multas, revelação de práticas confessas de corrupção. Essa parcela da Lava Jato não pode ser anulada numa canetada, como se todo esse edifício estivesse contaminado pela mesma ilegalidade, sob o argumento bastante cínico e lucrativo para a advocacia de que 100% do que aconteceu na operação foi contaminado por práticas abusivas, o que é falso. Como se os empresários mais poderosos do País, com os advogados mais caros, negociando acordos de leniência, estivessem sob tortura. Importante desconfiar sobre o que está por trás disso. Falta análise, sofisticação jurídica, falta levar a especificidade de cada caso a sério.

A Lava Jato é um edifício multifacetado, que também promoveu negociações e acordos de leniência, termos de ajuste de conduta, pagamento de multas, revelação de práticas confessas de corrupção. Essa parcela da Lava Jato não pode ser anulada numa canetada, como se todo esse edifício estivesse contaminado pela mesma ilegalidade

Conrado Hubner Mendes

O terceiro problema diz respeito à total indiferença de ministros do STF a seus conflitos de interesse, conduta que é muito prejudicial à instituição do STF. É sabido que esposas, filhos e irmãos de ministros são advogados que atuam no Supremo, e, no caso específico do Toffoli, a esposa dele advoga para a J&F. E aqui não é questão de lançar desconfiança sobre a integridade do ministro, mas ter uma preocupação objetiva de que, ao aceitar julgar um caso de uma empresa para quem sua esposa advoga, ele nos autoriza a desconfiar de que ele não está sendo imparcial. O reconhecimento de conflito de interesse é uma regra muito elementar do judiciário civilizado e o Toffoli ignorou isso. Ao direito não interessa saber se um ministro é subjetivamente capaz de julgar cliente da esposa com imparcialidade, interessa sim evitar que a desconfiança abale à confiabilidade da instituição. Um elemento objetivo, não subjetivo. Imparcialidade objetiva, não subjetiva. Vários ministros a ignoram. Não é só falta de noção, é desfaçatez, entre outras coisas.

ESTADÃO: É válido o argumento usado por Toffoli de que houve falta de voluntariedade das empresas ao fechar os acordos de leniência?

Conrado Hubner: Esse é um conceito do Direito Penal e Administrativo que basicamente pede que o investigado que está negociando uma sanção esteja no uso das suas faculdades intelectuais e morais, da sua autonomia. E não existe uma forma matemática, biológica ou psicológica para se testar se há voluntariedade, há contextos e critérios jurídicos. Quando a pessoa está sob tortura, seja física, seja moral, é possível questionar a voluntariedade daquilo que ela aceita fazer.

É diferente a situação dos maiores empresários do País, com os advogados mais caros, sentando à mesa para negociar. Um pouco forçado dizer que não há voluntariedade. Claro que o investigado negocia a contragosto, ele preferia continuar a cometer ilícitos sem ser incomodado, mas voluntariedade não se confunde com desejar cumprir sanção, voluntariedade significa ser investigado nos termos da lei, não ser tratado a pão de ló O investigado do caso sabia que seria punido e estava negociando o grau da sua colaboração, como ajustar suas práticas à lei e como ajudar a combater a prática desse delito por outros atores.

As situações são muito diversas. O miserável, negro, preso e torturado está em uma situação, o empresário com dezenas de advogados está em outra. Dizer que não há voluntariedade nisso é impedir qualquer acordo de leniência, é inviabilizar a aplicação da lei.

As situações são muito diversas. O miserável, negro, preso e torturado está em uma situação, o empresário com dezenas de advogados está em outra. Dizer que não há voluntariedade nisso é impedir qualquer acordo de leniência, é inviabilizar a aplicação da lei.

ESTADÃO: O que podemos esperar dos recursos do procurador-geral da República, Paulo Gonet, que questionam a suspensão das multas?

Conrado Hubner: É importante observar o tipo de recurso que o PGR interpôs. Ele entrou com um agravo que dá a discricionariedade para o Toffoli, relator, levar a plenário quando quiser. Não há nenhum tipo de constrangimento para ele levar ao plenário. Que o próprio Toffoli, que tomou a decisão agora enfrentada por um recurso, possa decidir quando esse recurso será julgado, é mais um vício procedimental nas praxes do STF.

 

ESTADÃO: O PGR poderia ter entrado com outro tipo de recurso?

Conrado Hubner: O PGR poderia ter entrado com o recurso diretamente à presidência do STF porque o presidente da Corte, em certas situações graves em que considere a liminar viciada, pode intervir, caso seja provocado. E quem inventou, criativamente, esse poder da presidência do STF foi o próprio Toffoli, quando era presidente. Revogou liminar de Lewandowski que autorizava entrevista de Lula na cadeia. Podemos questionar esse poder, mas ele está aí. Que Toffoli o tenha inventado autoritariamente, na sua sanha lavajatista, é dessas ironias da história. Por que Gonet não pede a suspensão dessa liminar e prefere submeter ao voluntarismo de Toffoli?

ESTADÃO: O ministro Dias Toffoli já teve posições que foram vistas como favoráveis à Lava Jato. O que mudou para sua atuação atual?

Conrado Hubner: O que mudou foi a conjuntura política. Claro que um ministro pode mudar de posição ao longo do tempo, isso não é prova de falta de integridade nem de despreparo intelectual. O problema é que Toffoli não tem sido capaz de formular qualquer argumento para explicar essas mudanças. Seus votos ao longo do tempo são um festival de incoerência . Nesse sentido, ele é um ministro que flutua conforme o vento da política.

ESTADÃO: Como o senhor avalia a participação da ONG Transparência Internacional nos acordos de leniência e a investigação aberta pelo ministro Toffoli sobre ela?

 

Conrado Hubner: A única coisa que eu observaria é que por mais questionável que possa ter sido o apoio bastante vocal que essa organização deu no momento dos piores abusos da Lava Jato, ela já foi exposta, acusada, investigada, sofreu inquérito e já se sabe que, independentemente de todos os erros que possa ter cometido, ela não recebeu milhões de dólares para si. Então pode-se dizer que a abertura de um novo inquérito para investigar um fato já sabidamente falso é um gesto de intimidação. Isso não significa minimizar erros que a organização possa ter cometido no auge persecutório da Lava Jato. Atacá-la arbitrariamente consiste em neolavajatismo praticado por aqueles que dizem lutar contra arbitrariedades da Lava Jato

ESTADÃO: O senhor acredita que vivemos hoje um cenário de ‘antilavajatismo’?

Conrado Hubner: Vivemos um momento em que as posições jurídicas que se denominam retoricamente de antilavajatistas tentam triunfar sobre qualquer argumento jurídico pelo simples fato de se denominarem antilavajatistas. Constróem artificialmente um embate bipolar, e como se enxergam do lado do bem e do progresso, curiosamente associados ao grande poder econômico, se consideram dispensadas de argumentar juridicamente. Basta sair por aí acusando qualquer adversário ou crítico de lavajatista para desviar do debate jurídico que importa, para desviar, por exemplo, do debate sobre a ilegalidade grotesca das liminares de Toffoli e de como decisões assim, que suspendem multas de bilhões, afetam pensões de trabalhadores e contribuem para a desigualdade brasileira, por exemplo. Um progressismo muito vesgo.

‘Lavajatistas’ e ‘antilavajatistas’ são grupos que se enfrentaram ao longo da Lava Jato. Os denominados ‘antilavajatistas’ eram um grupo plural de acadêmicos, advogados, políticos, atores sociais e militantes. Foi um grupo que apesar de tão heterogêneo foi importante para dar transparência e combater os violentos abusos da Lava Jato.

A Lava Jato já foi enterrada e desmoralizada há muito tempo. Apesar disso, parte desse grupo heterogêneo que se autodenomina antilavajatista, sobretudo a fração com vultosos interesses advocatícios, foi se metamorfoseando. É importante e lucrativo, para essa advocacia, manter a sombra da ameaça da Lava Jato bem viva, pois essa estratégia é um atalho retórico para defender seus clientes. Um atalho de economia argumentativa, um argumento sectário e manipulador.

Suspender multas de bilhões obviamente gera honorários de muitos milhões. Melhor ainda se você puder fazer isso dentro de uma macro-narrativa de que todo o edifício multifacetado da Lava Jato, todas as suas sanções, provas produzidas, documentos, depoimentos, acordos etc., basicamente tudo, seria juridicamente nulo. Esforço argumentativo zero, recompensa em honorários máxima. Sem falar do desperdício de recursos públicos e energia institucional.

Suspender multas de bilhões obviamente gera honorários de muitos milhões. Melhor ainda se você puder fazer isso dentro de uma macro-narrativa de que todo o edifício multifacetado da Lava Jato, todas as suas sanções, provas produzidas, documentos, depoimentos, acordos etc., basicamente tudo, seria juridicamente nulo.

Conrado Hubner Mendes

Se a definição de lavajatismo, formulada pelos próprios antilavajatistas, é instrumentalizar o direito para perseguir seus adversários políticos e sociais e realizar seus interesses, o antilavajatismo passou a fazer o mesmo. A única diferença é o alvo. Tornaram-se neolavajatistas, usam de lawfare, ameaçam de ação penal quem os critica, toleram ilegalidades que beneficiam seus clientes. Lavajatismo e neolavajatismo passaram a ser lados de uma mesma moeda. Agressivos, messiânicos, salvacionistas, difamatórios, praticantes de lawfare, e muito bem recompensados por isso.

ESTADÃO: Nesse cenário, o senhor vê um esforço para combater um certo legado deixado pela Lava Jato?

Conrado Hubner: A expressão “legado da Lava Jato” é perigosa e cheia de armadilhas, porque a operação combinou atores, casos, alvos e jurisdições muito diferentes entre si, com legados muito variados. Há legados muito tenebrosos, como o de uma prisão arbitrária do presidente Lula por quase dois anos, entre outras prisões arbitrárias diversas. Há o legado do uso estratégico e sectário da imprensa, de quebra da imparcialidade. Há legados desastrosos de atores específicos e protagonistas da Lava Jato. De um Tribunal Regional Federal dizendo que as medidas excepcionais – nesse caso um eufemismo para medidas ilegais – de Moro deveriam ser mantidas porque as circunstâncias eram excepcionais.

Há legados de condescendência do STF por vários anos assistindo calado aos abusos. Há o legado da decisão mais lavajatista de toda a história da Lava Jato, que foi a liminar de Gilmar Mendes que impediu Lula de ser nomeado ministro a partir de uma tese espúria de que um presidente não poderia nomear um ministro de governo que estivesse sendo investigado. A liminar de Gilmar pavimentou a prisão de Lula e o impeachment de Dilma.

Há o legado da desmoralização do combate à corrupção depois que atores patéticos como Moro e Dallagnol, simulando heroísmo e virtude, praticaram os abusos que quiseram sob a chancela das cortes superiores.

Então, quando se fala em legado da Lava Jato, assim, genericamente, a gente perde a especificidade. Isso não nos ajuda a debater casos concretos e responsabilidades de atores específicos, como Gilmar Mendes e Sérgio Moro, Augusto Aras e Deltan Dallagnol, personagens simbólicos desse conflito que têm mais afinidades no modo como usam o direito do que esse embate sectário faz parecer

Há múltiplos legados. E há essa grande ironia do ilusionismo jurídico que transformou parte do antilavajatismo em neolavajatismo. Estão surfando a onda. São neolavs em pele de antilavs. Vão explorar esse truque o tanto quanto possível. É uma espécie de emburrecimento jurídico bem orquestrado.

 

 

Conrado Hubner Mendes

 

 

A necessária autocrítica do STF

Por Notas & Informações /  O ESTADÃO DE SP

 

Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) prestou inestimáveis serviços: da punição aos corruptos do mensalão à preservação das prerrogativas dos Estados na pandemia e a defesa do processo eleitoral, além da responsabilização dos executores e artífices do atentado do 8 de Janeiro. Em momentos críticos, o STF teve papel crucial na defesa da soberania do povo, encarnada nas instituições republicanas. E, no entanto, o sentimento desse mesmo povo em relação à mais alta instância judicial do País é de desconfiança.

 

Segundo pesquisa AtlasIntel, mais da metade dos brasileiros diz não confiar no STF. Entre 51% e 56% dos entrevistados consideram “péssima” a atuação dos ministros em questões capitais, como a defesa da democracia, o respeito ao Legislativo, reformas para melhorar o Judiciário, correção de abusos de instâncias inferiores, profissionalismo e competência dos ministros, defesa dos direitos individuais, imparcialidade entre rivais políticos e combate à corrupção. A trajetória é de deterioração. Em um ano, os que confiam no STF caíram de 45% para 42%, e os que não confiam cresceram de 44% para 51%.

 

Justificado ou não, esse descrédito é ruim. O bom funcionamento do Estado Democrático de Direito depende de um Judiciário que seja não só autônomo e independente, mas também respeitado. A percepção ideal da Justiça é de um quadro de servidores qualificados, que julgam conflitos sobre os quais não têm parte, aplicando leis que não criaram. Mas o sentimento predominante sobre o STF é o oposto: de uma Corte incompetente, instável, politizada, conivente com a corrupção e até autoritária.

 

Uma das razões estruturais e exógenas para essa desconfiança é uma disfuncionalidade constitutiva. Constituições deveriam ser abstratas e sucintas, consagrando direitos fundamentais e princípios basilares para o funcionamento do Estado, e deixando o resto às composições políticas. Mas os constituintes pecaram por excesso, confeccionaram uma Carta abrangente e pormenorizada e atribuíram à Corte constitucional competências excessivamente amplas, inclusive sobre matérias penais e administrativas. Obrigado a arbitrar sobre controvérsias que em outras partes do mundo são deixadas a outras instâncias judiciais ou, sobretudo, à política, o STF é sobrecarregado e tragado por paixões partidárias.

 

Essa disfuncionalidade incentiva o oportunismo político. As esquerdas, com frequência minoritárias nas Casas Legislativas, recorrentemente tentam reverter na Corte políticas que perderam no voto. Populistas à direita, insatisfeitos com prerrogativas das minorias, elegem a Corte como o “inimigo público número um” quando esta não se dobra à “vontade do povo” – nome que eles dão ao alarido dos reacionários.

 

Nada disso exime os ministros de fazer um exame de consciência. A maior causa da deterioração da autoridade do STF não é a sua atuação em defesa da democracia ou da Constituição, mas os abusos cometidos a pretexto dessa defesa: invasões de competências legislativas, protagonismo midiático, atropelamento do processo legal, relações promíscuas com os poderosos de turno.

 

Um exemplo cristalino são as arbitrariedades nos inquéritos conduzidos por Alexandre de Moraes contra atos antidemocráticos, as chamadas “milícias digitais” e as fake news. Outro são as revisões monocráticas de Dias Toffoli de acordos fechados no âmbito da Operação Lava Jato. É fato que, em nome do combate à corrupção, a Lava Jato se permitiu toda sorte de abusos, mas, ao invés de corrigi-los, Toffoli, com a conivência de seus pares, incorre nos mesmos abusos, com o sinal trocado. De instância saneadora do lavajatismo, o STF se converteu em antilavajatista, instaurando um neolavajatismo. É o mesmo voluntarismo messiânico. Só que dessa vez a população está escolada: segundo a AtlasIntel, nada menos que 80% discordam da suspensão das multas impostas aos criminosos confessos.

 

De guardiães do Estado de Direito, alguns ministros se autoatribuíram a missão de vigilantes da política. Mas a população começa a se perguntar quem, afinal, vigia os vigilantes. Outros se mostram impacientes com a ordem jurídica e, ao invés de serem seus operadores, querem ser seus reformadores para curar “injustiças sociais”. Mas a população parece esperar deles algo mais modesto: que apenas cumpram a lei e respeitem o Estado Democrático de Direito.

Estado pode cobrar de operadora despesa paga pelo SUS por ordem judicial

Lei 9.656/1998 permite que os entes federados, ao cumprirem diretamente ordem judicial para prestar atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), peçam o ressarcimento das despesas pela operadora do plano de saúde do qual o paciente seja segurado.

 

Com esse entendimento, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça determinou que uma operadora ressarcisse o estado do Rio Grande do Sul pela cirurgia bariátrica de uma segurada, feita em cumprimento de decisão judicial. Segundo o processo, após verificar que a paciente possuía plano de saúde, o ente público procurou a operadora para reaver o valor do procedimento. Sem êxito nessa tentativa, ajuizou ação de cobrança.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), contudo, ao examinar o artigo 32 da Lei 9.656/1998, compreendeu que somente poderiam ser objeto de reembolso os serviços prestados voluntariamente no âmbito do SUS, e não aqueles feitos por força de ordem judicial. A corte também decidiu que o ente federado não poderia ser considerado credor, mas apenas o Fundo Nacional de Saúde (FNS).

Sem ressalvas
O relator do caso no STJ, ministro Gurgel de Faria, lembrou que o Supremo Tribunal Federal já declarou a constitucionalidade do artigo 32 da Lei 9.656/1998, no julgamento do Tema 345. “Verifica-se que não há na fonte normativa nenhuma ressalva quanto ao ressarcimento nas hipóteses em que os serviços do SUS sejam realizados em cumprimento a ordem judicial.”

Na sua avaliação, o artigo admitiu, de maneira ampla, a possibilidade de ressarcimento do serviço prestado em instituição integrante do SUS, independentemente de execução voluntária ou de determinação judicial.

O relator considerou possível o Rio Grande do Sul ajuizar a ação para cobrar diretamente o valor da cirurgia, não dependendo de procedimento administrativo na Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS) — rito previsto na lei para os casos em que o paciente, segurado de plano privado, por razões de urgência ou emergência, usufrui de serviço do SUS.

Nesses casos, explicou, cabe à ANS — na via administrativa, seguindo as normas infralegais que disciplinam a matéria — definir o acertamento do serviço prestado, calcular o valor devido, cobrar o ressarcimento da operadora de saúde, recolher os valores ao FNS e, posteriormente, compensar o ente público que arcou com os custos.

Segundo Gurgel de Faria, quando o procedimento decorre de determinação da Justiça, não faz sentido seguir o rito administrativo por via da ANS, pois a própria ordem judicial para prestação do serviço do SUS já traz implicitamente os elementos necessários ao ressarcimento em favor do ente público que a cumpriu.

“O procedimento administrativo (protagonizado pela ANS e com destinação final ao FNS) é uma das vias de ressarcimento — a prioritária, que atende os casos ordinários —, mas não é o único meio de cobrança. Ele não exclui a possibilidade de que o ente federado, demandado diretamente pela via judicial, depois se valha da mesma via para cobrar os valores que foi obrigado diretamente a custear”, concluiu. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

Clique aqui para ler o acórdão
REsp 1.945.959

CONSULTOR JURIDICO

STF condenou-se a concordar com Moraes em tudo e pode ter dificuldade de convencer que é sério

Por J.R. Guzzo / O ESTDÃO DE SP

 

O ministro Alexandre de Moraes, entre as prisões, batidas da polícia e apreensões de celulares, ou mesmo de pepitas de ouro, que mandou fazer na última ofensiva do seu inquérito perpétuo contra atos antidemocráticos proibiu os advogados dos suspeitos de conversarem entre si. Antes, já tinha proibido que fizessem a sustentação oral nas suas peças de defesa – em vez disso, têm de mandar para o juiz vídeos que não sabem se serão vistos por alguém, algum dia.

 

Antes, ainda, limitou de formas diversas o acesso dos advogados aos autos do processo, de maneira que eles não sabiam do que os seus clientes eram acusados. Isso com os advogados; com os réus, então, houve de tudo, a começar pela divisão de um mesmo crime em dois crimes diferentes, e com duas penas somadas.

 

A proibição mais radical, porém, não veio propriamente do ministro Moraes, mas do Alto Comissariado Para a Repressão do Pensamento que opera no Brasil de hoje. Ficou estabelecido ali que não se pode falar sobre nenhuma das violações à lei apontadas acima, ou a qualquer despacho do ministro e, no limite, a tudo o que o STF decide.

 

Falar a favor pode. Falar mal, ou apenas discordar, é ser bolsonarista, ou de extrema direita, ou a favor do golpe e da ditadura militar. O que fazer, então, com o advogado Antônio Mariz, um dos astros do Grupo Prerrogativas e defensor intransigente de Lula nas acusações de corrupção feitas contra ele? O dr. Mariz declarou em público, com absoluta clareza, que a proibição para os advogados falarem entre si é uma aberração.

 

“É uma afronta aos advogados”, disse ele. “Nem na ditadura militar aconteceu isso”. É um vínculo a mais entre a repressão de Moraes e do STF e a repressão do Ato 5 que governava o Brasil dos militares. “O magistrado não pode tomar decisões que não tenham base na lei,” disse ainda. “Ou vira ditadura do Judiciário. Como criar uma regra que afronta a própria lei?” É uma pergunta que não tem resposta coerente. Já tinha sido feita antes por muita gente, e nunca foi respondida, mas agora quem falou não pode, realmente, ser descartado como um extremista de direita. O fato é que o STF, que condenou a si mesmo a concordar com Moraes em tudo, pode estar a caminho de dificuldades cada vez maiores para convencer o cidadão de bem de que é um tribunal sério.

 

O problema do STF não está em seus críticos, e sim nas decisões que toma. Proibir os advogados de falarem entre si não tem nada a ver com a defesa da democracia – nem perdoar multas de R$ 10 bilhões de corruptos confessos, ou devolver iates a traficantes de droga. Fazem isso tudo porque têm a força do seu lado, e não o direito.

 
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Opinião por J.R. Guzzo

Jornalista escreve semanalmente sobre o cenário político e econômico do País

 

 

Tribunais somam 40 milhões de processos com erros de nome, RG, CPF ou endereço de autores e réus

Por Heitor Mazzoco / O ESTADÃO DE SP

 

 

Pelos tribunais brasileiros, quase 40 milhões de processos, ou cerca de 20% do total dos feitos que tramitaram nos últimos anos em todo o país, foram identificados com algum tipo de erro, o que aumenta a morosidade e dificulta a atuação de servidores do Poder Judiciário. São problemas como falta de documentação das partes (autor e réu), dados errados ou falsos, falta de informações e assunto jurídico cadastrado de maneira incorreta.

 

Desde 2020, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) compila junto aos tribunais o número de demandas com problemas, chamadas de ações com inconsistências. São processos que se iniciaram nas últimas décadas e que estiveram em tramitação nesse período de análise. A meta do CNJ é diminuir o maior número possível de causas com algum tipo de erro, mesmo com processos que estejam arquivados. Pelos números atuais, de um montante de 195.595.520 ações, 39.790.342 tiveram erros identificados até novembro de 2023.

 

Procurado, o CNJ apontou que o objetivo do painel é justamente auxiliar os tribunais na correção e na melhoria das informações processuais cadastradas. “Os tribunais focam mais na solução dos casos mais novos e em trâmite. É natural que haja uma parcela de processos mais difícil de ser corrigida”, argumenta o CNJ.

 

Entre tribunais estaduais, 146,7 milhões de processos foram analisados e, 32,1 milhões apresentaram erros. Em Alagoas, por exemplo, segundo dados do CNJ, de 1.650.475 de litígios, pouco mais de 515 mil apresentaram problemas, o que representa 31,2% das ações analisadas. É a unidade federativa com mais problemas em processos, em termos porcentuais. Em São Paulo, a porcentagem de processos com erros é de 24,3% (10.675.922 em universo de 43.972.482 ações analisadas).

 

Um juiz de São Paulo afirmou ao Estadão que magistrados têm ciência dos casos que acabam atrasando ainda mais o ritmo dos tribunais. “Advogados, muitas vezes, entram com cadastro cheio de erros e o cartório tem que acertar os erros. Cadastram errado o nome, o endereço, o assunto do processo. Dou exemplo: entraram com mandado de segurança e não colocaram classe de mandado de segurança, colocaram diferente. Então, vai o cartório arrumar, mas nem sempre o pente fino pega, porque falta servidor, muito processo para pouca gente”, disse. Os problemas também são encontrados na Justiça Federal (Tribunais Regionais 1, 2, 3, 4, 5 e 6). De acordo com os dados disponibilizados pelo CNJ, pouco mais de 5 milhões de ações apresentaram algum erro. Foram avaliadas 26,5 milhões de demandas.

 

Advogados pedem melhorias no sistema dos tribunais

Mestrando em direito pela Universidade de Marília (Unimar), o advogado Douglas Garcia explica que, muitas vezes, o cliente do advogado fornece dados de maneira verbal e há necessidade de o defensor conferir os dados com documento oficial. “O advogado quando vai ajuizar a ação, ele pede documento do cliente, que às vezes fornece número pelo WhatsApp ou e-mail. E o advogado já começa a elaborar a petição. Depois, quando o cliente envia o documento para anexar ao processo, há necessidade de conferir. Se não conferir, e lançou com base no que o cliente passou por WhatsApp, verbal ou e-mail, pode ocorrer essa divergência”, disse.

 

Garcia, que é especialista em processo civil e imobiliário, afirma também que os tribunais poderiam tentar vincular os dados com órgãos governamentais, o que evitaria informação de documentos falsos, por exemplo. “Seria interessante se o próprio sistema do tribunal fosse vinculado aos sistemas governamentais. A gente coloca o RG ou CPF do cliente, o sistema já vai buscar essas informações. E a gente não consegue saber se o RG do cliente ou da parte contrária é falso. O sistema poderia dar um suporte em relação a isso”, defende.

 

Advogado especialista em contencioso civil e tributário, José Arnaldo da Fonseca Filho afirma que, em alguns casos, os problemas ocorrem porque os advogados são induzidos ao erro. “Se estou peticionando pelo meu cliente contra uma outra pessoa, eu preciso desses dados. E muitas vezes os dados estão equivocados, proposital ou não, num documento, contrato. Então, somos induzidos ao erro. Com a tecnologia isso melhorou”, disse o advogado que atua no Distrito Federal.

 

Fonseca Filho também cobra um sistema único para petição de ações, o que evita a repetição de inclusão de dados em cada tribunal do País. “O Poder Público tem ferramentas e poderia investir mais, o próprio CNJ, com a unificação dos programas, integração mais eficaz com sistemas da Receita Federal, do Tribunal Regional Eleitoral, porque facilita cada vez mais. Eu entro com ação no TJ daqui de Brasília, é o sistema PJe. Em cada tribunal tenho que cadastrar partes. Em São Paulo é o E-Saj, no Rio, outro sistema. Se tudo fosse unificado seria mais fácil”, afirmou.

 

No Código de Processo Civil (CPC), o artigo 319 diz, em seu inciso segundo, que a petição inicial deverá indicar “os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu”. O parágrafo primeiro também permite que o autor da ação solicite ao juiz diligências para obter os dados do réu, por exemplo.

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Já o artigo 321 é claro ao afirmar que, se o juiz verificar que a petição inicial não preenche os artigos anteriores, o advogado deve corrigir o documento em um prazo de 15 dias. “Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial”, diz o parágrafo único do artigo.

 

Justiça nega pedido da Prefeitura de Caucaia para retomar corte orçamentário da Vice-Prefeitura

Ingrid Campos / DIARIONORDESTE

 

O desembargador Abelardo Benevides negou pedido de suspensão de liminar interposto pela Prefeitura de Caucaia, comandada por Vitor Valim (PSB), no processo relacionado ao corte orçamentário da Vice-Prefeitura, sob gerência de Deuzinho Filho (União Brasil). Na decisão dessa terça-feira (6), o presidente do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) justificou que não encontrou os requisitos necessários para acatar a solicitação.

“Tendo em vista que não é pertinente ao instituto processual ora debatido o aprofundamento quanto ao objeto discutido na ação de origem, compete à parte autora demonstrar, de forma efetiva, a configuração das imposições legais para a concessão da medida. Caso contrário, o instituto de natureza excepcional estaria sendo utilizado de forma abusiva, como verdadeiro sucedâneo recursal, o que ensejaria total desvirtuamento da ordem processual”, observa Abelardo na decisão.

No fim de janeiro, o juiz Willer Sóstenes de Sousa e Silva, da 3ª Comarca de Caucaia, determinou a suspensão dos cortes orçamentários previstos para este ano na vice-prefeitura. O Executivo faria uma redução de R$ 1,77 milhão em 2023 para R$ 461,5 mil em 2024, a fim de promover uma "reforma administrativa e financeira em todas as secretarias municipais".

O entendimento em 1ª instância foi de que o remanejamento dos recursos — que seriam utilizados para pagamento de operação de crédito com a Caixa Econômica Federal — era "eivado de inconstitucionalidades". 

Em sua defesa, a Prefeitura argumentou que a interferência foi autorizada pelo Legislativo, o que afasta as alegações de “arbitrariedade ou abuso de autoridade”. Reforçou que a medida teve o intuito de otimizar os recursos públicos e garantir a adimplência na operação de crédito. Por isso, defendeu que a liminar de Sóstenes “interferiu, de maneira indevida, na autonomia administrativa e na gestão orçamentária” do Município, cita o relatório de Abelardo.

Apesar de reconhecer o aval dado pelos vereadores para a transferência de recursos, o desembargador entende que o decréscimo orçamentário – que afetou a contratação de funcionários terceirizados, sendo necessária a cessão dos contratos – foi considerável. 

Além disso, diz que, “embora a fundamentação da decisão (do fim de janeiro) pareça ser frágil para os fins destinados”, a Prefeitura não apresentou indícios palpáveis de violação jurisdicional nas prerrogativas da gestão.    

IMPASSE ENTRE EX-ALIADOS

O vice-prefeito usou as redes sociais para anunciar a decisão e comentar a situação. “Mais uma vitória de Deus, do povo de Caucaia, da humildade. Queria já sugerir: prefeito, pare com isso. Corte de outros locais, que não atinjam o povo de Caucaia”, disse. 

Ele e Vitor Valim são rompidos politicamente desde a primeira metade do mandato, e a tensão entre os dois tem escalado nas últimas semanas, com a proximidade das eleições municipais. 

O corte orçamentário da vice-prefeitura foi visto por Deuzinho e aliados como uma “injustiça” para enfraquecer o seu trabalho no Município. "Não pode perseguir vice-prefeito. O povo me elegeu como vice-prefeito, eu não sou empregado do prefeito", chegou a afirmar no fim de janeiro. 

Diário do Nordeste procurou a assessoria do prefeito Vitor Valim para comentar a decisão, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.

PGR diz não haver provas de coação no acordo bilionário da J&F: ‘Ilações e conjecturas abstratas’

Por Rubens Anater / O ESTADÃO DE SP

 

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, afirmou no recurso contra a decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu a multa de R$ 10,3 bilhões do acordo de leniência da J&F, que ‘não há provas de que houve coação’ contra os empresários Joesley e Wesley Batista, controladores do grupo. No acordo, os irmãos admitiram práticas de corrupção e se comprometeram a restituir os cofres públicos com cifras bilionárias.

 

 

Na decisão monocrática em que suspendeu o pagamento da multa, Toffoli declarou que “há, no mínimo, dúvida razoável sobre o requisito da voluntariedade da requerente (J&F) ao firmar o acordo de leniência”. Segundo o magistrado, isso justificaria, “por ora, a paralisação dos pagamentos, tal como requerido pela autora”.

 

Paulo Gonet, no entanto, afirma que só há “ilações e conjecturas abstratas” a respeito da suposta coação, e que isso não é o suficiente para suspender o acordo.

“Não há como, de pronto, deduzir que o acordo entabulado esteja intrinsecamente viciado a partir de ilações e conjecturas abstratas sobre coação e vício da autonomia da vontade negocial”, sustenta o procurador-geral da República.

 

PGR diz que caso não tem a ver com Lava Jato e quer mudar o relator

Paulo Gonet diz ainda, em seu recurso, que Toffoli não deveria ser o responsável por julgar o acordo de leniência do grupo J&F e pede a redistribuição da relatoria do caso.

 

Toffoli assumiu a relatoria porque considerou que a petição da J&F tinha relação com ações que envolvem a “Vaza Jato” - ou seja, a revelação de mensagens entre o ex-juiz federal e hoje senador Sérgio Moro (União-PR) e procuradores da Lava Jato - que lançou dúvidas sobre a idoneidade da operação que derrubou sólido esquema de corrupção na Petrobrás, entre 2003 e 2014.

Toffoli é juiz prevento de ações que envolvem o caso, assim, desdobramentos devem ficar sob sua alçada.

 

O recurso da PGR, no entanto, afirma que “o acordo de leniência celebrado pela holding J&F Investimentos S.A. não foi pactuado com agentes públicos responsáveis pela condução da Operação Lava Jato e seus desdobramentos”.

 

Gonet destaca que não houve participação da 13ª Vara Federal Criminal de Paraná, que era a vara conduzida por Moro, o ex-juiz citado diretamente na Operação Spoofing, que tratou da Vaza Jato.

 

O procurador-geral menciona a força-tarefa das operações Greenfield, Sépsis e Cui Bono Operação Carne Fraca, que, segundo ele, “não se confundem com a Operação Lava Jato e não são dela decorrentes”.

 

A operação Cui Bono, deflagrada pela Polícia Federal em 2017, é tida como um desdobramento da Operação Catilinárias que, por sua vez, foi aberta a partir de provas obtidas pela Lava Jato.

O nome da Lava Jato, inclusive, aparece no acordo de leniência da J&F, entre parênteses junto ao nome da Cui Bono, quando o texto esclarece as investigações que abastecem o caso.

 

Suspensão da multa causará ‘vultoso prejuízo’ a fundos de pensão

Outro argumento apontado no recurso da PGR é que a suspensão da multa bilionária da J&F pode causar um “grave risco ao sistema previdenciário complementar brasileiro”.

 

Gonet afirma que os fundos de pensão Funcef, da Caixa Econômica Federal, e Petros, da Petrobras, receberiam, cada um, cerca de R$ 2 bilhões do total de R$ 10,3 bilhões da multa. A paralisação dos pagamentos, então, representa um “vultoso prejuízo”, como definiu o procurador-geral.

 

Como mostrado pelo Estadão, Toffoli também suspendeu uma multa de R$ 3,8 bilhões da Novonor (antiga Odebrecht), chegando a um total de R$ 14,1 bilhões entre as duas. O valor ainda pode aumentar por meio de um efeito cascata, já que outras empresas que admitiram as práticas de corrupção e se comprometeram a restituir os cofres públicos, como UTC, Andrade GutierrezCamargo Corrêa , OASBraskem Engevix (atual Nova), podem aproveitar a oportunidade para pedirem a revisão dos próprios acordos de leniência.

 

O recurso foi recebido por Toffoli e, caso ele não acate os argumentos da PGR, deverá ser levado ao plenário do STF. Não há prazo estabelecido para essa decisão do ministro.

Ofício da PGR contraria argumento de Toffoli para investigar Transparência Internacional

José Marques / FOLHA DE SP

 

O ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), autorizou nesta segunda-feira (5) que a ONG Transparência Internacional seja investigada por supostamente se apropriar indevidamente de recursos públicos através de acordos de leniência.

A própria PGR (Procuradoria-Geral da República), no entanto, já referendou, em dezembro de 2020, a informação de que a ONG não recebeu qualquer tipo de remuneração pela assistência prestada na leniência.

Em ofício, a subprocuradora-geral da República Samantha Chantal Dobrowolski afirmou que a entidade "prestou somente auxílio no planejamento e na definição de estratégias de investimento dos recursos envolvidos, estudando formas de reparação à sociedade e propondo metodologias para a melhor execução de projetos sociais".

Ela afirmou que a entidade seguiu "as melhores práticas internacionais, de que é conhecedora, inclusive, devido a sua ampla inserção no exterior, como organização não governamental de alcance mundial que é".

Ao assinar um memorando de acordo técnico cooperativo, havia previsão explícita, apontou a PGR, de proibição a "qualquer transferência de recursos para que a instituição não governamental realizasse o apoio técnico cooperativo".

Toffili determinou a investigação a partir de um pedido do deputado federal Rui Falcão (PT-SP). A ONG tem dito nos últimos meses que o integrante do Supremo deu decisões com "fortes evidências" de conflitos de interesses.

Também tem criticado as escolhas que o presidente Lula (PT) fez para o Supremo em seu terceiro mandato, como a de Cristiano Zanin, que atuou como do petista, e de Flávio Dino, que foi ministro da Justiça e Segurança Pública.

Toffoli pretende que seja apurado se a ONG participou da administração da aplicação de multa imposta à J&F, dos irmãos Wesley e Joesley Batista, no acordo de leniência da empresa.

Segundo o ministro, a Transparência, que ele chamou de instituição privada "alienígena" e "com sede em Berlim", pode ter recebido valores que deveriam ter sido destinados ao Tesouro Nacional.

Em comunicados, a Transparência diz que não recebeu nem administrou recursos da multa, e apenas produziu, sem qualquer remuneração, estudos e apresentou recomendações de práticas de governança e transparência.

A entidade afirma que informações inverídicas e distorcidas têm sustentado "campanha difamatória contra a Transparência Internacional".

 

Entenda o que Joesley disse sobre ‘mesada’ de R$ 200 mil para Marta que Suplicy quer ‘esclarecer’

Por Heitor Mazzoco / O ESTADÃO DE SP

 

O empresário Joesley Batista, da JBS, firmou acordo de delação premiada no âmbito da operação Lava Jato, em 2017, e fez diversas acusações contra políticos sobre, por exemplo, utilização de caixa 2 para campanhas eleitorais.

 

Em um dos depoimentos, Batista afirmou ter feito pagamento de “mesada” para a então senadora Marta Suplicy (PT, à época no MDB). Naquele momento, Marta negou recebimento de valores e classificou as declarações de Batista como “absurdas”.

 

O assunto voltou aos holofotes depois de o deputado estadual Eduardo Suplicy (PT), ex-marido de Marta, ir nesta segunda-feira, 5, à sede da JBS, em São Paulo, para esclarecer a delação de Batista sobre os supostos pagamentos. Batista, no entanto, não recebeu o petista, que conversou com um dos advogados do empresário. Procurada pelo Estadão nesta segunda-feira, 5, a ex-prefeita informou por meio de sua assessoria que não vai comentar o caso.

 

Joesley Batista falou por seis minutos sobre supostos repasses para Marta. “A Marta conheço bem. Nunca teve ato de ofício com ela. Nunca pedi nada para ela, ela nunca pediu nada para mim. Ela foi me apresentada pelo (ex-ministro da Fazenda, Antonio) Palocci na campanha de 2010. Um dia ele me disse: ‘Joesley, a Marta é candidata ao Senado e ficou sabendo que eu te conheço e pediu se eu não podia apresentá-lo’. Ele me conectou com ela e fui no escritório dela e ela pediu R$ 1 milhão de apoio à campanha. Fizemos a contribuição de R$ 1 milhão. Agora, recentemente, vendo os documentos fiquei sabendo que R$ 500 mil foi em dinheiro e R$ 500 mil na campanha oficial”, afirmou em trecho do depoimento, que foi liberado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) à época.

 

Na sequência do depoimento, Batista afirmou que o suposto dinheiro tratado como “mesada” seria utilizado na campanha de Marta na disputa pela Prefeitura de São Paulo. “Agora, 2015 para 2016, ela pediu se eu pudesse dar uma mensalidade para eles e foi pago R$ 200 mil durante um bom período”, afirmou na ocasião. Foram, segundo Batista, 15 parcelas de R$ 200 mil. “Esses R$ 200 mil nós demos pelo fato de ela ser senadora.”

 

Marta disputou quatro vezes a Prefeitura de São Paulo (2000, 2004, 2008 e 2016) e foi eleita na primeira candidatura. Na última eleição, ela terminou na quarta colocação com 10,14% dos votos válidos.

A PEC da ameaça

FOLHA DE SP

 

O debate em torno da PEC 8/2021, que limita decisões individuais dos ministros do Supremo Tribunal Federal, tem sentido e carga histórica, mas seus motivos não são republicanos. Com a redemocratização, o STF viu seus poderes serem ampliados. De um tribunal amedrontado por ditaduras, tornou-se o regente das grandes decisões políticas do país, atuando como guardião da institucionalidade.

 

Essa mudança gerou debates entre juristas sobre os limites da corte e de sua interferência na política. De um lado, há quem afirme que o espaço natural para o exercício da democracia é o Legislativo, composto por representantes eleitos pelo povo. Do outro, defensores do Supremo defendem seu papel de filtro da constitucionalidade, sobretudo em um país marcado pela ditadura e violação de direitos.

 

Ou seja, o debate em torno dos limites do STF é legítimo e salutar.

 

Porém, numa democracia, os motivos importam. Por vezes, importam mais que o próprio resultado de eventuais reformas. Mesmo positivas, decisões que impactam as instituições devem ser lastreadas por razões públicas.

O mesmo raciocínio vale para a proposta de emenda à Constituição 08/2021, aprovada pelo Senado, e que estabelece limitações à corte.

O conteúdo da PEC é positivo. É importante que o Legislativo retome o locus da política. O avanço do Supremo no campo político preocupa juristas e cientistas políticos. O tribunal padece de disfuncionalidade há décadas: há exercício abusivo do poder de agenda, pedidos de vista para fins estratégicos, decisões fulanizadas, votos indecifráveis, vaidades afetadas e hermenêuticas criativas. Tudo isso faz o STF derreter sua imagem perante a sociedade, fragilizando sua legitimidade.

É, pois, desejável uma reação legislativa. Não há impeditivo para que o Congresso se manifeste após uma decisão do Supremo. Numa democracia, não há "última palavra": hoje o Congresso afirma; amanhã o STF modula; depois de amanhã o Congresso pondera. E o diálogo segue em rodadas deliberativas.

Porém, as razões da PEC 08/2021, em que pesem corretas, são insalubres. Não são republicanas e não têm a finalidade de aprimorar o desenho institucional nem de fortalecer o diálogo entre os Poderes —muito menos reajustar o espaço político ocupado pela "ministocracia".

Seus reais motivos são de política com "p" minúsculo. Num país em que parte significativa da população repudia o STF, ameaçá-lo gera voto. Não só: inflama setores reacionários simpatizantes com a depredação física do tribunal no fatídico 8 de janeiro e demonstra a força do Senado para impichar ministros. Não à toa, o Senado Federal sinaliza outra intervenção na corte, já que a PEC que impõe mandato fixo aos ministros será colocada em pauta.

Além disso, as decisões que culminaram na retaliação por parte do Senado têm uma característica peculiar: não foram más decisões. Pelo contrário: a Casa se insurgiu contra decisões que fizeram avançar direitos fundamentais, missão precípua da corte, como é o caso do reconhecimento das uniões homoafetivas (ADI 4.277 e ADPF 132); da descriminalização do aborto (ADPF 442); da descriminalização do porte de maconha para uso próprio (RE 635.659); e da rejeição da tese do marco temporal (RE 1.017.365).

Ou seja, limita-se a Suprema Corte para afrontá-la, não para aprimorar a democracia.

Os motivos não estão à altura de um ambicioso redesenho das instituições, ainda que tenham apelo popular. Democracias descontentam sob a égide das leis, tiranias apaixonam pelo arbítrio. Rebaixadas as razões, macula-se até mesmo boas ideias e possíveis bons resultados práticos.,,

 

Pedro Estevam Serrano

Advogado e doutor em direito do Estado (PUC-SP), é professor de direito constitucional e de teoria do direito (PUC)

Rômulo Garzillo

Advogado, é professor e doutorando em direito do Estado (USP)

Laura de Azevedo Marques

Advogada criminalista e especialista em processo penal

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