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A ‘gamificação’ dos penduricalhos

Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP

 

Algumas vozes da cúpula do Judiciário parecem ter tomado a necessária coragem de expressar o seu incômodo com o sucesso da pauta corporativista da magistratura. Ainda que isoladas, essas críticas atacam o insaciável apetite das associações de juízes por mais e mais penduricalhos. Autoridades, enfim, começam a catalisar o sentimento de perplexidade da sociedade.

 

Um exemplo é o ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho. No dia 22 de setembro, no Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), na sua última sessão como corregedor-geral, ele comparou o avanço dos penduricalhos às fases de um videogame. Ou seja, a cada ato que um magistrado pratica, como uma audiência, uma sentença ou uma carta precatória, ele recebe um bônus. É o que chamou de “gamificação”.

 

Vieira de Mello manifestou o seu inconformismo antes de tomar posse como presidente do CSJT e do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Ao negar a criação de um penduricalho, ele recomendou a atuação dos conselhos, entre eles o que agora comanda, guiada por “valores da República”, lamentando que, naquela sessão, 40% da pauta era sobre “questões remuneratórias”.

 

Vale lembrar que o último presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Luís Roberto Barroso, editou uma resolução que abriu a porteira dos penduricalhos. Ele chegou a dizer que os juízes merecem ganhar mais, haja vista que muitos deixam a carreira para ingressar na advocacia, embora não se tenha notícia da perda do interesse pela magistratura.

 

Em seu desabafo, Vieira de Mello até provocou ao questionar “quem está ganhando mal”. Disse desconhecer.

 

Um juiz em início de carreira ganha acima de R$ 30 mil e, não raro, com os penduricalhos, logo receberá acima do teto do funcionalismo, que é o subsídio mensal de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), de R$ 46,4 mil. E, diferentemente do tempo de Vieira de Mello, quando um juiz fazia “audiências no período da manhã e da tarde, cinco dias da semana”, agora há quem trabalhe só na “escala TQQ”: terça, quarta e quinta.

 

Trata-se da jornada de muitos magistrados que ainda querem home office para sempre, segundo o corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell, em entrevista ao Estadão. Como disse Campbell, tem “juízes ganhando uma fábula, se comparados com um trabalhador comum, e ainda por cima não querem residir na comarca”. Enquanto isso, o trabalhador comum pede o fim da jornada 6x1 e perde duas horas por dia no transporte público.

 

Não é de agora que este jornal rechaça o que hoje os ministros criticam. Como disse Vieira de Mello, com razão, essa profusão de penduricalhos precisa parar, a remuneração dos juízes deve ser definida em lei – ou seja, pelo Congresso, e não por conselhos – e a magistratura precisa ter consciência de suas responsabilidades e ser mais transparente.

 

No Brasil, um juiz não ganha mal, não trabalha muito nem tem uma vida sofrida – ao contrário. Por isso, essa corrida de videogame em que só os magistrados ganham e toda a sociedade perde precisa chegar ao fim.

Distorção com aval do STF

Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP

 

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) referendou uma decisão liminar do ministro Luiz Fux e acolheu o pedido do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), para manter a atual composição das bancadas estaduais na Câmara para as eleições de 2026. Assim, a representação política da sociedade brasileira seguirá distorcida até 2031, em total descompasso com os dados do Censo de 2022. Estados como São Paulo, o mais prejudicado por esse retrocesso institucional, continuarão penalizados por uma sub-representação que desafia a própria lógica da democracia representativa.

 

O art. 45, § 1.º, da Constituição diz em português cristalino que a representação dos Estados na Câmara deve ser proporcional à população. A Lei Complementar (LCP) 78/1993, que regulamentou esse dispositivo, fixou apenas os limites mínimo (8) e máximo (70) de assentos por unidade da Federação. Portanto, a redistribuição periódica das cadeiras, à luz da demografia, é um mandamento constitucional, não uma liberalidade política.

 

O mais estarrecedor é que o próprio STF decidira, em 2023, que o Congresso tinha até 30 de junho passado para atualizar a composição da Câmara. A Corte deixou explícito que a ordem era para redistribuir as cadeiras, não aumentar seu número. Entretanto, numa das páginas mais lamentáveis da atual legislatura, o Congresso preferiu inchar a Câmara, aumentando de 513 para 531 o número de deputados. A manobra, além de ser inapelavelmente inconstitucional, revelava o temor dos parlamentares de perder privilégios, haja vista que alguns Estados – Alagoas, Bahia, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul – deveriam reduzir suas bancadas.

 

O presidente Lula da Silva, corretamente, vetou esse desatino. Mas, talvez sem votos para derrubar o veto e sob pressão dos Estados que seriam obrigados a encolher suas representações, o sr. Alcolumbre resolveu choramingar sob as barras das togas. E, no que pareceu um gesto de cortesia para amenizar atritos recentes, o Supremo, pasme o leitor, curvou-se ao pedido, contrariando sua própria decisão e, pior, a letra da Constituição.

 

É difícil exagerar a gravidade dessa decisão. Ao sacramentar a manutenção da distorção representativa, o STF negligenciou seu papel primordial de guardião da Lei Maior. Em nome de uma suposta harmonia entre os Poderes, a Corte escolheu proteger um arranjo político em vez de assegurar o interesse público e o princípio democrático da proporcionalidade do voto. É o que se pode depreender desse julgamento unânime, o primeiro do colegiado sob a presidência do ministro Edson Fachin, que, ao que tudo indica, preferiu começar seu mandato em clima de acomodação com o Legislativo a reafirmar a independência do Judiciário.

 

Nada justifica a complacência do STF com o conchavo entre Alcolumbre e o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), cujo Estado, a Paraíba, perderia cadeiras com a aplicação correta da representação demográfica. A manobra, vendida como mecanismo de “apaziguamento” entre as Casas Legislativas após o enterro da infame PEC da Bandidagem no Senado, não passa de escancarado casuísmo. Para satisfazer conveniências políticas de Alcolumbre e Motta e seus grupos, perpetua-se uma desigualdade inaceitável: certos votos continuarão a valer mais do que outros no País.

 

A democracia representativa se abastarda quando votos deixam de valer a mesma coisa em termos proporcionais. É incrível que o STF tenha optado por perpetuar uma injustiça que privilegia umas poucas bancadas em detrimento da maioria. Em vez de corrigir desigualdades e modernizar a representação política, a Corte escolheu o caminho do compadrio institucional.

 

O Supremo errou agora e criou um precedente perigoso para o futuro. A mensagem transmitida por sua tibieza à sociedade é inequívoca: a jurisprudência da própria Corte pode ser moldada às conveniências políticas de ocasião. Ora, o respeito à proporcionalidade da representação não é mera questão de conveniência política, mas um postulado democrático fundamental. Ao negar-lhe vigência, o STF cometeu um grave erro.

Populismo penal não é antídoto contra metanol

EDITORIAL FOLHA DE SP II

Mais uma vez o Congresso Nacional insiste em combater problemas complexos com mero populismo penal. Desta vez, o pensamento mágico dos parlamentares foi incitado pela crise de intoxicação por metanol.

Ministério da Saúde informou, na quinta (2), que recebeu 59 notificações de possível contaminação pela substância após consumo de bebida alcoólica em São Paulo, Pernambuco e no Distrito Federal, incluindo óbitos. Desse total, 11 casos foram confirmados (sendo 1 de morte) e 48 estão em análises (7 de morte).

No mesmo dia, a Câmara aprovou requerimento de urgência para um projeto de lei de 2007 que torna a adulteração de bebidas e alimentos crime hediondo (inafiançável e sem direito a indulto ou anistia). Expandir o rol de atos ilegais com essa qualificação, contudo, em nada ajuda a enfrentar o fenômeno funesto.

O endurecimento penal do crime de "adulteração de bebidas e alimentos pela adição de ingredientes quaisquer ao produto que possam causar risco à vida ou grave ameaça à saúde dos cidadãos" não dialoga com as medidas às quais autoridades deveriam se ater para conter essa atividade.

Sem contar que, até agora, ainda não se sabe se as bebidas foram adulteradas ou se o metanol nos produtos vem de erros na fabricação, provavelmente ilegal.

Assim, deputados aceleram um projeto inócuo, movidos por comoção popular no calor do momento, em vez de seguirem evidências. Há ações mais eficazes no âmbito do Executivo nas três esferas de governo, como conscientização e redução de danos para proteger a população e fiscalização de bares, restaurantes e distribuidores de bebidas suspeitos por parte de autoridades sanitárias e de defesa do consumidor.

Ainda mais importante é o fortalecimento da inteligência policial com rastreamento do mercado ilegal, inclusive de sua movimentação financeira —um possível envolvimento do crime organizado, que não pode ser descartado a priori, deveria ser investigado com seriedade.

Relatório publicado neste ano pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública estima que falsificação, contrabando e produção artesanal ilegal de bebidas alcoólicas geraram uma receita de R$ 56,9 bilhões ao crime organizado no país em 2022 —aumento de 224% em relação a 2017.

De imediato, é preciso atender a urgência da situação, o que inclui negociar a compra do principal antídoto para o metanol (fomepizol), que ainda não tem registro na Anvisa, além de incrementar sistemas de notificação e de rastreamento de casos.

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Justiça da Itália rejeitou ordem de Moraes para prender ex-assessor e aplicou restrições; entenda

Por Aguirre Talento e Levy Teles / O ESTADÃO DE SP

 

BRASÍLIA – O Tribunal de Apelação de Catanzaro, na Itália, rejeitou uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes para decretar a prisão de seu ex-assessor Eduardo Tagliaferro, sob acusação de ter vazado conversas de assessores envolvendo investigações contra bolsonaristas. Ele foi detido pela polícia italiana nesta quarta-feira, 1º, para aplicação das medidas cautelares.

 

Tagliaferro está na Itália ao menos desde o mês de julho. Quando deixou o Brasil, ele não tinha sido alvo de nenhuma ordem de prisão ou restrição que impedisse sua locmoção. Ele saiu do país após se tornar alvo de investigação da Polícia Federal. O ex-assessor foi denunciado pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, por causa dos vazamentos. Com base na denúncia, Moraes solicitou à Itália a sua extradição para responder ao processo no Brasil.

 

O Estadão teve acesso ao despacho da Justiça italiana. O tribunal corresponde à segunda instância na região da cidade de Torano Castello, onde ele passou a morar. Faz parte da província de Cosenza, na região da Calábria.

 

No documento, o tribunal apontou que as acusações contra Tagliaferro já tinham se tornado públicas e ele não tentou fugir de sua residência atual para se esconder. Com isso, os magistrados consideraram que não era necessário decretar a prisão e determinaram algumas medidas cautelares para que ele não fuja do país.

 

Dentre elas, Tagliaferro teve que entregar seu passaporte e informar um horário no qual sempre estará em sua residência, para que os policiais possam realizar uma averiguação do seu domicílio. O ex-assessor também ficou proibido de deixar a cidade sem autorização judicial.

 

“A exigência de permanecer dentro dos limites do país, juntamente com a proibição de sair do país, parece ser uma medida necessária e suficiente para evitar o risco de novas remoções, bem como proporcional à extensão dos fatos”, diz a ordem da Justiça italiana.

 

Em nota, a defesa de Tagliaferro classificou de “arbitrária” a ordem judicial do Brasil. “Agora, finalmente, esperamos que o processo secreto possa ser disponibilizado para as medidas cabíveis em defesa dos direitos e garantias do sr. Tagliaferro”, afirmou o advogado Eduardo Kuntz.

 

Prosseguiu o advogado: “Adianto que, mesmo sem ter acesso ao pedido, me sinto confortável para lhe classificar como arbitrário e impertinente. Eduardo não fugiu, não está procurado, nçao deve nada para ninguém e está devidamente regularizado em outro país, tanto que abordado na sua residência”.

O exótico sr. Fachin

Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP

 

O ministro Edson Fachin assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) sob o signo da austeridade institucional. Marcada por um entediante recato, como convinha, a própria cerimônia de posse refletiu a postura do chefe do Judiciário pelos próximos dois anos: um magistrado avesso a holofotes, entrevistas e convescotes com lobistas; um juiz que tem a decência de não emitir juízos fora dos limites de seu ofício. Em tempos de ministros pop stars, é compreensível que esse perfil destoe da imagem que parte expressiva da sociedade formou dos membros da Corte. Mas convém ressaltar: em termos republicanos, nada há de notável na discrição de Fachin. Comportar-se como ele é obrigação de qualquer juiz, da primeira à última instância.

 

Nos últimos anos, alguns ministros do STF tomaram gosto pelo protagonismo, inebriados pela fama. Decisões monocráticas de repercussão nacional, discursos públicos sobre temas alheios à função judicante e participação em eventos promovidos por empresários e clubes recreativos da magistratura – a pretexto de “discutir o Brasil” em Londres, Paris, Lisboa ou Nova York – tornaram-se banais, ao custo da degradação paulatina da reputação do STF. Como se isso não bastasse, parte dos ministros passou a se apresentar como espécie de guias morais da Nação, a “vanguarda iluminista” encarregada de “empurrar a História” e “recivilizar o Brasil”, como chegou a dizer o ministro Luís Roberto Barroso.

 

O próprio Barroso, aliás, ao transmitir o cargo a Fachin, deu mais uma mostra de como é difícil devolver o gênio da vaidade à lâmpada da autocontenção. O agora ex-presidente do STF quebrou o protocolo e, como se estivesse no palco entre um samba e outro, discursou em uma cerimônia que tinha outro protagonista. Pode parecer pouco, mas são gestos desse tipo que, por acúmulo, reforçam a percepção pública de que a Corte deixou de ser um tribunal colegiado que privilegia a discrição e a racionalidade para se tornar uma fogueira de vaidades que, não raro, queima reputações e chamusca a legitimidade de todo o Judiciário. O exemplo vem de cima, diz o vulgo. E o STF tem dado a entender que juízes podem ser estrelas inconsequentes.

 

Fachin pretende inverter esse rumo. Em seu discurso de posse, afirmou ser necessário “voltar-se ao básico”, destacando os compromissos de seu mandato: “Racionalidade, diálogo e discernimento”. Mais do que isso, o ministro lembrou qual deve ser a fronteira intransponível entre Poderes. “O nosso compromisso é com a Constituição”, disse Fachin. “Ao Direito o que é do Direito, à política o que é da política.” São palavras que soam como música aos ouvidos cansados da confusão proposital entre papéis e responsabilidades dos ministros do STF. O busílis é que, sozinhas, elas nada garantem.

 

A autoridade do Supremo não pode depender do perfil deste ou daquele presidente, como se o rumo da Corte como instituição estivesse condicionado aos atributos particulares de seus integrantes. A contenção não pode ser um traço de caráter individual, mas uma prática coletiva, enraizada no plenário. O exemplo de Fachin é obviamente positivo, como este jornal já destacou algumas vezes nesta mesma página, mas insuficiente: se seus pares continuarem a confundir Justiça com ação política e jurisdição com militância, a Corte continuará inexoravelmente a perder a confiança de milhões de seus jurisdicionados.

 

Essa queda da confiança da sociedade não se explica apenas pela campanha de difamação sistemática promovida pelo bolsonarismo contra o STF. De fato, Jair Bolsonaro e seus camisas pardas, todos desmoralizados com o ex-presidente condenado por golpe de Estado, viram no Supremo o principal anteparo a seu projeto autocrático. E é natural que autocratas, mesmo os fracassados, enxerguem um Judiciário forte e independente como um inimigo figadal.

 

Mas seria ingênuo creditar somente à ação nefasta dos golpistas o desgaste do Supremo perante a população. Pesquisa do PoderData divulgada há alguns meses mostrou que apenas 12% dos brasileiros avaliavam positivamente o desempenho da Corte. É evidente que todos os ministros têm responsabilidade por essa tragédia. Enquanto a consciência não for coletiva, continuará a haver um abismo entre dois Supremos: o de Fachin e o das ruas.

Fachin acerta ao pregar Supremo longe da política

Por  Editorial / O GLOBO

 

 

Na cerimônia de posse como novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Edson Fachin deu o tom que pretende imprimir a sua gestão. “Assumo não um Poder, mas um dever: respeitar a Constituição e apreender limites. Buscaremos cultivar a virtude do discernimento”, afirmou. “Ao Direito, o que é do Direito. À política, o que é da política.” A tônica de seu discurso foi a institucionalidade e o chamado ao diálogo republicano entre os Poderes, sem que o Judiciário fique submetido a populismos. Sua discrição já ficara nítida quando ele recusou qualquer badalação e festa de celebração. É sem dúvida positivo que tente desviar do Supremo os holofotes que, nem sempre com razão, se voltam para a Corte e seus ministros. Mas será preciso agir com determinação quando necessário. O STF não pode se esquivar de enfrentar questões espinhosas que volta e meia acabam por desaguar lá.

 

Desde a Constituição de 1988, sindicatos, partidos políticos ou ocupantes de altos cargos públicos podem acionar o STF por motivos variados. Na maioria dos países, os processos precisam começar em instâncias inferiores e trilhar longo caminho até o topo, e a maioria das Cortes Supremas costuma exercer apenas controle de constitucionalidade. O arranjo brasileiro é distinto. O Supremo é constantemente chamado a decidir sobre questões as mais diversas, além de funcionar como tribunal penal para as autoridades com prerrogativa de foro. Como presidente do STF, o poder de Fachin está na definição do ritmo daquilo que será votado.

 

Ele deve exercê-lo com equilíbrio e sensatez. De um lado, como pregou, precisa evitar que o Supremo assuma competências estranhas a seus deveres constitucionais, trilhando o caminho arriscado do ativismo judicial. De outro, é preciso não ser omisso diante das tarefas que se impõem. A mais imediata será a conclusão dos julgamentos relativos à tentativa de golpe de Estado, num momento em que o Judiciário brasileiro é alvo de sanções descabidas dos Estados Unidos. Alas do Congresso têm também lançado desafios constantes ao Supremo. É um quadro que exige temperança e, ao mesmo tempo, firmeza. Foi o que prometeu.

 

Nos últimos dez anos, Fachin construiu uma reputação de magistrado sério e discreto, em especial pelo papel que assumiu em casos de destaque, como a Operação Lava-Jato ou a ADPF das Favelas. “Fachin é uma pessoa de grande integridade pessoal, preparo técnico e idealismo. O país tem muita sorte de tê-lo na presidência”, afirmou o agora ex-presidente do Supremo Luís Roberto Barroso. “Ele fala por meio dos autos, é um homem muito institucional e que a vida inteira pregou, inclusive em seus votos, uma preocupação muito grande com a proteção do indivíduo”, diz o jurista Álvaro Jorge, da FGV Direito Rio.

 

Não há como esquecer o protagonismo do STF na defesa da democracia brasileira, antes e depois do 8 de Janeiro. Em 2022, ano das últimas eleições presidenciais, Fachin ocupou a presidência do Tribunal Superior Eleitoral por seis meses e teve papel importante no combate à desinformação sobre as urnas eletrônicas. O tom de sua gestão dependerá em grande parte das circunstâncias. Em qualquer situação, sua missão deverá ser aquela com que se comprometeu e que se espera de todo presidente do Supremo: a defesa da Constituição.

 

MINISTRO FACHIM

Fachin toma posse à frente do STF com desafio de unir onze ilhas e tirar Corte dos holofotes

Por Carolina Brígido / O ESTADÃO DE SP

 

BRASÍLIA – A semana final de Luís Roberto Barroso na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) foi animada: teve jantar com os ministros, festa com juízes, entrevistas à imprensa, discurso em plenário, declarações públicas. O início da gestão Edson Fachin, marcado para esta segunda-feira, 29, inaugura uma virada de chave no estilo de comandar o Judiciário. A ordem agora é cortar gastos, priorizar decisões tomadas em conjunto e reforçar a institucionalidade do tribunal.

 

Logo na chegada, Fachin entrou na contramão de seus antecessores e encomendou uma posse modesta. O ministro recusou a festa tradicionalmente oferecida por entidades da magistratura a quem chega ao mais alto posto do Judiciário. Normalmente, o evento tem banda, jantar, bebidas. O cenário é um convite ao beija-mão de juízes e advogados ao novo presidente.

 

Fachin tomará posse apenas na cerimônia do plenário do STF, que será regada a água e café. Seus antecessores no cargo ouviram o Hino Nacional entoado por Maria Bethânia, Daniela Mercury, Fagner e Caetano Veloso. Fachin quis prestigiar o coral formado por servidores do STF na execução do hino. Uma funcionária do Supremo vai acompanhar ao piano.

 

Na mesma toada, Fachin avisou à equipe que, como presidente do Supremo, vai evitar viagens em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB). Prefere voos de carreira. Nos últimos anos, outros integrantes da Corte passaram a voar com a FAB para evitar tumulto e eventuais ataques por parte de outros passageiros.

 

Embora Fachin tenha dado ordem para que a posse seja minimalista, ele pediu para serem convidados todos os 81 senadores e boa parte dos deputados federais. Foram expedidos cerca de 3 mil convites.

 

A ideia é passar a imagem de que está disposto a dialogar com o Congresso Nacional em um momento de tensão institucional. Enquanto o Senado guarda dezenas de pedidos de impeachment contra ministros do tribunal, o Supremo se prepara para iniciar o julgamento de processos contra parlamentares por desvios de recursos públicos por meio de emendas.

 

Em caráter reservado, um funcionário do tribunal afirmou que o alto número de autoridades convidadas tem potencial para gerar confusão, porque não há espaço para tanta gente no plenário. E, provavelmente, os parlamentares não vão se contentar a ir até o tribunal para assistir à cerimônia através de um telão instalado em outra sala.

 

Visita aos gabinetes

Nos dias anteriores à posse, Fachin procurou individualmente cada ministro do STF para pregar a importância de decisões no plenário. Também disse aos colegas que vai definir a pauta de julgamentos de forma coletiva, com a participação de todos.

 

Hoje, Barroso faz isso de maneira individual, com a ajuda de integrantes de sua equipe. Como presidente, Fachin quer se reunir com todos semanalmente para definir, em conjunto, os processos a serem levados ao plenário.

 

A mudança no estilo da gestão é uma das táticas para conferir maior colegialidade ao tribunal. De forma reservada, ministros consideram que Fachin será, neste ponto, mais agregador do que Barroso. Na avaliação de alguns colegas, o ministro que deixa agora o comando do tribunal tomou muitas decisões sozinho. Essa atitude, pensam, acaba encorajando decisões individuais.

Fachin não é de frequentar eventos sociais – nem promovidos pelos colegas, muito menos por parlamentares ou outras autoridades. De hábitos simples, gostava de andar de mãos dadas com a desembargadora Rosana Fachin, com quem é casado. Em Brasília, costumavam ir ao cinema aos finais de semana. Depois que o STF passou a ser mais atacado, abandonou o hábito.

 

O estilo discreto dá a Fachin a vantagem de não ser criticado por encontrar empresários ou outros grupos de poderosos com interesses no Supremo. Por outro lado, por circular pouco, não tem relação tão estreita com vários colegas. Esse será um dos grandes desafios ao liderar os outros dez ministros.

 

O novo presidente do Supremo tem pela frente também o desafio de transformar em continente uma Corte hoje dividida em ilhas. A segmentação deve-se a pelo menos dois fatores: as frequentes decisões individuais e as declarações públicas de parte dos ministros sobre o tribunal e a vida política.

 

Fachin está no time mais silencioso do Supremo: não é afeito a entrevistas, redes sociais ou a comentários sobre o País. A expectativa é que, nos próximos dois anos, continue assim. Porém, quando o tribunal for atacado, deve aumentar o tom de voz para sair em defesa da instituição. A diferença é que deve fazer isso de forma institucional, não em entrevistas frequentes.

 

Após os ataques de 8 de janeiro, Fachin não se furtou na defesa do tribunal. Em janeiro deste ano, discursou em evento dedicado a lembrar os dois anos das invasões às sedes dos Três Poderes. “Precisamos sempre lembrar do que aconteceu, para que não se repita. Precisamos lembrar sempre do que aconteceu para que novas gerações não se esqueçam das dores de uma ditadura e dos males que o autoritarismo traz”, declarou.

 

Em novembro do ano passado, após o indiciamento de Bolsonaro e outras 36 pessoas pela trama golpista, Fachin deu rara declaração a jornalistas: “São fatos, sim, graves, que devem ser apurados, mas a democracia brasileira é maior do que isso tudo”.

 

E ponderou que “tudo isso deve ser visto nas etapas devidas, da forma adequada, com respeito ao devido processo, ampla defesa e todas as garantias que a Constituição e as leis preveem aos indiciados, acusados e depois para os réus, se vier uma ação penal”.

 

Saída de cena

Nas últimas semanas, Fachin tem dado sinais de que pretende conduzir um tribunal mais discreto. Em eventos, discursou em defesa de um Supremo distante dos holofotes.

 

Mas nem todos os planos dependem dele para darem certo. Foi-se o tempo que o presidente do STF era o protagonista do Judiciário. Hoje, devido ao perfil mais político de alguns integrantes, essa preponderância se deslocou. É frequente a menção no noticiário especialmente a Alexandre de MoraesGilmar Mendes e Flávio Dino.

 

Para tirar o tribunal do centro das atenções, o ministro precisa, no entanto, contar com a sorte. Com perfil semelhante, Rosa Weber tomou posse na presidência do tribunal em setembro de 2022 para um período de apenas um ano no cargo: ela completou 75 anos em outubro do ano seguinte e, por isso, foi obrigada a se aposentar. O plano de gestão discreta foi atropelado pelo 8 de janeiro.

 

Na saída da presidência, Barroso disse esperar que a pacificação do País deve ser retomada gradualmente quando forem concluídos os julgamentos da tentativa de golpe. Fachin não participará dos julgamentos, que são conduzidos pela Primeira Turma. Mas deve ser ativo na defesa da Corte diante dos esperados ataques de aliados de Jair Bolsonaro, diante da expectativa de novas condenações.

Punitivistmo e direitos humanos

Aos 67 anos, Fachin nasceu no Rio Grande do Sul, mas foi criado no Paraná. Ainda na Faculdade de Direito, foi repórter do Diário do Paraná, hoje extinto. Depois de formado, atuou como advogado de minorias e professor de Direito. Em 2015, Dilma Rousseff escolheu Fachin para substituir Joaquim Barbosa, que decidira antecipar a aposentadoria.

 

Em janeiro de 2017, ganhou projeção ao herdar a relatoria dos processos da Lava Jato de Teori Zavascki, que morreu em um acidente aéreo. Fez dobradinha com Sérgio Moro, que conduzia as investigações em Curitiba. Fachin costumava assinar embaixo do que Moro determinava. O Estadão revelou, com exclusividade, em abril de 2017, a lista de Fachin, que colocou o alto escalão político sob investigação no âmbito da Lava Jato.

 

Em março de 2021, Fachin determinou a anulação de todas as decisões tomadas pela 13ª Vara Federal de Curitiba (PR) nas ações penais contra o presidente Lula, tornando-o elegível.

 

O ministro também se destacou como relator do processo que ficou conhecido como ADPF das Favelas. Decidiu limitar a atuação de operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a pandemia da covid-19. Também foi relator do processo do Marco Temporal. Foi dele a posição que conquistou a maioria no plenário para beneficiar povos indígenas na demarcação de terras.

 

Fachin ainda não listou suas prioridades na pauta do STF. Entre as ações polêmicas hoje paradas no tribunal está a descriminalização do aborto, que conta apenas com o voto favorável que Rosa Weber deixou antes de se aposentar.

 

O mais provável é que o novo presidente fuja de temas grandiosos, ao menos no primeiro momento: para a primeira semana à frente do STF, Fachin incluiu na pauta de julgamentos processo sobre uma área de proteção ambiental em Rio Branco e outro sobre o pagamento de honorários por perícias solicitadas pelo Ministério Público.

STF forma maioria para manter prisão de ‘Careca do INSS’ e de Maurício Camisotti

Por Camila Turtelli — Brasília / O GLOBO

 

 

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria neste domingo para manter as prisões preventivas de Antônio Carlos Camilo Antunes, conhecido como "Careca do INSS", e do empresário Maurício Camisotti. O relator, ministro André Mendonça, foi o primeiro a votar pela continuidade da medida, e foi acompanhado por Edson Fachin e Nunes Marques. O ministro Gilmar Mendes se declarou impedido de participar do julgamento, enquanto ainda falta o voto do ministro Dias Toffoli.

 

O caso é analisado no plenário virtual da Segunda Turma. Cada integrante insere o voto no sistema eletrônico até o dia 3 de outubro, prazo final para a conclusão do julgamento. Como já há maioria formada, a tendência é que a decisão pela manutenção da prisão seja confirmada, salvo pedido de vista ou destaque que leve a análise ao plenário físico.

 

Antunes está preso desde 12 de setembro, alvo da Operação Sem Desconto, da Polícia Federal, que apura um esquema de fraudes em aposentadorias e pensões do INSS. Ele é apontado como operador central do desvio de recursos de associações de aposentados e pensionistas, por meio de dezenas de empresas ligadas ao seu nome. Segundo a PF, pessoas físicas e jurídicas relacionadas a ele movimentaram mais de R$ 50 milhões e repassaram valores a servidores da autarquia.

 

Na CPI do INSS, no Congresso, Antunes negou envolvimento em irregularidades, afirmou que é “empreendedor nato” e classificou sua prisão como “fundamentada em mentiras”. Investigadores, porém, destacaram indícios de risco de fuga: além de viagens frequentes ao exterior, ele teria adquirido um imóvel nos Estados Unidos pouco antes da operação. Relatórios anexados ao inquérito também mencionam veículos de luxo e movimentações financeiras em paraíso fiscal.

 

Maurício Camisotti, por sua vez, é investigado como beneficiário direto das fraudes e apontado como sócio oculto de entidades ligadas às associações que promoveram os descontos indevidos. A Polícia Federal sustenta que tanto ele quanto Antunes tinham papel essencial no funcionamento do esquema, razão pela qual defendeu a manutenção da prisão preventiva de ambos.

Fachin assume STF com defesa de autocontenção e tenta baixar tensão política

Ana Pomp eu/ Cézar Feitoza
José Matheus Santos / FOLHA DE SP

 

Brasília

Edson Fachin assume a presidência do STF (Supremo Tribunal Federal) nesta segunda-feira (29) indicando como uma das prioridades para a gestão distensionar as relações políticas em torno da corte e arrefecer os questionamentos sobre a atuação do tribunal.

A ideia da autocontenção do Judiciário tem sido um mantra repetido pelo ministro nos últimos meses, quando a corte esteve em embates com o Congresso Nacional, setores da advocacia e aliados de Jair Bolsonaro (PL) em meio ao julgamento da trama golpista.

Ao completar dez anos no cargo, em junho, Fachin usou uma frase já conhecida dele: "Ao direito o que é do direito, à política o que é da política". "Nós, juízas e juízes, servidoras e servidores, não podemos agir fora da razão jurídica objetiva nem sermos vistos como satélite da polarização que hoje assola o mundo."

Antes disso, ele usou a mesma expressão ao representar o atual presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, em solenidade no Palácio do Planalto em 8 de janeiro de 2025.

 

Na ocasião, também ressaltou a importância da corte para a defesa da democracia, que ele já disse ter ficado sob ataque e ameaça no governo Bolsonaro, mas acrescentou que o tribunal deve se manter fiel à proteção da legalidade e consciente "de que o nosso papel não é o de protagonista".

O estilo discreto de Fachin é semelhante ao de Rosa Weber, que presidiu o tribunal por pouco mais de um ano, entre 2022 e 2023. O ministro não tem o hábito de conversar com jornalistas, concede poucas entrevistas à imprensa e costuma preferir manifestações nos autos processuais.

Um exemplo da discrição de Fachin é a recusa das ofertas de associações do meio jurídico para bancar uma festa em homenagem à posse dele, na noite de segunda. Avesso a extravagâncias, ele decidiu servir apenas água e café na solenidade.

Em agosto, na Fundação Fernando Henrique Cardoso, Fachin fez um discurso dizendo que "cabe à política lidar com valores e ideologias em disputa" e que "o direito deve resistir à tentação de preferir uma delas".

Segundo ele, os plenários da corte são apenas uma parte da esfera pública, mas o jogo da democracia se canaliza para o Congresso.

Embora receba ataques bolsonaristas e tenha sido um dos alvos de suspensões de vistos impostas por Donald Trump, Fachin tem insistido na defesa de um Supremo que não substitua a arena política para não corroer a legitimidade do sistema.

Na conferência, ele ressaltou a preocupação com grupos minoritários, ainda subrepresentados. Neste ponto, Fachin disse ser papel do tribunal abrir caminhos para a inclusão e evitar a cristalização de privilégios.

Por fim, o ministro também afirmou entender que há um quarto ramo informal na divisão de Poderes, que inclui Ministério Público, Tribunais de Contas, Controladoria-Geral da União, Conselho Nacional de Justiça e mesmo agências reguladoras.

"A complexidade da sociedade brasileira –marcada por desigualdade, diversidade regional e pluralismo social– exige uma democracia em rede, na qual o STF não decide sozinho, mas se ancora em uma malha de instituições fiscalizadoras e deliberativas."

Nos bastidores, assessores e advogados que frequentam o tribunal têm percebido sinalizações inclusive para os anseios da oposição. Um dos exemplos foi o voto do ministro no caso que fixou a responsabilidade de plataformas digitais por conteúdos de terceiros, no processo do Marco Civil da Internet.

Fachin acompanhou a divergência aberta por André Mendonça. Os dois e Kassio Nunes Marques ficaram vencidos em um julgamento carregado de mensagens contra as big techs e em defesa da democracia. A corrente minoritária deu primazia à proteção da liberdade de expressão e ao receio do risco de censura, temas muito acionados pela direita atualmente.

Apesar de ter chegado ao Supremo depois de uma carreira na advocacia e na docência, Fachin é tido como um perfil de juiz puro sangue, pela postura institucional.

Segundo relatos, o ministro começou a pensar a sua gestão à frente do Judiciário aos poucos, conversando com pessoas que quer perto de si tanto na corte quanto no CNJ, como assessores ou juízes auxiliares, e fazendo convites a elas apenas a partir do segundo semestre, como uma deferência ao antecessor.

Nem Barroso nem Fachin são apontados como bons articuladores políticos. O papel é exercido no Supremo pelo decano Gilmar Mendes e pelo ministro Alexandre de Moraes, dois dos protagonistas do cenário político dos últimos anos.

Internamente, o novo presidente quer aumentar o diálogo entre os ministros. Ele pretende, por exemplo, estabelecer uma rotina de almoços entre os 11 magistrados para facilitar a construção de consensos para os julgamentos, especialmente em casos de destaque ou os chamados processos estruturais.

Outro plano é dar mais previsibilidade à pauta de julgamentos. Na gestão do ministro Dias Toffoli, o Supremo passou a divulgar a previsão semestral de casos levados ao plenário. A prática foi abandonada aos poucos, diante da dificuldade de prever a duração de cada análise, pedidos de vista ou a chegada de processos urgentes que atravessam o calendário.

Gaúcho de Rondinha (RS), Edson Fachin cursou direito na UFPR (Universidade Federal do Paraná), onde também é professor titular de direito civil. Ele também fez carreira no estado, como advogado nas áreas de direito civil, agrário e imobiliário e procurador do Estado.

Fachin foi indicado ao Supremo por Dilma Rousseff (PT) em abril de 2015, para a vaga deixada por Joaquim Barbosa um ano antes. Com o ambiente político tensionado, a então presidente decidiu deixar a indicação para o início do segundo mandato.

A indicação encontrou dificuldades porque, à época, foram resgatados vídeos de Fachin pedindo votos para Dilma na eleição de 2010. A resistência entre senadores de oposição foi atenuada após intervenções do então senador Álvaro Dias, filiado na ocasião ao PSDB, principal partido de oposição no período.

Álvaro, que é do Paraná, atuou junto a opositores de Dilma em prol de Fachin. Um mês após ser indicado, ele foi aprovado por 52 votos a 27.

Fachin foi o último nome de Dilma para o STF. Em tese, ela teria mais duas indicações, mas a aprovação da PEC da Bengala no Congresso postergou as aposentadorias de Marco Aurélio Mello e de Celso de Mello por cinco anos.

EDSON FACHIN AGORA PRESIDENTE DO STF

Alguém tem vergonha na cara

Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP

 

 

Se Diógenes estivesse por aqui com sua lanterna, em sua busca vã por um homem com vergonha na cara, talvez o tivesse finalmente encontrado. Neste país em que levar vantagem ganhou até uma lei, a de Gérson, eis que alguém resolveu recusar um indecente privilégio a que tinha direito, porque, ora vejam, atenta escandalosamente contra princípios elementares da boa moral. Como não é todo dia que isso acontece, como bem sabe o velho Diógenes, o caso tornou-se digno desta nota.

 

Como noticiou o Estadão, o promotor de Justiça aposentado Jairo de Luca, inconformado com a decisão do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) de engordar seu contracheque em R$ 1,3 milhão em razão de um penduricalho chamado de “compensação por assunção de acervo”, não só recusou o benefício, como ainda ajuizou uma ação popular no Supremo Tribunal Federal (STF) para acabar com essa farra.

 

A tal “compensação por assunção de acervo” significa um dia de folga a cada três dias trabalhados sob a alegação de um suposto excesso de serviço, limitando o período de descanso a dez dias por mês, que pode ser convertido em dinheiro. Pela via administrativa, dá-se um aumento de até um terço do salário, estourando, não raro, o maltratado teto constitucional de R$ 46,3 mil. No caso do MP-SP, o pagamento retroativo foi autorizado em fevereiro deste ano.

 

De Luca soube que receberia essa verba, mas não tinha nem ideia do valor que lhe era devido. Ele então questionou o MP-SP, descobriu que a bolada retroativa era referente ao período de 2015 a 2023 e optou por declinar.

 

Na ação popular sob relatoria do ministro Edson Fachin, o promotor aposentado ataca uma resolução e uma recomendação do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que, editadas pelo então procurador-geral da República, Augusto Aras, abriram brechas para os pagamentos milionários. Ele pede que o STF as declare nulas. Primeiramente porque esses pagamentos se dão ao arrepio da lei – ou seja, trata-se de uma flagrante ilegalidade, haja vista que não foram criados pela via legislativa. Não caberia a um órgão administrativo instituir benefícios.

 

De Luca mostrou que o CNMP afirmou ter se baseado nas Leis 13.093 e 13.095 para criar o penduricalho ao mesmo tempo em que as afrontou. Essas legislações foram aprovadas em 2015, o ano ao qual o MP-SP retrocedeu a benesse, para beneficiar juízes federais e do Trabalho com uma gratificação de natureza remuneratória. Portanto, sujeita ao abate-teto e ao Imposto de Renda. Mas os normativos do CNMP criaram indenizações que furam o teto e não pagam tributos.

 

Para piorar, esse penduricalho pode ser pago até mesmo para o promotor que acumula (ou atrasa) serviço em seu próprio gabinete, e não apenas no caso de ter recebido temporariamente o acervo de um colega ou ter executado uma outra função. Como esses penduricalhos se espalham em efeito cascata em razão de uma tal simetria entre as carreiras do MP e da magistratura, De Luca escreveu, com razão, que “não se consegue vislumbrar embasamento legal” para que promotores, procuradores e juízes recebam a mais para realizarem “tarefas intrínsecas aos próprios e respectivos cargos”.

 

A recente profusão de verbas indenizatórias a essa elite do funcionalismo público causa espanto. Há casos de contracheques que chegam a R$ 700 mil por mês na folha de pagamentos desses órgãos.

 

Especializada em pesquisas sobre o sistema de Justiça, a plataforma Justa mostrou, em estudo recente, que houve um crescimento de 48% em média nos contracheques do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) neste ano em relação a 2023. Com 87% dos magistrados com salários acima do teto, a Corte já consumiu 84% dos R$ 11,9 bilhões previstos para despesas com pessoal em apenas oito meses. Não surpreenderá ninguém se o Judiciário ou o MP-SP passarem o pires pedindo mais dinheiro ao Executivo.

 

Diante desse cenário, oxalá o STF tome uma decisão moralizadora. Se nada mudar, talvez esteja na hora de mudar o orçamento do Judiciário e do MP, a começar por lhes cortar verbas, pois, com tanto pagamento sem merecimento e acima do teto, é evidente que tem sobrado dinheiro. Quem sabe assim todos tomem vergonha na cara.

 

MAÕS NA CARA VERGONHA NA CARA

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