PF encontra garimpo ilegal no Amazonas e resgata 70 trabalhadores
Catarina Scortecci / FOLHA DE SP
Uma operação da Polícia Federal localizou um garimpo ilegal na cidade de Maués, no sul do Amazonas, nesta segunda-feira (29). De acordo com a investigação, a estrutura é uma das mais lucrativas de toda a América Latina, com produção diária superior a 6 kg de ouro.
No local, agentes da PF também resgataram mais de 70 garimpeiros trabalhando em condições degradantes e equiparadas à escravidão.
Os trabalhadores resgatados, de acordo com a Polícia Federal, estavam sem qualquer equipamento de proteção individual e o garimpo era realizado na modalidade de poço, de forma subterrânea. Também foi identificada a prática de servidão por dívida.
A operação —batizada de Operação Mineração Obscura— faz parte de uma investigação realizada pela PF em conjunto com o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério Público do Trabalho.
Iniciada na sexta-feira (26), a ação continua até 3 de maio, quando será divulgado um balanço da operação na região.
Segundo a PF, os donos do garimpo ilegal "serão responsabilizados perante a lei, enquanto medidas serão tomadas para garantir o resgate e a assistência adequada aos trabalhadores encontrados em situação de vulnerabilidade".
A PF não divulgou informações sobre quem são os responsáveis pelo garimpo e se já há denúncias formais na Justiça Federal contra eles
Integrantes do Congresso e do Judiciário defendem absolvição de Jorge Seif como gesto do TSE
Integrantes do Judiciário e parte da cúpula do Congresso defendem que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) absolva o senador bolsonarista Jorge Seif (PL-SC), que enfrenta na corte um processo que pode levá-lo à cassação de seu mandato.
O julgamento do caso deve ser retomado na noite desta terça-feira (30). Segundo pessoas próximas a ministros do TSE, há discussões em curso para que o presidente do tribunal, Alexandre de Moraes, trate o caso como uma forma de distensionar a relação entre o Judiciário e o Legislativo.
A movimentação engloba aliados de Jair Bolsonaro (PL) e parlamentares não alinhados ao ex-presidente, especialmente no Senado.
Esses políticos entendem que a cassação de um senador seria uma medida traumática, que pode levar a ainda mais atritos com o Congresso e com apoiadores de Bolsonaro.
Na avaliação de integrantes do Judiciário, o caso não seria robusto o suficiente para levar a uma perda de mandato. Portanto, a absolvição seria um desfecho razoável, somado aos argumentos por um gesto de pacificação no ambiente político.
Mesmo aliados de Moraes reforçam essa leitura ao lembrar que o TSE também julgará a cassação do mandato do senador Sergio Moro (União Brasil-PR).
Neste caso, eles julgam haver mais elementos para punir o ex-juiz. O tribunal deveria, portanto, fazer um cálculo político sobre o peso de cassar em sequência dois parlamentares eleitos por voto majoritário.
Para observadores do processo, Moraes deu sinais de que estaria em dúvida a respeito da cassação de Seif. Um dos elementos citados é o fato de o julgamento ter sido adiado há duas semanas.
Na ocasião, Moraes afirmou que o relator do caso, ministro Floriano de Azevedo Marques, não pôde comparecer ao julgamento por motivo de doença na família.
Ainda assim, nos bastidores, pessoas interessadas no caso viram no adiamento um acontecimento combinado, já que Floriano é considerado uma pessoa próxima de Moraes. Ele chegou ao TSE por indicação do presidente da corte.
A ação que começará a ser julgada nesta terça pede a cassação e também a inelegibilidade de Seif.
A ação contra Seif foi movida pela coligação composta pelos partidos Patriota, PSD e União Brasil. A acusação envolve três ilícitos eleitorais e aponta o favorecimento indevido do então candidato ao Senado em 2022.
Além dele, são acusados os dois suplentes da chapa, Hermes Artur Klann e Adrian Rogers Censi, e os empresários Luciano Hang, dono das lojas Havan, e Almir Manoel Atanázio dos Santos, presidente do Sindicato Calçadista de São João Batista (a 70 km de Florianópolis).
As legendas dizem ter havido a doação irregular de um helicóptero para deslocamento do então candidato, o uso da estrutura física e pessoal da Havan para promoção da campanha e o financiamento de propaganda eleitoral por entidade sindical.
O vice-procurador-geral eleitoral, Alexandre Espinosa Bravo Barbosa, defendeu a cassação da chapa eleita, a declaração de inelegibilidade de Seif e Hang e a aplicação contra eles da multa máxima prevista em lei. Ao presidente do sindicato, o representante do Ministério Público se manifestou apenas pela aplicação da multa máxima.
O caso chegou ao TSE após o TRE (Tribunal Regional Eleitoral) de Santa Catarina ter rejeitado a ação, em novembro passado, por unanimidade.
Desembargador derruba decisão de juíza que mandou prender jornalista em PE
José Matheus Santos / FOLHA DE SP
O desembargador Isaías Andrade Lins Neto, do Tribunal de Justiça de Pernambuco, derrubou decisão de uma juíza da primeira instância que havia determinado a prisão do jornalista Ricardo Antunes.
A decisão do desembargador foi proferida na noite desta segunda-feira (29), três dias após medida da juíza Andreia Caiado da Cruz, da 11ª Vara Criminal, contra o jornalista, que é responsável por um blog e atua de forma independente.
A juíza mandou prender Ricardo Antunes por descumprimento de ordem para retirar do ar publicações contra promotor do Ministério Público do estado. Processado por injúria e difamação, o jornalista está na Espanha, onde passa férias.
Na decisão de segunda (29), o desembargador disse que não havia elementos suficientes para comprovar a necessidade de prisão.
"A conduta do paciente [Ricardo Antunes], que peticionou nos autos, pouco antes do horário marcado para a continuação da audiência de instrução, informando que não compareceria devido a estar em viagem, não resultou em prejuízo efetivo para a condução do processo. Tanto que o ato processual foi realizado sem a sua presença", escreveu o magistrado.
"Ou seja, embora devidamente intimado, a ausência injustificada do réu, na audiência, no máximo retirou-lhe a oportunidade de promover a sua autodefesa perante o magistrado processante, mas não pode ser justificativa para a decretação da prisão preventiva", acrescentou o desembargador, rebatendo um dos argumentos usados pela juíza para decretar a prisão: o não comparecimento de Antunes a uma audiência por estar no exterior.
No fim de semana, a defesa afirmou que o jornalista é vítima de censura e questionou a legalidade da ação da juíza.
"A exclusão de publicação de matéria jornalística representa censura absolutamente proibida pela Constituição", dizia nota publicada em seu blog, que saiu do ar na segunda. "A prisão preventiva, assim como a exclusão de matéria jornalística, são inconstitucionais, ilegais e merecem ser revogadas."
O site continua fora do ar nesta terça (30). A expectativa é que volte a funcionar após os trâmites de notificação da decisão do desembargador. No Instagram, o jornalista compartilhou publicação sobre a concessão do habeas corpus e disse: "ganhamos, gente". Ele também afirmou, em vídeo sobre outro assunto, que obteve uma "vitória parcial" na Justiça.
Apesar de revogar a prisão, o desembargador determinou medidas cautelares a Antunes, como comparecimento mensal no juízo processante para informar e justificar atividades, proibição de manter contato com a vítima, bem como citar seu nome em quaisquer veículos de comunicação ou redes sociais por circunstâncias relacionadas ao fato, e proibição de ausentar-se de Pernambuco por mais de sete dias sem autorização.
Também foi estabelecido que Antunes deve comparecer à Justiça em até 15 dias após retorno de Madri, sob pena de nova custódia.
O alvo da ação são reportagens sobre a aquisição de terreno na ilha de Fernando de Noronha pelo promotor Flávio Falcão, a primeira delas publicada no dia 24 de novembro de 2021. A Justiça havia determinado a retirada de qualquer menção ao caso do site e das redes sociais do jornalista.
Na sexta-feira (26), a juíza diz que foram encontradas referências ao caso em um story do Instagram e na conta de YouTube do jornalista. A defesa de Antunes disse que cumpriu a determinação, retirando todo o histórico de reportagens das redes sociais.
Ainda conforme a juíza, ao realizar busca no Google com o nome do promotor, é possível encontrar links sobre a denúncia envolvendo o Ministério Público, incluindo vídeo com a descrição "Imagens revelam relação promíscua entre juiz, promotor e empresários de Noronha".
A juíza decidiu decretar a prisão preventiva de Antunes, agora revogada, alegando que "o acusado possui histórico de ofensas à lei penal, e, em liberdade, encontraria os mesmos estímulos relacionados com a infração cometida".
"Apesar dos delitos descritos na denúncia serem classificados como de menor potencial ofensivo, o somatório das penas, abstratamente consideradas, nos moldes da capitulação ofertada, ultrapassa 4 (quatro) anos, não havendo óbice para o prolação da custódia preventiva", reforçou.
Na nota publicada em seu blog, o jornalista diz que "as decisões proferidas nos autos foram efetivamente cumpridas" e que o fato de não haver comparecido à audiência não era motivo para a prisão.
A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) expressou preocupação com a decisão judicial em nota divulgada no domingo (28). Afirmou que o uso do sistema criminal por um promotor de Justiça implica em desequilíbrio de forças contra o jornalista.
Depois da festa do submarino de Janja, Macron e Lula, Marinha perde verba e 200 são demitidos
Por Marcelo Godoy / o estadão de sp
Fazer festa todo mundo gosta. Lula, Janja e Macron participaram de uma dessas no dia 27 de março, quando a primeira-dama, acompanhada pelo comandante da Marinha, almirante Marcos Sampaio Olsen, subiu uma escadaria com um espumante na mão e quebrou a garrafa no casco do S-42, o submarino Tonelero, em Itaguaí, no Rio. A cerimônia foi bonita. Teve discurso de Lula: “Nesse estaleiro de Itaguaí vislumbramos a imensidão do espaço marítimo brasileiro”. Tudo ia bem. Até a hora de pagar a conta.
Um dia depois do encontro entre os presidentes da França, Emmanuel Macron, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, no lançamento do Tonelero, a Força Naval teve bloqueados 83% dos recursos destinados justamente ao Prosub, o programa estratégico de desenvolvimento de submarinos da Marinha. Ele prevê a construção de quatro embarcações convencionais da classe Scorpène, produzidos em parceria com a França, em Itaguaí. E também a edificação ali da base naval que abrigará o grupo, inclusive uma quinta embarcação, a futura joia da coroa, o Álvaro Alberto, primeiro submarino a propulsão nuclear do País.
Como resultado dos atrasos e cortes e bloqueios de verba do programa, a Itaguaí Construções Navais (ICN) se adaptou à realidade orçamentária e anunciou, rapidamente, em abril, a demissão de 200 trabalhadores engajados na construção dos submarinos. Parte desses homens e mulheres assistiu à festança de Lula, Janja e Macron. “Eu te batizo, submarino Tonelero. Que Deus abençoe esse submarino e todos os marinheiros que aqui navegarem”, disse a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, ao quebrar a garrafa no casco, na cerimônia do dia 27.
Procurada pela coluna, a Marinha lamentou as demissões na ICN. “Especialmente considerando tratar-se de trabalhadores qualificados no âmbito do Prosub. A redução da mão de obra qualificada do estaleiro construtor traz impacto nos prazos e custos dos submarinos convencionais em construção, bem como na construção do primeiro submarino nuclear convencionalmente armado do Brasil.” A coluna apurou que outros 400 funcionários podem perder o emprego em Itaguaí no segundo semestre se a conta do Prosub não for paga pelo governo. E que conta é essa?
A conta do Prosub e os cálculos da Defesa e do governo
Para entendê-la não bastam os dados só do Prosub, mas de toda a Pasta da Defesa diante da necessidade de o governo fazer os ajustes determinados pelos ministérios do Planejamento e da Fazenda. A dotação orçamentária da Marinha para 2024, considerando-se o programado apenas para o custeio e para os investimentos – não entram nessa conta o dinheiro das emendas parlamentares que a Força poderá receber, cerca de R$ 190 milhões – é de R$ 3,1 bilhões ou 27% do destinado ao Ministério da Defesa (MD).
Desse total, R$ 1,01 bilhão estava reservado para o custeio e R$ 2,08 bilhões para investimentos da Força Naval, cujo orçamento total atualizado, segundo o Portal da Transparência, é de R$ 32 bilhões, dos quais R$ 7,77 bilhões comprometidos com aposentadorias e pensões. Os dados mostram que dos R$ 3,1 bilhões programados para custeio e investimentos, a Força teve uma redução de R$ 466,8 milhões (13,1%). Foram R$ 168,9 milhões de recursos de custeio (14,2%), aquele que paga, por exemplo, as contas de água e de luz, e R$ 297,9 milhões reservados para investimento (12,5%).
Parte dessa perda aconteceu em dois cortes. O primeiro ocorreu em março. Ele foi de R$ 168 milhões e atingiu todos os setores da Marinha. O almirantado chegou ao ponto de trabalhar com um cenário de paralisação das atividades da Força em setembro. Logo depois, veio a decisão da Junta de Execução Orçamentária (JEO) do governo de bloquear R$ 446 milhões das despesas discricionárias do Ministério da Defesa. Este, por sua vez, definiu que quase metade desse valor seria absorvido pela Marinha, que entrou com R$ 199,9 milhões para “pagar a conta”, cujo impacto será totalmente absorvido pelo Prosub.
A JEO é um colegiado que reúne quatro ministérios – Fazenda, Planejamento, Gestão e Inovação e Casa Civil. Ele toma suas decisões a partir de informações recebidas dos ministérios em razão das projeções feitas pela Secretaria de Política Econômica, da Fazenda. Um detalhe: o decreto com o bloqueio dos recursos, assinado por Lula e pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento), foi publicado no dia 28 de março. Ou seja, enquanto Janja banhava o Tonelero com espumante no dia 27, a JEO tirava a escada debaixo dos pés do governo para futuras festanças em Itaguaí.
Em 10 de abril, a Marinha fez uma reunião extraordinária de seu Conselho Financeiro e Administrativo, que inclui os membros do almirantado, para discutir as consequências do bloqueio de recursos. Antes mesmo de ele ocorrer, a Força já defendia a necessidade de verbas suplementares de R$ 780 milhões para o Prosub. Além da Marinha, o Naval Group, um dos sócios da ICN, temia desde 2023 novos cortes e atrasos.
O governo francês enviou em setembro passado a Brasília o chefe do Estado-Maior de suas Forças Armadas, o brigadeiro Fabien Mandon, para se reunir com o almirante Petrônio Augusto Siqueira de Aguiar, então responsável pela Diretoria-Geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha (DGDNTM), que cuida do submarino nuclear, a terceira fase do Prosub, cujo contrato pode chegar a R$ 25 bilhões. O atraso desse projeto é apenas uma parte dos prejuízos vislumbrados pelo almirantado e por seus parceiros.
Caso permaneça o cenário atual, o almirantado teme que o Naval Group interrompa o fornecimento de material para a construção do último submarino convencional previsto pelo programa (Angostura). Além disso, arrisca-se o atraso na construção da infraestrutura de apoio ao submarino nuclear, o Complexo de Manutenção Especializada. Pelos cálculos aos quais a coluna teve acesso, cada ano de atraso na edificação do complexo naval de Itaguaí representaria um gasto extra de R$ 150 milhões com manutenção das instalações, apoio operacional e plano básico ambiental.
Na semana passada, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro Filho, esteve na base de Aramar, no interior paulista, visitando as instalações onde está sendo contruído o reator do futuro submarino nuclear. Ele tem esperança de que na próxima reunião da JEO, em maio, os bloqueios sejam revistos. Por enquanto, o Prosub já consumiu R$ 50 bilhões em 15 anos – quase uma Itaipu. Para o almirantado, sua inviabilização resultaria em perda não só de recursos, mas em um desastre para o desenvolvimento tecnológico do País.
A palavra do comandante da Marinha e a do Planejamento
Procurado pelo coluna, o almirante Olsen afirmou na sexta-feira: “A imprevisibilidade orçamentária impacta na capacidade de resposta que a Base Industrial de Defesa (BID) precisa ter frente aos desafios de programas estratégicos como o Prosub, que são implementados a longo prazo e envolvem tecnologias na fronteira do conhecimento. Essa imprevisibilidade gera prejuízos de ordem econômica e para o planejamento da Força Naval”. Olsen destacou que o atraso significativo nas entregas dos programas estratégicos pode fazer com que os meios, planejados com itens no estado da arte, sejam entregues com certo grau de obsolescência.
As outras consequências para o programa, de acordo com o almirante, são: “a evasão da mão de obra qualificada, o que afeta diretamente a execução dos programas estratégicos, por se tratar de pessoal especializado pouco disponível no mercado, e a necessidade de renegociação dos compromissos assumidos, o que onera os custos finais dos contratos”. Olsen lembrou que, apenas no Prosub, “são gerados 63 mil empregos – o programa conta ainda com a participação de 700 empresas nacionais e de 23 universidades”.
Enquanto a Marinha lamentava as demissões, o Ministério do Planejamento informava que o bloqueio de R$ 2,9 bilhões de despesas discricionárias feito pela JEO ocorreu porque a previsão, em março, para as despesas obrigatórias do governo ultrapassara o seu limite anual. “Não foi anunciado contingenciamento, pois a meta de resultado primário para o ano não estava em risco.” A Pasta informou ainda que “bloqueios sempre podem ser revistos, a depender da evolução das projeções para a despesa no próximo relatório”.Mas não existe, por enquanto, nenhuma previsão de revisão dos bloqueios. O Planejamento informou também que as decisões de bloqueio são sempre tomadas em nível global, por ministério. “Determinado o valor geral a ser bloqueado por ministério, cabe a cada um deles decidir onde exatamente dentro deles serão efetuados esses bloqueios. A JEO não tem interferência nessa decisão. E, inclusive, os ministérios depois podem trocar esses ‘lugares’ específicos dentro deles onde serão feitos os bloqueios.”
Ou seja, a briga em torno do Prosub pode se transferir de lugar na Esplanada, deixando a JEO para entrar nos escaninhos da Defesa. Enquanto isso, no quartel-general do Exército, o Estado-Maior da Força procurava se virar com a nova realidade, vista pelos generais como a do “pior orçamento da década”. Os bloqueios na Força Terrestre não devem, no entanto, interromper nenhum de seus projetos estratégicos, nem mesmo o fornecimento de comida aos recrutas nos quartéis, pois ele agora é um gasto obrigatório.
Os generais tiveram R$ 180 milhões bloqueados, o que resultou em um corte linear de 20% de todos os projetos que não estão incluídos no novo PAC. O cobertor é curto no governo. Mesmo assim, a Força Terrestre espera que o MD tenha sucesso em obter a maior parte dos R$ 2,8 bilhões extras que o ministério pleiteia, R$ 880 milhões dos quais para o Exército. E, assim, a disputa pelo dinheiro ameaça apressar as discussões sobre a reorganização e as prioridades de investimento das Forças.
Há uma luta interna na Defesa. Força Aérea e Marinha se ressentem dos efeitos do governo Bolsonaro, que aumentou a parcela de investimentos destinados ao Exército. Eis outra razão para todos pressionarem o Congresso pela aprovação da PEC, que garante às Forças uma parcela do orçamento equivalente a 2% do PIB. Em jogo, não estão só as concepções de defesa, mas também o prestígio das instituições, o desenvolvimento de tecnologias sensíveis para o País e o discurso – e a discricionaridade – do governo.
China, Estados Unidos e outras potências extrarregionais intensificaram sua presença no Atlântico Sul, o que aumenta a necessidade do Brasil de dissuasão. Ao norte, a ameaça vem da Venezuela, que ensaia tomar Essequibo da Guiana. Há muito o mundo militar se ressente da falta de interesse do País nos temas da Defesa, como se a caserna fosse capaz de despertar a atenção apenas das vivandeiras e pelos maus motivos.
No dia da festança em Itaguaí, Lula disse em seu discurso: “Noventa e cinco por cento do comércio exterior brasileiro transita pelo Atlântico Sul. Da Amazônia azul retiramos 85% do petróleo e 45% do pescado produzido no País. Nós temos de nos preocupar com a nossa defesa, não porque nós queremos guerra. A defesa é para quem quer paz, porque um país do tamanho do Brasil precisa ter Forças Armadas altamente qualificadas e altamente preparadas a ponto de dar reposta, de garantir a paz”.
Falta à Janja um script; só o casamento com Lula já não lhe permite tanta intromissão no governo
Por Monica Gugliano / o estadão de sp
Tive um Cocker Spaniel, Elvis. Na prática, Elvis era de Paula, minha filha. Mas eu cuidava dele, era sua “avó”. Éramos inseparáveis. Quando ele morreu, fiquei arrasada e até hoje sinto saudades dele. Entendo a dor do tutor do Joca e a comoção que causou. Mas a movimentação pela morte do Golden retriever me levou a refletir sobre outro tema: as ações da primeira-dama, Janja Lula da Silva. Enquanto o País se comovia com a tragédia de Joca, Janja, como se diz coloquialmente, “chamou na chincha” o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho. Tirou foto com ele no Palácio do Planalto, anunciou que estava cobrando explicações sobre o caso, pedindo providências e publicou tudo em suas redes sociais.
Logo depois, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apareceu, em outro evento, anunciando que estava usando uma gravata com estampas de cachorrinhos, em homenagem a Joca. Assim como Janja também exigiu que a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) desse explicações sobre a cruel morte do animalzinho no porão de carga de um avião da Gol.
Na semana passada, na quarta-feira, Janja foi recebida por mais de duas horas pelo ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira. Segundo relatos, a reunião foi para intensificar “medidas para combater a pobreza energética e o fortalecimento de políticas que ampliem a participação das mulheres no setor de energia”. Teria havido conversas sobre a transição energética e a construção de acordos para o Brasil ajudar outros países no combate à pobreza energética.
Há pouco tempo, ela foi uma das protagonistas de uma disputa por poder na Secom (Secretaria da Comunicação Social da presidência da República). E, ao que se sabe, não sai campanha, mensagem ou bilhete de lá sem que ela concorde. Até os postes da Esplanada dos Ministérios sabem que a autonomia da primeira-dama perpassa o poder dos ministros de qualquer área. Em pouco mais do que um ano de governo, volta e meia aparece algum entrevero em que ela está envolvida.
Em uma de suas primeiras entrevistas, Janja afirmou que “ressignificaria” o cargo de primeira-dama. Naquele momento não entendi muito bem o que ela queria dizer. Conheci e ouvi falar sobre várias mulheres na mesma posição que Janja está agora. Cada uma à sua maneira e do seu jeito dava ao cargo o “significado” da própria vocação. Para não irmos muito longe, vamos ficar com Jill Biden, primeira-dama dos Estados Unidos, que é uma discreta professora e continua dando aulas.
Nossa primeira-dama, pelo contrário e segundo o que se comenta à boca pequena no Governo, gosta de exercer o poder em sua plenitude. Tem uma sala ao lado do gabinete do marido, o presidente da República, participa das reuniões ministeriais, de todos os eventos, de todas as viagens, chama ministros para discutir temas que, naquele momento, lhe interessam. Esta semana, parece que está envolvida com o G-20 Social.
Janja, segundo ela mesma declarou em entrevista na BBC há mais ou menos 15 dias, disse que ‘estava na mesma hierarquia do presidente da República”. Não sei se ela esqueceu que Lula teve mais de 50 milhões de votos e, mais importante, responde ao Diário Oficial e a todos os órgãos de controle do governo. Ela ficou chocada porque no século 21 as pessoas ainda discutiam sobre o que uma primeira-dama poderia fazer, disse ela à BBC. “[Lula] me dá total autonomia para que eu possa fazer o que faço. Essa linha de hierarquia não existe entre mim e meu marido”. Legal, mas imagine se o restante do governo funcionasse assim. Ministros não se dariam ao trabalho de explicar a Lula o que estão fazendo e tampouco seriam cobrados pelo que fazem. Não haveria hierarquia e cada um faria o que quisesse.
Estaria partida a linha de autoridade que põe mais ou menos da seguinte forma o presidente da República, o vice, e o ministro chefe da Casa Civil. Janja, porém acredita que seu papel é o de articuladora que fala de políticas públicas. Entretanto, se ela não foi eleita, quem lhe deu o mandato de “articuladora de políticas públicas”? Onde está sua agenda com esses compromissos para essas articulações?
Janja deveria urgentemente tomar umas aulas e se espelhar na discrição de outra mulher empoderada no governo. É Miriam Belchior, secretaria executiva da Casa Civil, administradora experiente (foi ministra do Planejamento, e ex-presidente da Caixa e passou por outros cargos) e que é responsável, ela sim, por coordenar todas as políticas públicas do governo. Seria produtivo para Janja e sobretudo para o país que ficaria livre das ideias de uma primeira-dama sem cargo oficial e sem um script para seguir.
Opinião por Monica Gugliano
É repórter de Política do Estadão. Escreve às terças-feiras
A esperteza come o dono
Dora Kramer / Jornalista e comentarista de política / FOLHA DE SP
A reação do Congresso à ação do governo junto ao Supremo Tribunal Federal para suspender a cobrança de impostos de empresas e prefeituras era uma fava perfeitamente contada. Assim como era certo que o gesto reacenderia o fogo do atrito entre Planalto e Parlamento com o STF no meio da refrega.
Não há no horizonte indicativo consistente sobre a chance de um acordo, porque no caso da desoneração das folhas de pagamento não existe espaço para um meio-termo. O Executivo quer o dinheiro dos tributos (mais de R$ 15 bilhões), e o Legislativo por três vezes deixou patente a disposição de manter as isenções.
O jogo entre governo e Supremo pareceu combinado: liminar concedida por ministro amigo, cinco votos a favor no plenário virtual e um pedido de vista no limiar da formação de maioria como se fosse para dar margem a um entendimento com o governo em posição de força pelo sinal de respaldo do tribunal.
Como manobra, denota esperteza. Argúcia tampouco falta nas Casas aonde ninguém chega por ser bobo. Daí a imediata manifestação do senador Rodrigo Pacheco considerando "catastrófica" a atitude do governo, por óbvio recebida como um gesto de hostilidade numa hora em que se desenhava uma trégua.
No início da semana meio morta pelo feriado, o ministério da Fazenda começa a falar na busca de um acordo para compensar de alguma forma as prefeituras.
Pode até dar certo, mas o enrosco é com deputados e senadores que defendem mais que os interesses dos 17 setores privados contemplados com a desoneração. Reagem ao persistente confronto a decisões tomadas pelo Congresso.
São eles, e não os prefeitos, que têm os instrumentos para dar uma prometida "resposta política" em forma de votos. Ainda que o Executivo tenha confirmada sua vitória no Judiciário no caso específico, o Legislativo detém o poder de dar o troco nestes tempos em que a correlação de forças entre os dois Poderes se inverteu.