Julgamento da trama golpista: entenda o impacto da divergência entre ministros do STF nas penas e recursos
Julgamento da trama golpista: entenda o impacto da divergência entre ministros do STF nas penas e recursos / O GLOBO
A divergência, aberta ontem, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux no julgamento da ação penal da trama golpista pode pavimentar caminho a futuros recursos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outros sete réus contra eventuais condenações, mas não impacta, por si só, na definição de possíveis penas e na hipótese de prisão dos culpados.
Segundo juristas consultados pelo GLOBO, o voto de Fux pela absolvição de Bolsonaro por todos os crimes imputados na denúncia só poderá ser usado para recorrer de uma eventual sentença condenatória caso outro integrante da Primeira Turma acompanhe o ministro. Até agora, os ministros Alexandre de Moraes, relator do caso, e Flávio Dino votaram para condenar todos os réus.
A avaliação dos juristas é que a decisão de Fux de absolver réus integralmente, como nos casos de Bolsonaro e do almirante Almir Garnier, ou parcialmente, como o ex-ajudante de ordens Mauro Cid e Walter Braga Netto, tampouco altera o tamanho das penas às quais eles serão submetidos em caso de maioria de votos pela condenação.
Os réus absolvidos no voto de Fux podem recorrer contra as condenações votadas por Moraes?
A possibilidade de recursos dependerá, em parte, das votações dos demais ministros. Os embargos infringentes, principal cartada vislumbrada pelas defesas, só são permitidos, de acordo com os juristas, em caso de dois votos pela absolvição. Esse tipo de recurso levaria a análise do caso para o plenário do STF, composto por 11 ministros, mas apenas em relação aos crimes e aos réus sobre os quais houve divergência na Primeira Turma.
Se outro ministro votar pela absolvição integral de Bolsonaro, portanto, o ex-presidente poderia entrar com recurso para tentar reverter uma eventual condenação.
Todos os réus também podem entrar com embargos de declaração. Esse tipo de recurso, em geral, não reverte uma condenação, é voltado para esclarecer contradições ou imprecisões nos votos.
Qual é a situação de Bolsonaro após o voto?
O ex-presidente já tem dois votos, entre cinco ministros da Primeira Turma, para ser condenado pelos cinco crimes imputados na denúncia da Procuradoria-Geral da República: tentativa de golpe, abolição do Estado democrático, organização criminosa, deterioração do patrimônio e dano qualificado.
Segundo o professor da FGV e especialista em Direito Penal, Thiago Bottino, ainda que os ministros Flávio Dino e Alexandre de Moraes tenham sinalizado divergências em relação às penas de alguns dos réus, ambos apontaram em seus votos que consideram a ação penal procedente nos cinco crimes.
A defesa de Bolsonaro sugeriu, na manhã de ontem, que aguardaria o voto de Fux para avaliar a possibilidade de pedir prisão domiciliar para o ex-presidente ao fim do processo. Bolsonaro, no entanto, já está preso nesse regime, devido a outro inquérito, que apura obstrução de Justiça envolvendo a atuação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), seu filho, nos Estados Unidos. De acordo com Bottino, o voto de Fux tampouco altera a possibilidade imediata de Bolsonaro ser libertado ou de enfrentar outro regime de prisão.
— Não altera, porque ele não está preso por causa de condenação nesse processo (da trama golpista) — lembrou Bottino.
Caso seja condenado na ação do golpe, Bolsonaro vai para a prisão?
Depende, entre outros fatores, do tamanho da sentença. Se a condenação for de até quatro anos, o regime inicial de cumprimento da pena é aberto. Nesse caso, o condenado é obrigado a recolhimento noturno, normalmente na própria casa. É algo similar ao que Bolsonaro esteve submetido em julho, quando o STF impôs medidas cautelares no inquérito que apura obstrução de justiça; depois ele foi posto em prisão domiciliar por descumprir essas medidas.
Se a condenação total for de quatro a oito anos, o regime aplicado é o semiaberto, em que o condenado precisa dormir na prisão. Quando as penas ultrapassam oito anos, o regime inicial é o fechado.
O voto de Fux, ao absolver Bolsonaro de todos os crimes, não interfere em um eventual regime prisional do ex-presidente. Isso porque o entendimento de Fux só terá chance de prosperar caso outros ministros também votem pela absolvição. Se houver maioria pela condenação, o regime será definido pelas penas impostas por esses ministros.
Caso Bolsonaro seja preso, cabe ao STF determinar o local de cumprimento da pena. Por ser ex-presidente, ele pode ser destinado a uma sala na Superintendência da Polícia Federal em Brasília, a um batalhão da Polícia Militar ou a uma unidade das Forças Armadas. O Exército dispõe, no Distrito Federal, de 20 salas do Estado-Maior aptas a receber eventuais condenados na trama golpista, grupo que inclui militares da reserva e da ativa
O voto de Fux altera o cálculo das penas?
Segundo os juristas, caso haja maioria na Primeira Turma pelas condenações, os votos absolutórios de Fux não interferem no cálculo das penas. Especialista em Direito Penal, a advogada Beatriz Alaia Colin observa que uma possível forma de definição das sentenças, em caso de divergência entre os ministros, é pelo “voto médio” — ou seja, a duração intermediária nas sentenças propostas. Porém, o voto pela absolvição não entra nesse cálculo.
— O voto do ministro Fux não integra qualquer cálculo de pena. Se não houver maioria pela absolvição, ele ficará vencido, e a pena final será fixada exclusivamente com base nos parâmetros dos ministros que votarem pela condenação — afirmou Colin.
Sem entrar ainda na definição da pena, Dino sinalizou que pretende estabelecer condenações menores para os generais Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira e para o ex-diretor da Abin, Alexandre Ramagem. Moraes, por sua vez, sugeriu uma sentença maior para Bolsonaro do que para os demais réus, por entender que o ex-presidente teve papel de liderança nos fatos investigados.
Algum réu está absolvido após o voto de Fux?
Não. Embora o ministro tenha votado para absolver Bolsonaro, já há dois votos — de Moraes e Dino — pela condenação. Uma eventual absolvição integral depende de os dois ministros restantes, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, acompanharem o entendimento de Fux.
Quais são os próximos passos do julgamento?
Pela previsão da Primeira Turma, estão marcadas sessões para hoje e amanhã. Após o encerramento do voto do ministro Luiz Fux, que tomou toda a sessão de ontem, faltam expôs suas posições a ministra Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, que presidente a sessão. Em seguida, caso haja maioria pela condenação de um ou mais réus do núcleo cruciam da trama golpista, os ministros discutirão o tamanho das penas.
Fux reabre discussão sobre competência do STF após mudar perfil punitivista em julgamento de Bolsonaro
Ana Gabriela Oliveira Lima / FOLHA DE SP
O ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal), adotou postura garantista diferente do perfil punitivista empregado em outras ações como juiz, avaliam especialistas ouvidos pela Folha.
Eles também interpretam que o voto do ministro pedindo a nulidade da ação penal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pode, no futuro, reacender o debate jurídico sobre a competência do Supremo.
Nesta quarta-feira (10), o magistrado fez um discurso duro sobre a atuação do STF no caso e discordou de pontos levantados pela PGR (Procuradoria-Geral da República).
Esses pontos foram, no geral, validados pelos dois ministros que já votaram na ação, Alexandre de Moraes e Flávio Dino. Se condenado nesse julgamento, o ex-presidente Jair Bolsonaro pode pegar mais de 40 anos de prisão e aumentar a inelegibilidade, que atualmente vai até 2030.
Ao votar nesta quarta, Fux falou sobre a nulidade da ação em razão de o julgamento se dar no Supremo. O magistrado argumentou que, como Bolsonaro já não é mais presidente, isso deveria ocorrer em instância inferior.
Fux afirmou que a Constituição é "claríssima" a esse respeito. Ele também disse que, se o julgamento ficasse, ainda assim, no Supremo, deveria ocorrer diante de todo o Plenário, para não silenciar as vozes de outros ministros.
Para Diego Nunes, professor de direito da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), a questão da competência já foi decidida pelo Supremo, e uma reversão é pouco provável.
Ele diz que o argumento do ministro teria sentido se não houvesse texto do regimento do STF que puxa a competência para a corte em razão de a ação penal se originar de inquéritos que teriam como alvo o próprio Supremo.
"A doutrina tende a concordar com Fux, mas até agora isso não teve eco no tribunal. O STF já mudou essa questão da competência muitas vezes. Tornar o dissenso público pode levar a uma nova mudança no futuro. Agora não parece que irá prosperar", diz Nunes.
Outra justificativa sobre a competência ser da corte seria que Bolsonaro era presidente quando os crimes teriam começado.
Welington Arruda, mestre em direito e justiça pelo IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa), afirma que o voto de Fux representa uma divergência importante no STF.
Ele afirma que, se a maioria acompanhar Fux na percepção sobre a competência, o processo poderia ser anulado e remetido para a primeira instância.
"Já se a maioria rejeitar a preliminar, o julgamento seguirá no mérito e poderá culminar em condenação. Mesmo havendo condenação, a defesa poderá apresentar recursos [como embargos de declaração] e utilizar o voto divergente de Fux para sustentar futuras contestações".
Raquel Scalcon, professora da FGV Direito SP, afirma que o entendimento do STF sobre competência não deve mudar no momento, em razão da composição atual da corte. Eventual modificação de entendimento no futuro, entretanto, é possível.
Para os professores de direito da UENP (Universidade Estadual do Norte do Paraná) Juliana Izar Segalla e Marcos César Botelho, o voto de Fux ao sustentar a remessa do processo à primeira instância "não se harmoniza com a jurisprudência consolidada do próprio STF nem com a função constitucional da Corte como guardiã da Constituição".
Eles afirmam que a presença de corréu com mandato, o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), atrai a competência para a corte. Dizem, ainda, que os fatos em apuração são atentados contra o Estado brasileiro e que o "o STF já afirmou, em diversos julgados, que compete à Corte agir de forma firme na defesa da ordem constitucional".
Eles também citam o contexto internacional como uma "camada de gravidade", em referência a pressões externas vindas dos Estados Unidos. "Submeter tais questões a um juiz de primeira instância —sem as salvaguardas institucionais de que dispõe o STF— apenas ampliaria a vulnerabilidade do processo a interferências indevidas, em prejuízo da independência judicial", apontam.
No julgamento, Fux votou pela absolvição total de Bolsonaro, inclusive nos crimes contra a democracia. Ele também disse não entender ser possível enquadrar a conduta dos réus como organização criminosa armada e disse que não há provas nos autos de que os réus julgados tenham ordenado a destruição do 8 de Janeiro.
O magistrado também defendeu a suspensão de todos os crimes contra Alexandre Ramagem e falou sobre a importância de que os atos dos acusados sejam perfeitamente enquadráveis nos crimes previstos em lei.
Para Raquel Scalcon, o ministro recorreu no voto a vários estudiosos que defendem um direito penal garantista para sustentar suas teses. "Penso que as teses, em si, estão bem articuladas. O que chama a atenção, contudo, é o fato de que as posições defendidas nesse voto não guardam clara coerência com o histórico de suas posições [de Fux] sobre temáticas similares ao longo dos anos".
Ela destaca uma postura mais punitivista do magistrado em outros momentos, como em posicionamento a favor da prisão em segunda instância na Lava Jato e a favor de liberar o compartilhamento de relatórios de inteligência financeira ao Ministério Público.
Diego Nunes concorda com a percepção sobre mudança de perfil. Como exemplo, ele afirma que Fux é o ministro que menos concede habeas corpus no STF. "Ou seja, tem [normalmente] perfil pouco garantista. O voto desta quarta parece fora da curva com sua história no tribunal’.
Nunes explica que garantismo seria uma postura rígida de respeito a direitos e garantias, com uma atuação restritiva. Já o punitivismo seria uma postura mais flexível sobre direitos e garantias, com ação expansiva do direito penal.
"O ministro Fux, em outros momentos, foi associado a posições mais rigorosas, com perfil punitivista em matéria penal. Mas, nesse julgamento, seu voto foi marcado por uma postura claramente garantista: ele enfatizou a competência adequada do juízo e a necessidade de assegurar plena defesa diante do volume de provas", concorda Welington Arruda.
Para Juliana Izar Segalla e Marcos César Botelho, o comportamento de Fux causou estranheza "pelo fato de que foram incoerentes com sua própria atuação até agora na corte. Ele nunca se mostrou ‘garantista’, pelo contrário, sua postura sempre foi diversa da demonstrada hoje", dizem.
Voto de Fux sacudiu STF ao expor questão de legitimidade da Corte para julgamento
Por William Waack / O ESTADÃO DE SP
Não se pode cometer crimes para combater crimes. Com essa famosa frase justificou-se no Supremo a anulação da Lava Jato. Os ecos dessa mesma frase voltaram para assombrar o mesmo Supremo.
Vieram pela boca do ministro Luiz Fux, no julgamento de Bolsonaro, que, segundo ele, sequer deveria ser matéria para o Supremo. Em outras palavras, o julgamento tem um vício de origem que já está sendo amplamente explorado pelos réus e seus movimentos políticos.
Fux fez mais do que estragar uma festa da “lição de democracia” através do julgamento de Bolsonaro. Arrebentou a imagem da própria instituição com a afirmação de que “papel do julgador não pode ser confundido com ator político”.
O problema na divergência aberta por ele na Primeira Turma não é apenas a meritória discussão jurídica sobre provas, cerceamento ou não da defesa, normas internas do STF (no caso de Turma ou Plenário) e entendimento de foro privilegiado. Involuntariamente ou não, o que Fux levantou foi o papel político que o STF assumiu.
Ele expôs uma rachadura perigosa para a instituição, que já teve embates violentos entre seus integrantes (por exemplo durante o julgamento do Mensalão). A diferença fundamental em relação ao episódio de vinte anos atrás é o fato do STF ser visto hoje por parcela substancial da sociedade brasileira como parte do embate político, e não como instituição que apenas cumpre seu papel constitucional.
A rachadura é séria pois não se registrou nada parecido quando o Supremo assumiu na prática o papel de “ministro da saúde” informal durante o governo de Bolsonaro, por exemplo. Ou quando seus integrantes, através de conversas coordenadas, se mobilizaram para colocar freios institucionais no próprio Bolsonaro.
O “pecado original” desta vez não está apenas na gradativa transformação do Supremo em mais uma instância da política brasileira. Refletindo o que acontece em outros setores, também a corte suprema perdeu figuras de projeção e liderança − ou as que ainda existem internamente perderam a capacidade de “dirigir” informalmente a conduta o conjunto.
Perdeu-se o controle sobre um de seus principais integrantes, o ministro Alexandre de Moraes, cuja conduta já vinha causando sensível irritação entre alguns dos colegas. Isso viria à tona mais cedo ou mais tarde, mas explodiu com virulência num momento de circunstâncias particularmente difíceis.
Elas são a brutal pressão política da Casa Branca sobre o Brasil, exatamente pela atuação do Supremo, e a articulação de uma anistia que é uma afronta declarada à própria Corte. A questão de legitimidade do Supremo é o problema que o voto de Fux levantou.
Voto de Fux que cria golpe só de executores tem efeito muito mais político do que jurídico
Por Ricardo Corrêa / O ESTADÃO DE SP
O voto do ministro Luiz Fux, que acolheu grande parte das preliminares, o que levaria à anulação do julgamento, e também rejeitou a maioria das imputações aos réus tem mais efeito político do que jurídico. A perspectiva é que ele fique vencido e que nem mesmo os embargos infringentes à decisão sejam aceitos, já que seriam necessários dois votos. Nem por isso não há motivo de comemoração para os réus, e, em especial, para a base bolsonarista.
A dureza do voto (dureza só com a própria Corte), incluindo as frases de efeito no acolhimento à preliminar da incompetência do STF para julgar o caso, deu novo fôlego aos argumentos da oposição nas redes sociais. E vai impulsionar tanto a defesa da anistia como a discussão sobre o fim do foro privilegiado. Essa com total conexão com o tema de uma das preliminares. Também servirá para embasar os argumentos no cenário externo.
Quando recebeu a denúncia, Fux também divergiu na questão da competência da Primeira Turma do STF para julgar o caso. A nova divergência aí, portanto, não é surpreendente. Contudo, o tom foi muito acima das apostas. É como se o Tribunal estivesse em julgamento. Além do mais, mesmo em questões que havia acompanhado o relator lá atrás, na análise dos casos dos executores do golpe, houve mudança de entendimento agora diante de réus muito mais poderosos.
Há um ano, ao condenar Aécio Lúcio Costa Pereira, Thiago de Assis Mathar e Matheus Lima de Carvalho Lázaro a penas que variavam de 14 a 17 anos de prisão, Fux contestou o choro de uma defensora na tribuna. “Se esse golpe desse certo, chorariam de novo as mães de há muito que sequer souberam do destino de seus filhos que foram mortos e perseguidos por delitos de união”, disse ele ao acompanhar Moraes.
Os três foram os primeiros condenados pelo STF pelos atos de 8 de Janeiro. Na época, os cinco crimes imputados eram os mesmos agora apontados para o núcleo crucial. Inclusive o de golpe de Estado. Fux, com voto curto e sem discutir o mérito, acompanhou integralmente o relator. Também não acolheu qualquer preliminar, mesmo que ali não houvesse ninguém com foro privilegiado.
Considerando que, para Fux, agora, nenhum dos integrantes do núcleo crucial do golpe praticou de fato qualquer a conduta de golpe, teríamos que imaginar que, talvez, se o 8 de Janeiro tivesse levado de fato a uma ruptura institucional, os ditadores dos quais escapamos e que nos governariam em regime de exceção seriam hoje esses três aí de quem ninguém nunca tinha ouvido falar. Ou outras centenas de patriotas capturados pela polícia naquele dia e no dia seguinte diante do QG do Exército e que foram condenados a penas duras, em uma organização criminosa que, agora, para o ministro, nunca existiu.
Para chegar à conclusão de que era um golpe só de executores e sem planejadores, Fux precisou adotar algumas posturas pouco ortodoxas. Como dizer que um crime mais grave (como o golpe) foi absorvido pelo menos grave (abolição do Estado Democrático de Direito). Ou a ideia de que só se pode dar golpe quando não se está no poder.
Ainda, a de que uma organização criminosa armada só pode ser assim considerada se, na hora da prisão, a arma estiver na mão do sujeito, sendo utilizada. Como disse o professor Davi Tangerino em live do Estadão, um presentão para figurões de grandes facções criminosas como o PCC ou o Comando Vermelho que não sejam pegos com a arma na mão.
Também curiosa a lógica de que uma delação é válida, tendo sido reconhecida a colaboração de um réu para crimes que, no fim, não teriam existido. Ou que teria existido apenas um deles, praticado apenas pelo delator e por Walter Braga Netto e não pelos demais que ele delatou. Mauro Cid, ajudante de ordens, teve um voto pra condenação, na imputação da abolição do Estado Democrático de Direito. O chefe dele, Jair Bolsonaro, não. Braga Netto, o vice na chapa, teve mesmo destino nas mãos de Fux. O cabeça de chapa não. Mas o golpe mesmo, rejeitado em todos os casos do núcleo crucial, era só de Aécio, Thiago, Matheus e tantos anônimos. É o que concluiu Fux depois de um dia de teorias.
De olho no futuro
Merval Pereira / o globo
O ministro Luiz Fux não está votando no sentido de absolver o ex-presidente Bolsonaro e seus associados, mas com o objetivo de garantir que, um dia no futuro, o julgamento venha a ser anulado. Pela lógica, ele deveria absolver todos os acusados, pois levantou a nulidade absoluta do julgamento. Mas todos acham que ele votará pela condenação dos réus, divergindo ainda na dosimetria final.
O ministro Fux está rompendo a unidade da Turma, o que seria desejável para o relator Alexandre de Moraes. Mas não parece estar disposto a ir até o fim, confrontando a maioria previsível pela condenação.
Não foi à toa que Fux citou indiretamente o caso do Petrolão, que terminou anos depois com a aceitação pelo STF da tese do então advogado Cristiano Zanin de que a jurisdição correta para o julgamento do então ex-presidente Lula não seria Curitiba, que o então juiz Sergio Moro presidia.
Zanin hoje preside a Turma que julga Bolsonaro, o que demonstra como os ventos jurídicos podem mudar como mudam os ventos políticos.
Ministro Luiz Fux na primeira turma no julgamento da trama golpista — Foto: Gustavo Moreno/STF
STF retoma julgamento de Bolsonaro na trama golpista com segurança reforçada por mais policiais e drones
Por Daniel Gullino e Mariana Muniz — Brasília / O GLOBO
O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta terça-feira o julgamento da trama golpista com o mesmo esquema de segurança reforçado que marcou a primeira semana de sessões. O ex-presidente Jair Bolsonaro e sete aliados são réus pela tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.
O julgamento começou na terça-feira da semana passada e deve se estender até sexta, com previsão de que as medidas especiais de segurança permaneçam também nas duas semanas seguintes, em razão da posse do novo presidente da Corte, ministro Edson Fachin, marcada para 29 de setembro.
O reforço inclui o fechamento da Praça dos Três Poderes, a presença da tropa de choque da Polícia Militar, do Bope e do COT da Polícia Federal, além da instalação de novos pórticos de detecção de metais nas entradas do tribunal. Também haverá mais viaturas e policiamento ostensivo no entorno do STF, com agentes da Polícia Judicial e de outros quatro tribunais deslocados para Brasília.
Parte desse efetivo, incluindo 30 guardas vindos do Rio e de São Paulo, já dorme nas dependências da Corte desde o início da semana.
O esquema especial prevê ainda o uso de cães farejadores e drones de monitoramento com imagem térmica, capazes de varredura diurna e noturna, além de revistas em mochilas e maior controle de acesso às dependências do tribunal.
As medidas seguem o protocolo de mais alto grau de vigilância previsto para situações de risco elevado — categoria que, no STF, só foi adotada em episódios como o julgamento do mensalão e em momentos de grave ameaça à sede do tribunal.
O julgamento é considerado o mais importante da história recente da Corte por envolver, pela primeira vez, um ex-presidente acusado de tentativa de golpe de Estado.
A Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal montou uma operação integrada com a Polícia Judicial do STF, que inclui uma célula de inteligência para monitoramento de redes sociais e análise em tempo real de movimentações suspeitas. A expectativa é reduzir o tempo de resposta e prevenir qualquer tentativa de tumulto durante o julgamento.
A secretaria também informou que vai utilizar equipamentos de última geração, incluindo drones com capacidade de imagem térmica. Segundo o órgão, o uso desses drones "permite que varreduras diárias, que serão realizadas tanto de dia quanto à noite, detectem movimentos e objetos a grandes distâncias, mesmo sem iluminação, garantindo uma vigilância contínua e eficaz do perímetro".
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Gleisi apoia decisão da Advocacia do Senado por pedir prisão de Ciro Gomes: 'Ele vem desafiando a Justiça'
Blogs / Sonar - A Escuta das Redes / O GLOBO
A ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), endossou a decisão da Advocacia do Senado de pedir a prisão preventiva do presidenciável e ex-governador do Ceará, Ciro Gomes. O pedido foi feito após o político ofender, atacar e perseguir a ex-senadora e prefeita de Cratéus (CE), Janaína Farias. Em uma publicação nas redes sociais, a parlamentar disse que o departamento "agiu muito bem", pois as ofensas de Ciro são "gravíssimas e de machismo repugnante". "Ele vem desafiando a Justiça com ataques reiterados desde 2024", disse Gleisi em post no X, desejando solidariedade à prefeita cearense.
Ciro é réu por violência doméstica de gênero contra a Janaína Farias, em ação da Justiça Eleitoral do Ceará. Durante a participação em um evento em Fortaleza, no ano passado, o presidenciável discursou e fez ataques a petistas do estado. Ele citou diretamente o deputado federal José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara; o ministro da Educação, Camilo Santana; e Janaína, que atuou como suplente de Camilo no Senado. Sem apresentar provas, o político disse que "as delegacias de educação estão loteadas pelo senhor da cueca, que também quer ser senador do Ceará", numa referência implícita a Guimarães. E emendou ataques a Santana e Janaína.
— Também, pudera, a pessoa que recrutava moças pobres, de boa aparência, para fazer o serviço sexual sujo do seu Camilo Santana virou senadora do Ceará. Agora é prefeita num município do Ceará. E isso é um desafio para o qual os meus queridos amigos estão me chamando para encarar. É para eu encarar? Eu vou encarar — destacou Ciro, que não detalhou as acusações.
À época, Santana afirmou que processaria o ex-governador. Em postagem no Instagram, a prefeita disse que Ciro Gomes é conhecido "por agredir moralmente as pessoas e, principalmente, as mulheres".
Janaína Farias foi assessora especial de Camilo Santana em seus dois mandatos como governador do Ceará. No Ministério da Educação, ela foi secretária de Gestão da Informação e Inovação.
Sanção de Trump, acusação 'documentada' e defesa das urnas: 1º dia de julgamento da trama golpista no STF é marcado por recado de Moraes e bronca em advogado
Por Daniel Gullino / Mariana Muniz , Sarah Teófilo, Ivan Martínez-Vargas e Camila Turtelli — Brasília / O GLOBO
Primeiro dia de julgamento da trama golpista no Supremo Tribunal Federal (STF) começou com críticas do relator da ação, ministro Alexandre de Moraes, a tentativas de interferência externa no processo. Sem citar diretamente sanções aplicadas contra ele e a outros magistrados pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o relator da ação penal que tem o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete aliados como réus disse que a "soberania nacional" jamais será "vilipendiada, negociada ou extorquida". A sessão também foi marcada pela apresentação do procurador-geral da República, Paulo Gonet, que detalhou como a tentativa de golpe foi "documentada", e pela bronca da ministra Cármen Lúcia a um advogado que comparou a adoção do voto impresso com a possibilidade de auditar as eleições.
O julgamento foi interrompido no fim da tarde desta terça-feira após a apresentação das defesas de cinco dos oito réus. Pelo cronograma traçado pela Primeira Turma da Corte, a análise do caso será retomado a partir das 9h desta quarta-feira, com os argumentos dos advogados do general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Bolsonaro. A previsão é que os votos dos ministros só sejam conhecidos a partir da semana que vem.
Antes de apresentar o relatório da ação penal, Moraes fez uma defesa da Corte na condução do processo e rebateu críticas à pressão do governo dos Estados Unidos e à defesa de uma anistia para os envolvidos.
Sem citar diretamente os pedidos de anistia, Moraes afirmou que a "impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação". Os defensores de um perdão para os envolvidos nos atos golpistas do 8 de janeiro costumam citar como objetivo a "pacificação" do país.
— A História nos ensina que a impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação. Pois o caminho aparentemente mais fácil, e só aparentemente, que é da impunidade, que é da omissão, deixa cicatrizes traumáticas na sociedade — afirmou o relator.
Moraes também afirmou que foi descoberta uma "verdadeira organização criminosa" que teria tentado coagir o STF e submetê-lo "ao crivo de outro Estado estrangeiro". Embora também não tenha os citado nominalmente, ele se referia a Bolsonaro e ao filho deputado, Eduardo Bolsonaro (PL-SP), indiciados no mês passado por tentativa de atrapalhar o processo da trama golpista ao defender sanções dos EUA contra ele e outros ministros.
Em julho, o governo Trump anunciou que Moraes foi sancionado com base na Lei Magnitsky, que prevê o bloqueio de bens, como contas bancárias, investimentos financeiros e imóveis, por exemplo. A lei também inclui o banimento de entrada nos Estados Unidos e a proibição de negociar com empresas e cidadãos americanos.
Gonet diz que plano golpista foi 'documentado'
Logo no início de sua fala, Gonet rebateu um dos principais argumentos das defesas,
a de que tudo não passou de discussões e não houve, de fato, uma tentativa de golpe. Para o procurador-geral da República, contudo, para que a tentativa de golpe se consolide, não seria preciso uma ordem assinada pelo presidente da República e as articulações antidemocráticas não podem ser tratadas como um "plano bonachão".
— O apoio da organização criminosa a acampamentos em frente a quartéis em várias localidades, em especial em frente ao quartel general do Exército, em Brasília, onde se clamava abertamente por intervenção militar, intervenção federal por parte das Forças Armadas igualmente se insere no contexto da atuação efetiva, por atitude de ruptura com a democracia por meio da violência — afirmou ele.
Gonet afirmou ainda que documentos encontrados com os investigados previam "medidas de intervenção inaceitáveis constitucionalmente". Bolsonaro admite ter conversado com os comandantes das Forças Armadas sobre alternativas ao resultado eleitoral, mas alega que foram discutidos apenas instrumentos previstos na Constituição.
Advogado de Cid anuncia 'baixa' de militar do Exército
Primeiro advogado a falar na tribuna do plenário, Jair Alves Pereira defendeu a validade da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, colocada em xeque pelas defesas de outros réus, que alegam uma suposta coação do ex-ajudante de ordens pela Polícia Federal e por Moraes. Segundo o defensor, contudo, a colaboração foi voluntária e confirmada em mais de uma oportunidade pelo STF.
— Eu posso não concordar com o relatório, com o indiciamento do delegado e, de fato, não concordo. Agora, nem por isso eu posso dizer que ele coagiu o meu cliente ou que ele cometeu uma ilegalidade. Não posso dizer que ele e o ministro Alexandre de Moraes me coagiram, porque não seria verdade — afirmou o advogado.
As defesas do ex-presidente Jair Bolsonaro e do general Braga Netto contestam a delação de Cid justamente indicando, dentre outros pontos, que ele foi coagido por temer punição a familiares. A defesa de Bolsonaro afirmou que "suas declarações, desde o princípio, não resultam de ato voluntário e nem estiveram pautadas na verdade". Já os advogados de Braga Netto afirmaram que a delação contém uma série de "vícios", como a falta de "voluntariedade do delator" e a "coação" por parte da Polícia Federal.
Na sequência, Gonet defendeu a condenação dos acusados pela trama golpista, também com críticas às iniciativas que buscam anistia para os envolvidos na trama golpista. Ele argumentou que a impunidade poderia "recrudescer ímpeto de autoritarismo" e colocar "em risco o modelo de vida civilizado". O chefe do Ministério Público foi o segundo a falar na sessão que analisa a ação penal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete aliados por tentativa de golpe.
— Não reprimir criminalmente tentativas dessa ordem, como mostram relatos de fato, aqui e no estrangeiro, recrudesce o ímpeto de autoritarismo e põe em risco um modelo de vida civilizado — disse Gonet.
Durante sua sustenção oral no julgamento, o advogado afirmou que Cid "pediu baixa" do Exército. A expressão se refere ao desligamento do militar dos quadros das Forças Armadas. Segundo o defensor, o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro "não tem mais condições psicológicas" de continuar nos quadros das Forças Armadas após virar delator no processo.
A carreira militar do tenente-coronel ficou congelada durante a tramitação da ação penal a que responde STF. Nessa condição, Cid não poderia ser promovido e o seu nome foi retirado da lista de promoção por antiguidade ou merecimento. Ele ainda poderia responder por crime militar devido aos fatos analisados.
Cid responde a cinco crimes — organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. A soma das penas pode chegar a 43 anos de prisão.
Apesar do acordo de delação premiada firmado em 2023, homologado por Moraes, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu ao Supremo que Cid seja condenado. Em manifestação nesta manhã, o procurador-geral Paulo Gonet criticou o “caráter seletivo” da colaboração e disse que ela não afasta a responsabilidade do militar.
Defesa de Ramagem toma bronca de Cármen
Após o advogado de Cid, foi a vez da defesa do ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e atual deputado federal, Alexandre Ramagem, apresentar seus argumentos de defesa. O advogado Paulo Renato Garcia Cintra Pinto afirmou que a denúncia da PGR comete erros fáticos "graves" a respeito de Ramagem, citando o suposto acesso ao software FirstMile, que teria sido usado de maneira irregular no âmbito da chamada Abin paralela.
— O MPF afirmou que Ramagem não apenas teria ciência da utilização irregular dessa ferramenta (o software Firstmile) pelo serviço de inteligência, como tinha acesso ao sistema. Ocorre que a autoridade policial não fez alusão ao log de acesso a sistema algum — disse.
O defensor ainda reiterou alegação de que os textos encontrados pela PF com Ramagem nas quais ele questiona a lisura do processo eleitoral e das urnas eletrônicas eram apenas "anotações".
— Ele sempre falou: "Eu sempre faço anotação de tudo. Meu computador é um mar de anotações" — disse o advogado. Cintra frisou que não existem elementos que comprovem que essas anotações foram entregues ao ex-presidente da República.
Já ao fim da sustentação oral, o advogado foi interrompido pela ministra Cármen Lúcia, que em tom de reprimenda disse que "o processo eleitoral é amplamente auditável". Atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a ministra demonstrou incômodo após o defensor citar as dúvidas levantadas por seu cliente à lisura do sistema eleitoral. Assista abaixo:
Defesa de Garnier reclama de 'fatos novos' em acusação
Na sequência do julgamento, o advogado Demóstenes Torres, responsável pela defesa do ex-comandante da Marinha Almir Garnier, reforçou em julgamento da trama golpista o pedido rescisão da delação premiada de Cid. Ele também fez críticas à acusação apresentada pela PGR.
— Eu acredito que o procurador-geral da República feriu o princípio da congruência, porque nas alegações finais ele aponta dois novos fatos que não existem na denúncia. E o Supremo Tribunal Federal e o artigo 384 do código de processo penal dizem claramente que não é possível que o réu se defenda de algo que não lhe foi imputado. Se tiver que imputar dois outros fatos, tem que fazer o aditamento da denúncia, ou se não, o Supremo Tribunal Federal tem que pedir para desconsiderar no julgamento.
A fala de Demóstenes, que já foi senador e teve o mandato cassado, foi marcada por um tom de descontração, com referências do defensor a uma possível prisão de Bolsonaro.
— Se o Bolsonaro precisar que eu leve cigarro para ele em qualquer lugar, eu levo, conte comigo.
Advogado de Anderson Torres nega 'omissão' no 8 de janeiro
Último a apresentar seus argumentos no primeiro dia de sessão, o advogado do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, Eumar Novacki, sustentou não haver provas que seu cliente participou de uma trama golpista.
Novacki argumentou que o seu cliente não conspirou ou relaxou o esquema de segurança no Distrito Federal no dia 8 de janeiro, quando o réu era secretário de Segurança Pública. Na ocasião, Torres integrava o governo Ibaneis Rocha e estava nos Estados Unidos de férias.
— Toda narrativa do MPF em relação a Anderson Torres parte da premissa que ele teria conspirado, teria participado de uma macabra trama golpista e deliberadamente se ausentado do DF (no 8 de janeiro), mas isso não é a verdade — disse o advogado.
Segundo o advogado, a viagem aos EUA estava programada com meses de antecedência e era de conhecimento do então governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha.
O que está em discussão?
Enquanto tenta manter a influência sobre os rumos da direita para o pleito de 2026, Bolsonaro atua na via processual apostando em uma divergência na Primeira Turma da Corte que possa reduzir a pena de prisão, caso condenado, e tentando minar a delação premiada do seu ex-ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid, usada como prova relevante da investigação. O ex-presidente não compareceu ao STF por questões de saúde, como informou o advogado Celso Vilardi. A Corte teve segurança reforçada nesta terça-feira.
O único dos réus a comparecer presencialmente ao STF nesta terça-feira foi o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, que apareceu de tipoia no braço. A lesão, segundo contou a jornalistas, foi adquirida durante uma partida de tênis de mesa com o neto.
Link com provas
Para evitar que o julgamento vire alvo de disputas políticas e se prolongue até o ano eleitoral, o STF se organizou para concluir as sessões em até duas semanas. Entre a apresentação da acusação pela PGR, em fevereiro, e o início do julgamento na Corte, 196 dias terão se passado. É um intervalo 11 vezes mais rápido do que o do processo mais célebre do STF, o do mensalão, que tinha 38 réus. Em um esforço para evitar pedidos de vista, o que poderia empurrar o desfecho do caso para 2026, o gabinete do ministro Alexandre de Moraes, relator da ação da trama golpista, enviou aos demais integrantes da Primeira Turma um link com documentos, vídeos e áudios que compõem as provas do processo
O ex-presidente e outros réus traçaram um plano para tentar reduzir a punição em caso de condenação. Eles defendem que haja a “absorção de crimes” entre duas imputações: abolição violenta do Estado Democrático de Direito e a tentativa de golpe de Estado — o grupo é acusado também de organização criminosa armada, deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado a bens da União. Somadas, as penas atribuídas a Bolsonaro podem chegar a 43 anos de prisão.
O ministro Luiz Fux vem sinalizando em outros processos que pode ser favorável ao exame conjunto desses dois crimes. Ele tem votado dessa forma em casos do 8 de Janeiro.
Caso sejam condenados, Bolsonaro e os demais réus poderão apresentar na própria Primeira Turma os chamados embargos de declaração, tipo de recurso utilizado para esclarecer pontos de uma decisão. Esse instrumento não costuma reverter o resultado de um julgamento.
A depender do placar do julgamento, pode ocorrer uma segunda possibilidade de recurso, os embargos infringentes, que levariam a discussão para o plenário do STF. Eles só podem ser apresentados, no entanto, quando ocorrem dois votos pela absolvição do réu, o que é visto por aliados de Bolsonaro como cenário improvável de se concretizar.
Delação de Cid
Outro ponto que será debatido é a delação de Cid. Alguns réus, incluindo Bolsonaro, tentam anular o acordo, enquanto a PGR pede uma redução mínima da pena, por considerar que os depoimentos do militar foram “superficiais e pouco elucidativos”. A delação do tenente-coronel teve reviravoltas, incluindo uma prisão durante um depoimento e a ameaça de nova detenção após omissões, ponto explorado pelas defesas.
A origem da trama golpista está em Cid. A investigação que levou ao julgamento foi aberta pela Polícia Federal em 2023, a partir de elementos encontrados no celular do tenente-coronel, e ganhou força com a delação. Depois, novas provas surgiram, como a descoberta de que Bolsonaro apresentou aos comandantes das Forças Armadas um plano para reverter a derrota eleitoral, o que foi rechaçado.
— O julgamento dá um limite do que é tolerável no pacto constitucional. Negar o resultado das urnas e incitar a população, pela produção de informações falsas, não é compatível com a democracia constitucional liberal. E a eventual responsabilização dos militares dá um recado para as Forças Armadas de que a tentativa de golpe de Estado tem um custo — analisa o professor da FGV Rubens Glezer, um dos coordenadores do centro de pesquisa Supremo em Pauta.
TRE-CE mantém cassação de Bebeto Queiroz e determina novas eleições em Choró
/ DIARIONORDESTE
O Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) decidiu, nesta sexta-feira (29), manter a cassação do prefeito eleito de Choró, Bebeto Queiroz (PSB), e do vice-prefeito eleito, Bruno Jucá Bandeira. Eles são acusados de comandar um esquema de compra de votos nas eleições de 2024. A Corte ainda aplicou uma multa de R$ 53,2 mil, determinou a inelegibilidade do prefeito por oito anos e ordenou a realização de novas eleições na Cidade.
Inicialmente, a ação foi proposta pelo candidato derrotado nas últimas eleições municipais de Choró, Professor Antônio Delmiro (PT). Ele acusa a chapa vencedora de abuso de poder econômico e captação ilícita de sufrágio (compra de votos).
Em seu voto, o relator do caso, o desembargador Wilker Macedo Lima, manteve a maior parte da decisão tomada em primeira instância pelo juiz Welithon Alves de Mesquita, da 6ª Zona Eleitoral do Estado, em Quixadá, em 7 de abril deste ano. O relator revisou apenas a inelegibilidade e a multa que inicialmente eram estendidas ao vice-prefeito. A cassação, no entanto, foi mantida.
O voto do desembargador foi seguido de forma unânime pelos outros magistrados. Na decisão, a Corte destacou a robustez do conjunto de provas, que indica a captação ilícita de voto e o abuso de poder econômico, segundo os magistrados.
A defesa de Bebeto Queiroz foi procurada pela reportagem, mas não houve retorno.
STF vai além da prisão e deve definir quem pode tirar patente de capitão de Bolsonaro
Por Carolina Brígido / O ESTADÃO DE SP
Depois que Jair Bolsonaro for, ao que tudo indica, condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), começa uma nova briga: quem leva embora a farda do capitão? Quando um militar recebe pena superior a dois anos, a Justiça Militar abre processo que pode resultar em expulsão das Forças Armadas. No caso da trama golpista, essa decisão pode ser tomada por outra caneta.
No Supremo, há quem defenda que a Primeira Turma analise a perda da patente. Ao fim do julgamento, os cinco ministros devem fixar o foro para tomar a decisão. Se atropelarem o Superior Tribunal Militar (STM), deve ter briga.
Integrantes do STM afirmam que essa atribuição é apenas deles. O procurador-geral da Justiça Militar, Clauro de Bortolli, garante que vai representar na Corte contra militares condenados depois que o STF julgar todos os recursos dos réus.
Embora não tenha fixado regra sobre o que fazer com a farda de oficiais condenados, o STF tem um parâmetro. Em junho de 2023, cinco meses após a invasão das sedes dos Três Poderes, o tribunal decidiu que um militar condenado pode perder o posto e a patente por determinação do Tribunal de Justiça Militar. Onde não houver esse foro, a tarefa caberia ao Tribunal de Justiça - ou seja, à justiça comum.
O processo era sobre um policial militar de São Paulo. Embora a situação dos oficiais seja outra, fontes do STF acreditam que a brecha deixada em 2023 pode ser resgatada no julgamento sobre o golpe. O relator do processo sobre o policial era Alexandre de Moraes, o mesmo que conduz as investigações sobre a trama golpista.
Outro precedente é o entendimento adotado pelo STF logo depois do 8 de janeiro de 2023 de que é ele mesmo o foro para investigar e julgar suspeitos da tentativa de golpe. Ministros da turma podem interpretar que a regra vale também para definir as consequências das condenações.
A decisão do STF de puxar para si o foro das investigações incomodou uma ala da Justiça Militar. Bortolli alega ter ficado impedido de apresentar denúncia contra suspeitos de participarem da trama.
Se o STF avançar também sobre a perda das patentes, vai causar ainda mais indignação. Os ministros do STM têm convicção de que essa é uma atribuição exclusiva deles. Parte do colegiado, aliás, faz questão de expulsar Bolsonaro da caserna, por comportamento indigno com a instituição.
Para Bolsonaro, pouco importa qual tribunal vai tomar a decisão: o resultado parece inevitável. O capitão da reserva já perdeu a liberdade e o nome na urna. Até o fim do ano, deve ficar também sem o réu primário e sem a farda.