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Governadores de direita articulam para Senado acabar com ‘saidinha’ de presos ou restringi-la

Por Pedro Augusto Figueiredo e Monica Gugliano / O ESTADÃO DE SP

 

Governadores de direita prometem pressionar o Senado a aprovar, na volta do recesso, em fevereiro, o projeto de lei que acaba com a saída temporária de presos, instrumento conhecido popularmente como “saidinha” e que tem gerado debate principalmente quando a liberação ocorre para visitas às famílias durante feriados e datas comemorativas.

 

O movimento já havia sido acordado em outubro durante a reunião do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud) realizada em São Paulo, mas voltou a ser tratado como prioridade após um preso liberado para voltar para casa para as festas de fim de ano assassinar um sargento da Polícia Militar de Minas Gerais.

 

Participam da articulação política os governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Romeu Zema (Novo-MG) e Ronaldo Caiado (União-GO). Em tramitação desde 2013, o projeto inicialmente apenas limitava as saídas temporárias, mas foi alterado pelo relator na Câmara dos Deputados, Guilherme Derrite (PL-SP), atual secretário de Segurança Pública de São Paulo.

 

O texto foi aprovado em agosto de 2022 na Câmara e seguiu para o Senado. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) foi escolhido como relator na Comissão de Segurança Pública em maio de 2023 e apresentou parecer favorável um mês depois. O relatório, porém, não foi votado até o momento.

 

“Consideramos esse fator como um dos principais entraves para a segurança pública, já que não temos uma punição adequada ao criminoso por conta desse e de vários outros benefícios. O governador Tarcísio e eu devemos ir a Brasília no próximo mês para tratarmos desse assunto com o Senado”, disse Derrite.

 

Após a morte do PM mineiro, Zema foi às redes sociais cobrar a alteração da lei e dizer que “a mudança está parada” no Congresso. Ao Estadão, o governador disse que pediu aos parlamentares mineiros atenção especial ao projeto, defendeu que os critérios para uma eventual liberação temporária dos presos sejam mais rígidos e declarou querer debater a proposta do senador Sergio Moro (União-PR), que preserva a possibilidade de saída temporária para trabalho ou estudos, mas a extingue nos demais casos.

 

“A ressocialização é necessária, mas se for às custas de vidas, sou totalmente contrário. Não quero nenhuma ressocialização se for para pagar com vida de inocentes, que é o que tem acontecido”, disse o governador mineiro. “Da forma que está, ficou muito nítido com esse caso que é necessário um aperfeiçoamento. Aquilo que não está dando certo precisa ser revisto”.

Moro, por sua vez, diz que a ideia é votar o projeto na comissão ainda em fevereiro. “O objetivo do projeto de lei é exatamente o de prevenir situações na qual um preso perigoso é colocado na rua sem qualquer causa que justifique a medida”, disse o senador.

 

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, afirma que a “saidinha” é uma “aberração”. Segundo ele, é de uma irresponsabilidade ímpar permitir que criminosos, condenados por crimes graves, tenham direito ao benefício de sair do presídio por alguns dias, quando tiverem bom comportamento. “Ter bom comportamento é obrigação do detento. Deveria acontecer o contrário, isto é, punir aqueles que não obedecem às regras com, por exemplo, aumento da pena”, diz o governador.

 

Em sua opinião, chega a ser “desanimador” que se faça sempre a mesma discussão sobre um problema sabidamente grave e que pode ser exterminado mudando as regras que, assinala ele, não existem semelhantes em nenhum outro lugar. Mas, agora, Caiado acredita que o projeto será aprovado no Senado por que a sociedade tem exigido medidas eficazes contra a criminalidade. “Se o criminoso sai por bom comportamento, a polícia nunca mais consegue pôr as mãos nele”, aponta.

 

Discussão tem contornos eleitorais em Minas Gerais

 

Em Minas Gerais, o debate, que já é politizado, ganhou contornos eleitorais a partir das cobranças de Zema e de parlamentares bolsonaristas, que também passaram a pedir pressa ao Senado. Presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) é cotado para se candidatar ao governo do Estado em 2026 e disputaria a eleição contra um aliado de Zema. Em outro cenário, o governador e o senador poderiam ser adversários na disputa por uma vaga no Senado.

 

Pacheco declarou, um dia após o episódio, que o Senado mudaria a Lei de Execução Penal, que prevê a saída temporária, e depois chamou de “demagogos”, “oportunistas” e “desavisados” aqueles que disseram que a Casa comandada por ele demorou a analisar o fim das saídas temporárias.

 

“Não houve inércia do Senado. O projeto chegou e eu, como presidente, despachei à Comissão de Segurança Pública. Então, não ficou parado o projeto, ao contrário do que alguns disseram”, disse Rodrigo Pacheco. O presidente do Senado e o governador mineiro também trocaram farpas em dezembro, ao discutirem uma saída para as contas públicas do Estado.

 

Zema diz que sua relação com Pacheco é “muito boa” e elogiou o esforço dele sobre o tema e também na renegociação da dívida de Minas. Ele negou, no entanto, que os dois estejam se alfinetando. “O que eu vejo é que muitas vezes alguém interpreta que ele ou eu poderíamos estar mandando algum tipo de recado. De forma alguma. Eu acho que nós estamos querendo é somar por Minas Gerais”, declarou o governador.

 

Proposta vai contra a lógica da lei, diz especialista

Atualmente, a Lei de Execução Penal determina que somente presos em regime semiaberto têm direito às saídas temporárias. Também é necessário ter cumprido pelo menos um sexto da pena, em caso de condenação primária, ou um quarto, se for reincidente. Presos por crimes hediondos que resultaram em morte não têm direito às saídas.

 

A legislação abre possibilidade para cinco visitas à família por ano, com duração máxima de sete dias cada. Cabe ao juiz decidir sobre as liberações após consultar o Ministério Público e as direções dos presídios sobre quem tem bom comportamento. Tradicionalmente, as saídas temporárias ocorrem no Natal e Ano Novo, Páscoa, Dia das Mães, Dia dos Pais e Dia de Finados.

 

Além das visitas familiares, os presos podem pedir para frequentarem cursos supletivos profissionalizantes, segundo grau ou faculdade. Neste caso, eles ficam fora dos presídios pelo tempo necessário para assistir às aulas e se formarem. O texto atual em discussão no Senado acaba com todas essas regras ao revogar todo o capítulo que trata das saídas temporárias na Lei de Execução Penal.

 

Professor da PUC-RS, o sociólogo Rodrigo Azevedo afirma que a abolição das saídas temporárias vai contra a lógica da lei, cujo espírito é de preparar o preso para ser reinserido na sociedade, o que acontecerá em algum momento, pois o Brasil não tem prisão perpétua.

 

Ele considera como “muito restritivo” tanto o texto original quanto a ideia de Moro, e aponta como caminho a adoção de critérios mais rígidos para as saídas serem concedidas e não a extinção das ocasiões em que os presos podem deixar a cadeia. Azevedo sugere, por exemplo, que a participação em organizações criminosas seja um fator que impeça a saída temporária.

 

“São muito raras as situações em que o indivíduo não retorna ou que pratica delitos durante a saída. Quando acontece, a maioria das situações está ligada justamente ao vínculo do indivíduo a essas organizações”, diz ele, que é associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O especialista também pontua que os três governadores são de direita e enxergam o endurecimento como caminho para melhorar a segurança pública.

 

Em São Paulo, 1.566 (cerca de 4,5%) dos 34.547 presos que foram liberados para as festas de fim de ano não haviam retornado aos presídios até o dia 9 de janeiro, segundo a Secretaria de Segurança Pública. Destes, 712 foram recapturados por descumprir alguma regra da saída temporária e em 81 casos os detentos foram flagrados cometendo novos crimes.

 

Ministro de Lula deixou PT 'na mão' contra internação de dependentes químicos no Rio

Por  / O GLOBO

 

Eduardo Paes anunciou, em novembro passado, que o Rio de Janeiro passaria a internar involuntariamente os dependentes químicos em situação de rua que, nas palavras dele, “não aceitam qualquer tipo de acolhimento” e “acabam cometendo crimes”. Beleza.

 

PT municipal, que integra a gestão do prefeito em três secretarias (inclusive a de Assistência Social), não gostou nada do anúncio, no entanto. Na ocasião, Paes ainda sinalizou que iria debater o tema com Wellington Dias, ministro do Desenvolvimento Social do governo Lula. Dias, então, era a esperança do PT local diante do plano de Paes.

 

Pois bem: Dias esteve no Rio no fim de novembro e, consultado pelo prefeito, se demonstrou favorável à ideia. Contou a Paes (e aos correligionários do PT) que suas próprias gestões no governo do Piauí incluíram iniciativas semelhantes. O PT carioca, então, ficou isolado no discurso contrário à medida.

 

Batizado de “Seguir em Frente”, o programa criado pelo secretário de Saúde de Paes, Daniel Soranz, já atendeu 840 pessoas em situação de rua desde o anúncio do prefeito. Em seis fases, essa população está sendo convencida a aceitar atendimento, se tratar (contra a dependência e outras doenças) e, depois, a começar a trabalhar e a buscar uma nova moradia.

Lula sanciona lei que criminaliza bullying e agrava pena para ataques em escolas

Marianna HolandaIsabella Menon / FOLHA DE SÃO PAULO

 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou, nesta segunda-feira (15), lei que tipifica o crime de bullying, inclusive o virtual, e inclui uma série de atos contra menores de 18 anos na categoria de crimes hediondos.

O projeto foi aprovado no Congresso em dezembro e cria a Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente, que deverá ser feita por meio de um plano nacional, revisto a cada dez anos, com metas e ações estratégicas. A sanção foi publicada no Diário Oficial da União desta segunda.

Bullying e cyberbullying (quando acontece de forma online) agora são definidos por lei: são atos de "intimidação, humilhação ou discriminação" realizados "sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica", de forma verbal, moral, sexual, social, psicológica, física, material ou virtual.

Os crimes passam a constar no Código Penal, com pena de multa. No caso de cyberbullying, também pode render até quatro anos de prisão.

Há a previsão ainda do aumento da pena de dois crimes já previstos no Código Penal. No caso de homicídio de uma pessoa menor de 14 anos, a pena atual é de 12 a 30 anos de reclusão. Agora, ela poderá ser aumentada em dois terços se for praticado em escola de educação básica pública ou privada.

O crime de indução ou instigação ao suicídio ou à automutilação tem pena de dois a seis anos de reclusão. Com o texto, a reclusão pode ser duplicada se o autor for responsável por um grupo, comunidade ou rede virtuais.

O texto também propõe que as prefeituras e o Distrito Federal implementem políticas de combate à violência nas escolas, inclusive com medidas preventivas. Nos últimos dois anos, o Brasil enfrentou um aumento sem precedentes de ataques nos colégios.

Desde 2001, o país registrou 36 ataques —a maioria (58,33%) se concentrou no período pós-pandemia, entre fevereiro de 2022 a outubro do ano passado. A principal arma usada foi arma de fogo, seguida de faca e coquetel molotov. Em 17 ocorrências, os autores levaram mais de um tipo de armamento.

Os dados são apresentados no relatório "Ataques de Violência Extrema em Escolas no Brasil", que foi desenvolvido pela pesquisadora da Unicamp Telma Vinha e outros oito especialistas na área.

Na nova lei, em um outro trecho, a legislação altera o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) para penalizar o responsável que deixar de comunicar o desaparecimento de uma criança, com pena de até quatro anos de prisão.

O texto aprovado amplia para até oito anos de prisão a pena para quem exibe ou facilita a exibição de pornografia infantil, prática que passa a ser tratada como crime hediondo.

A lei também inclui no rol de crimes hediondos —contra os quais não cabe fiança nem anistia— o tráfico de crianças e adolescentes, o sequestro e cárcere privado de crianças e adolescentes e o auxílio, a indução ou a instigação ao suicídio ou à automutilação por meio virtual ou de maneira geral.

A política tem como objetivo garantir atendimento, inclusive à família, para casos de abuso e de exploração sexual de menores de idade e aprimorar as ações de prevenção e combate a estas práticas.

Carolina Costa, professora de direito penal do Ceub (Centro Universitário de Brasília), afirma que a lei é importante no combate à exploração sexual contra crianças e adolescentes. "Esse é um problema, infelizmente, antigo no Brasil, mas que precisa de aprimoramento sob o ponto de vista das políticas políticas".

Ela também destaca que a lei impressiona ao prever apenas multa para bullying e pena de reclusão de dois a quatro anos no caso de cyberbullying.

Costa analisa que houve um cuidado para evitar uma criminalização excessiva, uma vez que a maioria dos casos de bullying é praticado entre adolescentes, diferentemente do formato virtual.

 

"O cyberbullying não é tão praticado por adolescentes. Muitas vezes é praticado por adultos que se aproveitam da condição de vulnerabilidade de crianças e adolescentes no âmbito da internet para praticar bullying, exploração sexual, instigação a práticas de violência. Me parece que o maior objetivo da lei é evitar que esse tipo de conduta aconteça."

A advogada afirma que a lei pensa na política pública de combate à violência, tanto real quanto virtual, e afirma que "é cada vez mais necessária essa articulação entre realidades do nosso mundo físico como o virtual" —em que há um sistema de vulnerabilidade maior, em que muitas vezes ainda não é possível identificar os responsáveis.

"Um grande desafio da aplicação da lei será a dimensão da responsabilidade dos autores, como é o caso de todos os crimes virtuais", diz Costa.

Estouro da meta em 2024 pode tirar até R$ 16 bi do governo Lula em ano de eleição presidencial

Adriana FernandesIdiana Tomazelli / FOLHA DE SP

 

Um eventual estouro da meta de déficit zero em 2024 pode tirar até R$ 16,2 bilhões do espaço fiscal do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2026, ano de disputa presidencial. O petista deve tentar a reeleição.

O redutor de despesa está previsto no novo arcabouço fiscal. A medida serve de punição para caso de descumprimento da meta estabelecida em lei.

A estimativa foi obtida pela Folha com base em cálculos internos do Executivo que embasam as discussões no governo sobre o impacto de mudar ou não o alvo para as contas públicas.

O risco de ter de frear as despesas em ano de eleições gerais está por trás do debate dentro do governo em torno da flexibilização da meta perseguida para as contas públicas em 2024.

Enquanto o ministro Fernando Haddad (Fazenda) insiste no déficit zero, estimativas do mercado financeiro indicam que esse objetivo será descumprido. No Boletim Focus, a previsão é de um rombo de 0,8% do PIB (Produto Interno Bruto), mais que o déficit de 0,25% do PIB permitido pela banda de tolerância.

Sem uma mudança na meta, a concretização desse cenário vai disparar gatilhos de contenção de gastos em 2025 e 2026. As punições mais duras, que progressivamente limitarão o espaço fiscal, podem ocorrer no ano eleitoral.

No ano passado, Haddad conseguiu obter o sinal verde de Lula para manter a meta sob a promessa de contingenciar até R$ 23 bilhões. O valor ficaria abaixo do calculado por analistas —que já chegaram a apontar a necessidade de um bloqueio de R$ 53 bilhões.

A criação de uma trava no bloqueio de despesas foi a maneira encontrada para blindar o andamento dos investimentos do Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) no primeiro semestre deste ano.

Um dispositivo foi incluído na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024 para tentar garantir a aplicação desse limite em um cenário de frustração de receitas. Não há, porém, segurança jurídica dentro do governo para implementar o contingenciamento menor.

Interlocutores do governo ouvidos pela Folha afirmam que o Executivo fará uma consulta formal ao TCU (Tribunal de Contas da União) para dar respaldo legal ao decreto de contingenciamento, que terá de ser editado no fim de março. Uma reunião para preparar a defesa jurídica da consulta ocorreu na semana passada.

O governo quer enviar logo a consulta para não correr o risco de uma demora maior no julgamento pela corte de contas acabar deixando para a última hora a decisão sobre a mudança da meta. Para alterá-la, o governo precisa enviar um projeto ao Congresso.

Se o governo mantiver a meta e não fizer o contingenciamento, também haverá risco de punição pelas regras do novo arcabouço. Se o resultado da consulta for negativo, membros do governo afirmam que não há outro caminho a seguir a não ser propor um novo alvo fiscal.

Há certo consenso entre os defensores de alteração que a nova meta alvo seja um déficit de 0,5% do PIB. Na avaliação de técnicos do governo, um déficit de 0,25% poderia ser insuficiente, e um alvo de déficit de 0,75%, como querem lideranças do PT, folgado demais.

Técnicos do governo estão divididos sobre a possibilidade de vitória do TCU. Um grupo avalia que a versão aprovada da LDO sustenta um contingenciamento menor, mas outra ala considera que os ministros do TCU serão mais duros e vão negar o pedido do governo.

O governo recebeu informações de que, em reuniões com representantes do mercado financeiro no final do ano passado, ministros do TCU sinalizaram que o dispositivo da LDO seria ilegal, contrapondo-se às regras do novo arcabouço.

O presidente do TCU, ministro Bruno Dantas, já anunciou a criação de um painel de acompanhamento do cumprimento da nova regra fiscal.

Na equipe de Haddad, o esforço é para segurar a nova pressão pela mudança da meta até o fechamento de um acordo em torno da MP (medida provisória) de reoneração da folha de pagamento para 17 setores.

Haddad teve reunião sobre a MP da reoneração nesta segunda (15) com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Mas, após o encontro, o líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA), afirmou que não houve resolução para o impasse e que ainda falará sobe o tema com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Wagner disse acreditar que só se chegará a uma solução após o retorno do recesso parlamentar, em fevereiro. Na saída, Haddad precisou ir de carona no carro de seu secretário-executivo após o veículo oficial usado pelo titular da pasta apresentar um problema elétrico.

Sem mexer na meta, o governo também não poderá usar um espaço adicional de R$ 15 bilhões que poderá se abrir ainda em 2024, graças a uma regra que permite ao Executivo expandir o limite caso a arrecadação prevista para o ano tenha uma expansão ainda mais significativa em relação a 2023.

Mas o menor crescimento do limite de despesas em ano eleitoral é o ponto visto com maior preocupação, não só por razões políticas, mas também porque ficará ainda mais desafiador acomodar despesas de custeio e investimentos em meio à expansão mais veloz de gastos obrigatórios, como benefícios previdenciários e os pisos de Saúde e Educação.

O novo arcabouço fiscal vincula o crescimento das despesas à dinâmica da arrecadação. O limite de gastos é corrigido pela inflação mais uma variação real, equivalente a 70% da alta real das receitas.

Quando há estouro da meta em um ano, essa proporção cai a 50% no segundo ano subsequente —por isso, o descumprimento em 2024 gera o redutor apenas em 2026.

O mecanismo foi pensado com esse formato porque, no momento da aferição do resultado das contas públicas de um exercício, a proposta de Orçamento do ano imediatamente seguinte já foi entregue ao Congresso, dificultando a discussão sobre o corte nas despesas.

As estimativas internas do governo que apontam o espaço fiscal menor em R$ 16,2 bilhões podem sofrer variações, uma vez que foram calculadas em cima de hipóteses para a arrecadação nos próximos anos.

Elas consideram que o limite de despesas terá, em 2025, crescimento real de 2,5%, máximo permitido pela regra do arcabouço. Em 2026, se não houvesse a penalidade dos gatilhos, a expansão também seria de 2,5%. Com o redutor, a variação real cairia a 1,8%.

Analistas do mercado financeiro apontam cenário semelhante. O economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, vê uma redução de R$ 16,3 bilhões no espaço fiscal de 2026, caso o estouro da meta neste ano deflagre o acionamento dos gatilhos.

Segundo ele, um redutor nessa magnitude teria potencial para inviabilizar a execução do Novo PAC, justamente uma das vitrines eleitorais do governo petista.

O economista ressalta que os números são sensíveis às hipóteses adotadas, mas servem para ilustrar o que está em jogo na discussão das metas fiscais.

"É um fator de peso, 2026 é um ano eleitoral, e também começa a ter uma restrição significativa do arcabouço por causa do aumento das despesas obrigatórias", afirma Sbardelotto.

Ele destaca que o esforço empreendido pelo governo para elevar a arrecadação acaba tendo como efeito de segunda ordem um agravamento dessa situação, uma vez que os pisos de Saúde e Educação são vinculados às receitas —ou seja, eles também terão crescimento mais significativo nos próximos exercícios.

"Com esse gatilho de reduzir [a alta das despesas] de 70% para 50%, haverá uma restrição [ainda] mais forte."

Crítico contumaz da meta de déficit zero, o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) avalia que as estimativas da fatia de Orçamento que pode desaparecer em 2026, caso a meta atual seja mantida, indicam uma "crise contratada" para abril, logo após a publicação do primeiro decreto de contingenciamento.

"Lula vive falando em aumentar as vagas nos institutos federais. [Com o gatilho acionado] ele não vai poder fazer isso", diz. "Continuo advogando pela mudança da meta. Não é evitar só o contingenciamento, é evitar os gatilhos de contenção."

Por uma verdadeira segurança pública

Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP

 

As cenas de terror protagonizadas por grupos criminosos no Equador, ao mesmo tempo que foram mais uma demonstração cabal do avanço dessas organizações na América Latina, serviram para alimentar o discurso segundo o qual só é possível enfrentar essas gangues com medidas de exceção, à moda do impetuoso e popularíssimo presidente de El Salvador, Nayib Bukele – aquele que, quando acusado pela oposição de pretender impor uma ditadura por meio de suas medidas draconianas contra o crime, se declarou, ironicamente, “o ditador mais cool (legal) do mundo”.

 

Por maior que seja a indignação com a violência dos grupos criminosos que infestam a América Latina e cujos quartéis são as próprias prisões em que teoricamente cumprem pena, não se pode admitir que a solução seja a suspensão dos direitos básicos dos cidadãos, sobretudo o direito que os protege de detenções arbitrárias. O método de Bukele não é uma solução porque, ao suspender o Estado Democrático de Direito em nome do combate ao crime, destrói a democracia sem melhorar a segurança de ninguém. Aliás, muito pelo contrário: sem democracia, não há nenhum tipo de freio para o arbítrio do Estado, que assim ganha poder ilimitado para coagir todo e qualquer cidadão, conforme a vontade do ditador e de sua corte.

A violência do Estado, quando fora do controle das instituições democráticas e quando exercida à margem da lei, é tão perniciosa quanto a cometida pelos criminosos comuns. É possível sentir-se circunstancialmente seguro numa sociedade assim, mas é uma segurança ilusória, porque depende da sorte de ter boas relações com o poder.

 

A tentação, contudo, é grande. A imensa popularidade de Bukele em El Salvador criou a sensação de que o jovem presidente, ao dar uma banana para os direitos básicos, afinal encontrou a solução ideal para o problema da criminalidade. O igualmente jovem presidente do Equador, Daniel Noboa, claramente pretende adotar o método de Bukele, em meio à crise desencadeada há uma semana, após o líder de uma das maiores facções criminosas do país ter escapado de um presídio em que gozava de vários privilégios – como cúmulo do escárnio, ele até gravou um videoclipe dentro da prisão.

 

A fuga levou Noboa a decretar estado de exceção. Nas horas que se seguiram ao ato, o país assistiu a rebeliões em prisões, viaturas policiais queimadas, sequestros de policiais e até a invasão de uma emissora de TV de Guayaquil durante a transmissão de um programa ao vivo. Noboa, então, dobrou a aposta e decretou estado de conflito armado interno, decisão que autorizou o uso das Forças Armadas no patrulhamento de ruas, suspendeu aulas e impôs um toque de recolher à população. Mais de 300 pessoas foram presas e ao menos 13 foram mortas, enquanto os ataques liderados pelas facções parecem ter refluído.

 

Não é a primeira vez que o crime organizado mostra sua força no Equador. Ainda não esclarecido, o assassinato do candidato presidencial Fernando Villavicencio em agosto do ano passado foi reivindicado por uma das tantas facções criminosas que atuam no país. Os episódios assustam os equatorianos, que até então pensavam viver num país relativamente seguro.

Mas o medo é mau conselheiro – e escancara o espaço político latino-americano para emergência de líderes que fazem da promessa de violência estatal seu principal ativo eleitoral. Não à toa, Bukele é hoje mais popular que a maioria dos políticos do Equador e embala os sonhos da extrema direita de Honduras, Guatemala, Peru, Argentina e, claro, Brasil – por aqui, o notório Eduardo Bolsonaro levou uma comitiva de deputados para conhecer a experiência de Bukele e ressaltou, nas redes sociais, que El Salvador, “o país mais violento do mundo em 2015, hoje tem taxa de homicídios igual à Suíça”.

 

Em resumo, há duas formas de enfrentar o crime organizado: a que funciona, por meio de um esforço de inteligência e cooperação entre todos os países afetados, já que o narcotráfico e as milícias se tornaram transnacionais; e a que não funciona, por meio da suspensão de direitos e da truculência do Estado – que se torna, ele mesmo, criminoso.

Elmano veta despesas estaduais com Carnaval para priorizar áreas que pedem 'atendimento emergencial'

O governador Elmano de Freitas (PT) vetou, em decreto publicado na última sexta-feira (12), as despesas públicas com eventos relacionados ao Carnaval. A decisão afeta diretamente órgãos e entidades estaduais que usam recursos públicos.

Na determinação, publicada no Diário Oficial do Ceará (DOE), o petista considera a necessidade de se priorizar a realização de gastos públicos destinados a áreas que, no atual momento, demandam "atendimento emergencial e que impactam mais fortemente a qualidade de vida da população cearense".

No texto, o gestor veta "o repasse de recursos a beneficiários com finalidade de patrocínio e de apoio a eventos festivos relacionados ao Carnaval".

Contudo, o decreto não restringe despesas envolvendo atividades desenvolvidas pelo Sistema Estadual de Cultura (Siec) ou realizadas por meio de "emendas parlamentares impositivas federais". DIARIONORDESTE

 

A volta do Granaduto

Marcos Mendes / PESQUISADOR DO INPER / FOLHA DE SP

 

Entre 2008 e 2014, o Tesouro Nacional emprestou ao BNDES R$ 809 bilhões (em valores de novembro de 2023). O Tesouro se endividava, a taxas de mercado, e repassava ao BNDES, a uma taxa mais baixa. O BNDES emprestava, com subsídio, a empresas e governos. O custo dos subsídios, acumulado até outubro de 2023, é de R$ 340 bilhões.

Uma avaliação feita pelo CMAP (Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas), do governo federal, concluiu que "os subsídios não tiveram impacto relevante sobre os investimentos realizados (...) Quanto ao acesso aos empréstimos do Banco, as estimativas indicam que, de fato, tiveram impacto sobre os investimentos realizados pelas empresas apoiadas, mas em proporção insatisfatória (...) [e] a duração desse impacto teria ocorrido apenas nos dois primeiros anos após à captação junto ao BNDES, particularmente para empresas grandes" (p. 38).

Quase R$ 1 trilhão fluiu no granaduto que ligava o Tesouro ao BNDES, com benefícios pífios. Esse resultado está em linha com o encontrado por diversos estudos sobre o tema, sumariados na mesma avaliação.

O CMAP constatou também que: "os normativos que autorizaram a concessão de empréstimos da União ao BNDES (...) não descrevem os objetivos e as metas a serem perseguidos pelo Banco, nem os critérios a serem adotados para a seleção dos beneficiários" (p.40)

Houve fragilidade na governança: 40% das operações analisadas não se enquadravam nas normas internas do BNDES, e foram liberadas por decisões discricionárias da diretoria (p. 58-9).

Apesar da experiência negativa, o granaduto está voltando com novos instrumentos.

O primeiro deles é a emissão de título próprio do BNDES. O projeto de lei 6.235/23 prevê a emissão das "Letras de Crédito de Desenvolvimento". O BNDES não precisará da intermediação do Tesouro: irá diretamente ao mercado. Como é um banco 100% federal, o seu papel se equiparará a um título do Tesouro, e ainda gozará de isenção tributária.

Se o estoque desses títulos crescer, vai tomar mercado do Tesouro, aumentando o custo de financiamento da dívida pública. Se as operações do BNDES derem prejuízo, o Tesouro terá que capitalizar o banco. No PL há limites ao montante total de emissão, mas que podem ser flexibilizados pelo CMN, ou ampliados em futura alteração da lei.

O mesmo PL cria taxas de juros alternativas à atual TLP e flexibiliza o cálculo desta taxa, viabilizando a volta dos subsídios nos financiamentos concedidos pelo banco. A lei 14.592/23 já havia autorizado empréstimos com juros iguais à TR (Taxa Referencial).

Um segundo instrumento —o FNDIT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico)— foi enxertado na Medida Provisória 1.205/23, que institui mais um programa de subsídios ao setor automobilístico.

Nesse "Programa Mover", as montadoras que fizerem investimentos mínimos em P&D têm direito a benefício tributário. As que não quiserem fazer esse investimento, podem depositar o valor correspondente no FNDIT, que será gerido pelo BNDES, visando financiar "projetos prioritários de desenvolvimento industrial, científico e tecnológico".

Ou seja, parte do benefício tributário dado às montadoras vai parar no FNDIT do BNDES. Também há previsão de outras fontes "a definir", o que pode incluir depósitos diretos da União. Nesse caso, em vez dos velhos empréstimos, teremos doações da União ao BNDES.

A exposição de motivos da MP não traz uma palavra sequer sobre o fundo. A sua criação fere as LDO de 2023 (art. 135) e de 2024 (art. 134), que vedam fundos contábeis para finalidades que possam ser executadas pela administração direta, para evitar dribles às regras fiscais. É exatamente o que se está fazendo com o FNDIT.

Os instrumentos aqui citados estão longe de alcançar o quase trilhão do passado recente. Mas a arquitetura está montada. Ampliações podem vir ao longo do tempo, como ocorreu com o modelo original, que foi criado para lidar com a crise de 2008, mas estendido até 2015.

O governo alardeia que está avaliando políticas públicas, mas ignora essas avaliações. Recria políticas caras, com base em argumentos genéricos, ferindo a legislação e sem fixar metas ou ter cuidado com os detalhes da política.

O resultado, desta vez, será diferente?

 

 

MEC prevê cobrar taxa de faculdades para bancar novo órgão que regula ensino superior privado

Por Caio Spechoto e Paula Ferreira / O ESTADÃO DE SP

 

O ministro da Educação, Camilo Santana (PT), disse em entrevista exclusiva ao Broadcast Político/Estadão que poderá usar recursos de taxas pagas pelas faculdades particulares para financiar o trabalho do novo órgão planejado pela pasta para fiscalizar o ensino superior privado.

 

Segundo ele, pelo tamanho do setor, “haveria condições do próprio instituto ter grande arrecadação”. Além disso, afirmou que o governo pretende criar um marco regulatório para a educação a distância, com o objetivo de definir quais cursos podem ser ministrados no formato híbrido ou remoto.

 

Sobre o Fies, Santana afirma que o MEC tem uma proposta de uma nova versão para o programa, mas disse que falta acordo com o Ministério da Fazenda. A defesa dele é por cobranças diferenciadas dependendo da renda do aluno beneficiado. “Qual o grande problema do Fies? É que deixou de ser um programa mais social para se tornar um programa um pouco financeiro”, disse ele.

 

O ministro afirmou também que esperava mais receptividade do Congresso à proposta do governo para a reforma ensino médio. O projeto travou na Câmara, onde o relator, o deputado oposicionista Mendonça Filho (União Brasil-PE), já indicou que fará diversas mudanças na proposta – Santana se disse surpreso inclusive com a escalação de Mendonça, ex-ministro responsável pela reforma na gestão Michel Temer (MDB), para a relatoria.

 

Camilo Santana, de 55 anos, é ministro da Educação desde o começo da gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Antes, governou o Ceará por dois mandatos. Foi eleito senador em 2022, mas se licenciou para assumir o MEC.

Leia os principais trechos da entrevista:

O relator já mostrou que vai alterar o projeto do governo para reformular o ensino médio. Faltou articulação? Surpreendeu a resistência no Congresso?

 

Foi um processo amplamente discutido. Tomamos a decisão de não ser por medida provisória porque queríamos que o Congresso debatesse. Eu esperava que, como não era decisão simplesmente do governo, que fosse amplamente acolhida pelo Congresso. Me surpreendeu, apesar de ter bom relacionamento com o deputado Mendonça. Surpreendeu porque é complicado você colocar como relator o ministro na época que implementou né? Até porque é outro governo.

O governo vai insistir no texto que foi enviado?

Vamos insistir. Repito: não foi um projeto simplesmente do governo. Foi um projeto construído. A gente quer ver se agora, já no retorno [do recesso do Legislativo], a gente abre esse debate novamente. Que seja aprovado o mais rápido possível.

Seria para aprovar nas duas Casas no 1º semestre?

Vamos tentar menos do que isso, mas no máximo até o primeiro semestre estar resolvido.

O que foi acordado é que haveria um ano de transição. Os Estados iriam se preparar para implementar a partir de 2025. Se conseguirmos aprovar agora, ainda no 1º semestre, os Estados terão tempo para se preparar para fazer as mudanças para 2025.

No Congresso, deputados da própria base reclamam da articulação do MEC. Apontam a relatoria do PL do ensino médio com Mendonça Filho como exemplo de articulação falha. É uma crítica justa?

O governo tem um ministério que trata das relações com o Congresso (a Secretaria de Relações Institucionais, comandada por Alexandre Padilha). Quando o presidente assinou o projeto de lei para ser encaminhado, combinei com o ministro Padilha para que nós dois fôssemos juntos ao presidente da Casa (da Câmara, o deputado Arthur Lira) para dizer da importância desse projeto. E que fosse definido um relator que pudesse ter diálogo e abertura maior para essas mudanças que propomos. O presidente da Casa fez essa escolha. Mas sempre sou uma pessoa que faço autocríticas. Talvez a gente precise melhorar a forma que tem se relacionado nesse aspecto. Recebi pessoalmente no meu gabinete 340 parlamentares em 2023. Vamos tentar estabelecer um processo mais próximo.

Quando o governo lança a nova versão do Fies? O que pode adiantar sobre isso?

Estamos (MEC) com uma proposta pronta, depende muito do Ministério da Fazenda. Qual o grande problema do Fies? É que deixou de ser um programa mais social para se tornar um programa um pouco financeiro. A coparticipação de um aluno que tira um recurso do Fies, em média, chega a 36% do valor da prestação. Se tiver uma prestação de R$ 1 mil, por exemplo, tem de pagar R$ 360. Tem gente que não tem condições. O modelo atual é para quem tem renda média de três salários mínimos (R$ 4.236). A ideia nossa agora é ter uma escala que possa financiar 100% para os que precisam mais. Os que têm renda melhor, faz uma graduação (dos pagamentos).

É possível ter ideia de quando será lançado?

A Casa Civil está amarrando a próxima semana para ver com a Fazenda se a gente consegue fechar esse desenho.

Mas não é possível ter ideia de data ainda?

Se dependesse do MEC, já tinha feito. Até porque é um compromisso do presidente, compromisso nosso de mudar. O problema é que muitas vezes as coisas não dependem só do MEC, envolve outros ministérios.

Quantas vagas vão ser ofertadas? Qual vai ser o orçamento?

A ideia é permanecer, por enquanto, a quantidade de vagas que estamos ofertando: em torno de 100 mil, 120 mil. Até porque não estamos conseguindo nem ocupar a metade. Começar com o número que está hoje e avaliar a necessidade de ampliação ou não. Focar e verificar quais os cursos que têm a maior demanda.

De 1,2 milhão de inadimplentes do Fies, por volta de 164 mil entraram no programa de renegociação das dívidas até agora. O ritmo da renegociação é satisfatório?

 

Temos de divulgar mais, para dizer que esse jovem tem condições de renegociar e pagar as dívidas em situações muito favoráveis. Pode chegar a 99% do principal e 100% dos juros e multas. O prazo é até o fim de maio.

Tem chance de prorrogar o prazo?

Vamos avaliar como se comporta, porque praticamente só se passou um mês do refinanciamento.

Os cursos de Medicina que foram abertos com base em liminar, do ponto de vista do MEC, correm risco?

Eles passam pelos critérios estabelecidos. Se tem infraestrutura no local, número de médicos por habitante. A decisão judicial é que o MEC avalie. O grande problema é que se concentra muito nas capitais, em grandes centros, que já têm muitas vagas de medicina. Qual o outro passo que estamos construindo? Não é só abrir a faculdade de Medicina, é avaliar a qualidade dos cursos. Não só de Medicina, qualquer curso da educação superior. A educação superior cresceu no Brasil deforma gigantesca. Mais de 80% das matrículas do ensino superior são privadas. Precisa ver a qualidade das ofertas. Principalmente da EAD, que cresceu de forma exponencial. Defendemos que seja criado um instituto, com robustez, equipe maior, para que a gente possa fazer uma avaliação, acompanhamento, regulação, do ensino superior privado no Brasil.

O senhor mencionou a educação a distância, que explodiu no nível superior. Como o MEC avalia isso? Isso tem chance de piorar a média da formação?

Precisamos avaliar a qualidade desses cursos. Por exemplo, 40% das matrículas de curso de Enfermagem no Brasil já eram a distância. A gente imaginar que em um curso de enfermagem a pessoa se forma, vai cuidar da vida das pessoas, 100% a distância.... Suspendemos a autorização de cursos de Enfermagem. Até porque, em 2022 ofertaram-se mais de 22 milhões de vagas em cursos superiores do Brasil. Só foram ocupadas 4,5 milhões. Dessas, mais de 80% são EAD. O curso a distância facilita a vida das pessoas, mas precisa saber qual o tipo de curso posso ofertar EAD, qual tipo preciso mesclar (com conteúdo presencial). Estamos defendendo e estamos discutindo uma resolução para ser construída com o Conselho Nacional de Educação sobre a licenciatura. A qualidade da formação da licenciatura no Brasil está muito baixa. Estamos trabalhando em não permitir mais licenciaturas 100% EAD. Tem de ser parte presencial e parte a distância. Precisamos ter um novo marco regulatório do EAD.

O senhor mencionou a criação de um instituto para regular o ensino superior. Como viabilizar isso no contexto de restrição fiscal? Será preciso ao menos contratar servidores para tirar essa estrutura do papel...

A proposta inicial é que esse instituto iria cobrar taxas. Porque hoje precisa fazer avaliação, fazer estudo. Para autorizar um curso de Medicina, precisa mandar uma comissão. Muitas vezes são médicos, que vão lá avaliar se a estrutura física tem condições de receber o curso. E isso precisa ser custeado. Nada mais justo do que cobrar das instituições, que são privadas, e cujo objetivo é ter lucro. (o ministro citou em outubro a ideia de criar esse órgão regulador e enviar nova proposta para o Congresso; hoje, essa atribuição fica a cargo de uma secretaria do MEC, a Seres)

Essa estrutura nova se autossustentaria?

Há um estudo que mostra que, pelo volume que o negócio tem hoje no Brasil, haveria condições do próprio instituto ter grande arrecadação. (em 2012, a gestão Dilma Rousseff propôs criar o Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior, o Insaes, que não avançou no Congresso. Na época, o PL previa a criação de 550 cargos ao custo de R$ 43,4 milhões anuais, em valor não corrigido pela inflação. A ideia sofreu resistência do setor)

O senhor mencionou a possibilidade de regulamentar o EAD. Além da qualidade e dos cursos em que não é possível o modelo 100% a distância, dá para ter mais alguma ideia sobre a regulamentação?

O que estamos construindo é um marco regulatório da educação à distância. Tem a participação do Conselho Nacional de Educação, das comissões, vários estudos, universidades. Vamos ouvir as entidades que ofertam esses cursos. Para definir qual curso pode ser 100% à distância, qual curso precisa ser híbrido, qual curso que não pode ser de forma alguma.

Seria necessário projeto de lei?

Estamos tentando aproveitar o projeto de lei que está lá (no Congresso) desde 2012. Precisa fazer algumas mudanças. A ideia é aproveitar até porque ganha tempo.

Há reclamações sobre dificuldades, demora na liberação de recursos do MEC. Há mesmo essa dificuldade? Como tem sido essa dinâmica?

Às vezes as pessoas imaginam que educação é como a construção de estrada. O MEC não executa a política de educação básica. Quem executa são os Estados e municípios. Foi um processo de construção com as redes, definição de critérios, de metas estabelecidas. Estimamos repassar R$ 2 bilhões ano passado. Chegamos a repassar, empenhar e repassar quase R$ 1,7 bilhão. Em relação aos parlamentares, praticamente pagamos 100% das emendas, tanto individuais como de bancada do ministério. Às vezes você não paga porque o município ou Estado ou a universidade não apresentou projeto, está inadimplente. Há situações que precisa cumprir as questões legais para fazer o repasse.

As universidades federais cobram mais recursos, dizendo que estão com dificuldade para manter as atividades. Como o governo lida com isso?

O presidente Lula fez um esforço enorme no primeiro ano para fazer uma recomposição (do orçamento). Entre institutos federais e universidades, mais de R$ 2,4 bilhões. Para uma recomposição das bolsas de mestrado e doutorado, da ciência estudantil, a recomposição da merenda…

Mas isso foi muito com base na PEC da transição [que permitiu a Lula gastar mais no 1º ano de governo], que não tem mais...

O que tentamos fazer agora foi manter o mesmo nível de orçamento para o ano de 2024. Com o acréscimo, que teremos agora, com o anúncio do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). A ideia do PAC das universidades é consolidar as estruturas que não foram consolidadas. Priorizar a consolidação desses campi e pensar também a ampliação de alguns campi de universidades importantes, estratégicas do Brasil.

O ciclo do Ideb (principal indicador de qualidade do ensino básico do ministério, que tinha plano construído até 2022) se encerrou. O MEC manterá esse indicador? Fará reformulação?

Está na hora de o Brasil pensar em mudanças no Ideb. Estive com o presidente na terça-feira, vamos fazer uma reunião com os governadores para definirmos qual seria a meta da alfabetização das crianças. Tem Estado com percentual muito baixo de crianças que atingiram a meta, tem Estado numa situação melhor. A ideia é que possamos garantir que haja uma projeção. Estamos fazendo um desenho para os próximos oito anos.

Teria meta diferenciada de acordo com o Estado?

Não. A meta é única para o Brasil. O importante desse processo é a liderança do governador em cada Estado. O governador precisa assumir esse protagonismo, chamar os prefeitos, para que possamos melhorar esses indicadores de alfabetização.

Pela sua experiência política, e pelo que o senhor conhece do presidente, haverá mesmo reforma ministerial neste começo do ano?

Aí cabe a ele responder essa pergunta.

Imposto de Renda: defasagem volta a subir para a classe média; veja quanto você paga a mais

Por Bianca Lima / O ESTADÃO DE SP

 

BRASÍLIA - A defasagem histórica da tabela do Imposto de Renda em relação à inflação teve duas trajetórias distintas em 2023: ficou menor para os mais pobres e maior para quem ganha acima de dois salários mínimos.

 

Isso se deve ao fato de o governo ter ampliado a faixa de isenção do tributo, para até dois salários, sem que houvesse a correção das demais faixas - uma estratégia da equipe econômica para mitigar o impacto fiscal da medida em meio às dificuldades orçamentárias.

 

Dados do Sindifisco Nacional, sindicato que reúne os auditores da Receita Federal, apontam que essa defasagem, que funciona como um aumento “disfarçado” de tributação, passou de 146% para 132% na faixa isenta - beneficiando os contribuintes de renda mais baixa. Mas subiu para 162% para as rendas mais elevadas, que ficaram sem reajuste no ano passado.

 

A regra adotada em 2023 elevou a faixa de isenção para R$ 2.112, com um desconto mensal de R$ 528 na fonte – ou seja, no imposto que é retido do empregado. Com isso, somando os dois mecanismos, quem ganha até R$ 2.640 (o valor de dois salários mínimos à época) deixou de pagar IR. Na ocasião do anúncio, o governo chegou a prever que 13,7 milhões de trabalhadores deixariam de prestar contas ao Fisco.

 

Os contribuintes situados nas demais faixas de cobrança foram beneficiados apenas de forma residual pelo reajuste na isenção, já que não tiveram seus valores de tributação atualizados.

“Foi ótimo corrigir a faixa de isenção, mas, para alcançar um modelo menos regressivo e mais justo, seria necessário ter mais faixas e uma distância maior entre elas”, afirma Tiago Barbosa, vice-presidente do Sindifisco, destacando um consequente achatamento da tabela devido à correção apenas parcial.

 

Problema antigo

Os auditores da Receita calculam que a correção “média” da tabela do IR tenha sido de 4,15% no ano passado, ante uma inflação de 4,62%. Diferença pequena, mas que agrava um problema antigo.

Nos últimos 27 anos (desde 1996, quando a tabela foi convertida para reais), em apenas cinco a correção superou o índice de preços oficial do País, o IPCA. E de 2016 a 2022 - governos Michel Temer e Jair Bolsonaro - ela ficou congelada.

 

Nesses quase 30 anos, aponta o estudo, o IPCA variou 444% contra reajustes de 118%, resultando em uma defasagem de praticamente 150%. A consequência é que um número cada vez maior de pessoas de baixa renda foi sendo obrigado a recolher o imposto ao longo do tempo, enquanto que as rendas médias passaram a ser tributadas de forma mais pesada.

 

Em 1996, por exemplo, a isenção beneficiava quem recebia até nove salários mínimos. Essa relação despencou para 1,57 em 2022 e, após a correção realizada em 2023, subiu levemente para 1,60. Se fosse totalmente corrigida, a faixa isenta saltaria de R$ 2.112 para R$ 4.899, o que faria com que outros milhões de contribuintes deixassem de pagar o tributo mensalmente.

 

Uma correção dessa magnitude, no entanto, geraria uma renúncia fiscal de R$ 135,8 bilhões, segundo cálculos dos auditores. “Portanto, deve vir acompanhada, necessariamente, de medidas de compensação dessa perda, principalmente tributando os mais ricos, que possuem parcelas elevadas de rendimentos isentos”, afirma o Sindifisco no levantamento.

 

Promessas e reforma

Durante a campanha, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu elevar a faixa de isenção para R$ 5 mil mensais, mas esbarrou nas restrições fiscais. A saída foi apostar em um meio-termo: elevar a isenção para até dois salários mínimos e sinalizar um aumento gradual, para R$ 5 mil, até 2026, quando termina o terceiro mandato.

 

O Orçamento de 2024 não prevê reajustes na tabela, mas o tema poderá ser discutido pelo Congresso no âmbito de uma ampla reformulação do IR, numa segunda etapa da reforma tributária. Para essa discussão, o governo prepara a volta da taxação de lucros e dividendos e o aumento das alíquotas para os mais ricos, o chamado “andar de cima”.

 

“Hoje, quem não está numa situação tão favorecida acaba sendo empurrado para a tabela progressiva do IR. Já quem tem rendas maiores, como os profissionais liberais, por exemplo, vira PJ (e, assim, fogem dessa sistemática). Isso faz com o sistema tributário fique mais regressivo”, alerta Barbosa.

 

O tema, porém, é espinhoso e ainda não tem consenso dentro do Legislativo. E isso num ano recheado de leis complementares da reforma anterior, dos tributos sobre o consumo, e com foco comprometido devido às eleições municipais.

Mudança de Lula no imposto de renda conservou injustiça tributária com classe média

Por Roseann Kennedy e Eduardo Gayer / O ESTADÃO DE SP

 

Anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em maio do ano passado, a atualização da tabela do imposto de renda, com a ampliação da faixa de isenção para quem ganha até dois salários mínimos, manteve as injustiças tributárias enfrentadas principalmente pela classe média. A conclusão é da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita (Unafisco), a partir de novos cálculos com base na atualização da inflação acumulada até dezembro.

 

Segundo os dados divulgados na quinta-feira, 11, pelo IBGEa inflação oficial do Brasil fechou 2023 a 4,62%. A taxa é medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Pelas contas da Unafisco, obtidas pela Coluna do Estadão, a defasagem da tabela do imposto de renda agora chega a 134% na faixa de isenção e 159,57% nas demais faixas, considerando o período de 1996 a 2023.

 

“Perto de 13,6 milhões de contribuintes deveriam estar isentos com a correção integral da tabela. Seria uma economia estimada em R$ 202 bilhões para os bolsos dos pequenos contribuintes. Mas, da forma que está, persiste a desigualdade tributária, na qual a classe média assalariada suporta o ônus do financiamento das políticas públicas, enquanto os mais abastados se beneficiam”, afirma o presidente da Unafisco, Mauro Silva.

 

Na visão da Unafisco, a reforma tributária deveria ser revista e permitir a possibilidade de a classe média compensar os acréscimos relacionados aos serviços no imposto de renda. “Frente às iminentes mudanças no cenário tributário, deveriam ser consideradas as demandas da classe média no Congresso Nacional”, sugere.

 

A classe média, uma fatia do eleitorado que o presidente Lula quer atrair antes das eleições de 2026. Sobre o imposto de renda, por exemplo, sua promessa de campanha era de elevar a faixa de isenção para R$ 5 mil. Agora, o presidente fala em outras ações, em programas sociais. Em junho do ano passado, por exemplo, ao estrear a “Conversa com o Presidente” na TV Brasil, ele defendeu a ampliação do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) para famílias dessa faixa econômica.

 

“Nós precisamos fazer não apenas o Minha Casa, Minha Vida para as pessoas mais pobres. Precisamos fazer o Minha Casa, Minha Vida para a classe média. O cara que ganha R$ 10 mil, R$ 12 mil, R$ 8 mil, esse cara também quer ter uma casa e esse cara quer ter uma casa melhor”, argumentou Lula, que repetiu o discurso no evento de entrega de unidades do MCMV, em outubro. “Porque essa gente é a chamada classe média, que paga imposto nesse país, essa gente que trabalha muito, essa gente que se dedica, que levanta cedo”, acrescentou.

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