Candidatos a prefeito derrotados deixam R$ 44 milhões em dívidas de campanha
Por Dimitrius Dantas— Brasília / O GLOBO
Candidatos que começaram a campanha como apostas de seus partidos não apenas foram derrotados nas urnas como podem deixar dívidas milionárias para as legendas pagarem. Segundo um levantamento do GLOBO, dez dias depois do 1º turno, 1.201 candidatos a prefeito derrotados acumulam um saldo negativo de R$ 44 milhões. O valor é puxado pelo topo: menos de 1% dos candidatos respondem por 20% desse valor.
O caso com a maior diferença aconteceu em Salvador: até esta terça-feira, o candidato do MDB e vice-governador do estado, Geraldo Júnior, tinha declarado a contratação de R$ 5,3 milhões em despesas, mas uma receita de R$ 3,7 milhões — o déficit é de R$ 1,6 milhão. Geraldo Júnior ficou em terceiro lugar na eleição da capital baiana, que foi vencida já no primeiro turno pelo atual prefeito, Bruno Reis (União), com 78% dos votos válidos.
Em São Paulo, o PSDB escolheu José Luiz Datena na tentativa de recuperar o prestígio na capital. O apresentador começou a campanha pontuando bem nas pesquisas de intenção de voto, mas foi caindo na preferência dos eleitores e terminou com 112 mil votos na urna, ou 1,84%. A dívida por enquanto é de R$ 1,5 milhão, após a campanha de Datena custar R$ 5,2 milhões, o equivalente a R$ 46 por voto recebido. O atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), teve uma campanha mais cara, com gastos na casa dos R$ 43 milhões, mas, no seu caso, o custo por voto foi de R$ 24, pouco mais da metade de Datena.
Caso as dívidas persistam até a prestação final de contas das eleições, a conta precisará ser assumida pelo partido dos candidatos que não conseguiram pagar todas as suas contas. Para isso, entretanto, é preciso ser firmado um acordo entre os diretórios e os credores. Segundo Denise Schlickmann, especialista em direito eleitoral e integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), os candidatos que estão no vermelho poderão arrecadar recursos para quitar despesas comprovadamente do período eleitoral até a data da prestação de contas, em 5 de novembro.
— Se por ocasião da prestação de contas ainda restarem dívidas, a norma autoriza que os partidos assumam a dívida. Nesse caso, é necessário observar todo o procedimento e apresentar todos os documentos solicitados, como autorização do órgão nacional, acordo identificando as dívidas com anuência do credor e um cronograma de pagamento não superior ao prazo da prestação de contas da próxima eleição para o mesmo cargo — afirma Schlickmann.
Os números não levam em conta ainda os candidatos eleitos ou que ainda vão disputar o segundo turno. Em 2022, o GLOBO identificou que 80 deputados federais e cinco senadores eleitos chegaram ao fim da campanha no vermelho. Em 2023, de acordo com as prestações de contas partidárias, os partidos gastaram R$ 54,1 milhões com pagamento de dívidas de campanha. É comum que muitas dessas dívidas sejam parceladas durante anos.
Para chegar ao saldo negativo de cada candidato, o GLOBO utilizou como fonte as prestações de contas dos candidatos à Justiça Eleitoral. Eles são obrigados a declarar quanto e de quem receberam cada recursos, assim como e quanto gastaram na campanha. Foram desconsideradas as receitas estimáveis, valores atribuídos, por exemplo, a trabalhos voluntários como atividades de militância.
Os principais partidos reclamam que não apenas as dívidas de campanha, mas as multas aplicadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por irregularidades na utilização do Fundo Partidário, além de dívidas tributárias, vêm dificultando suas atividades. Em agosto deste ano, o Congresso aprovou uma emenda à Constituição que anistiou os partidos do pagar multas pelo descumprimento das cotas de gênero e raça em eleições anteriores.
Além de Geraldo Júnior e Datena, outros candidatos derrotados em capitais também precisarão conseguir novos recursos para pagar as despesas contratadas. Em Goiânia, o prefeito Rogério Cruz (Solidariedade) ficou fora do segundo turno, que será disputado entre Sandro Mabel (União) e Fred Rodrigues (PL), e ainda está R$ 1,2 milhão abaixo das receitas declaradas. Em Palmas, o candidato Júnior da Geo (PSDB) gastou R$ 980 mil a mais do que recebeu.
O GLOBO procurou os diretórios do PSDB em São Paulo e Palmas, do MDB em Salvador e do Solidariedade em Goiânia, além de representes das campanhas, mas não teve retorno.
O dilema de Boulos e Lula
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
Os obstáculos no caminho do candidato a prefeito de São Paulo pelo PSOL, Guilherme Boulos, parecem gigantescos nesta reta final da campanha municipal. Esperança do presidente Lula da Silva neste ano, mais em razão da incapacidade do PT de oferecer um quadro competitivo e palatável aos eleitores do que por seus méritos políticos, o psolista enfrenta o dilema de atrair o apoio de quem há não muito tempo votou no petista, enquanto cisca no eleitorado da direita que se mostra unido em torno de Ricardo Nunes (MDB).
A missão do candidato linha auxiliar do lulopetismo em São Paulo parece inglória. Ao que tudo indica, enganou-se redondamente Lula por um dia acreditar que teria força política suficiente para transferir por osmose seu apoio a Boulos na capital paulista simplesmente por ter triunfado sobre Jair Bolsonaro há dois anos.
Uma recente pesquisa Datafolha mostrou que boa parte daqueles eleitores de Lula de outrora não parece convencida dos atributos de Boulos para administrar a metrópole. De acordo com o levantamento, o preposto de Lula mostrou-se incapaz até aqui de conquistar as intenções de voto de nada menos do que quase um terço dos paulistanos que optou pelo petista na eleição presidencial passada. A pesquisa apontou que, enquanto 63% dos que votaram em Lula em 2022 poderão dar agora um voto de confiança a Boulos, nada menos que 31% disseram preferir Nunes. Isso significa que esses eleitores, em que pese terem repudiado Bolsonaro há dois anos, rejeitam o comando de Lula e repelem o baderneiro convertido a político moderado.
Recebido com desconfiança no ninho petista e integrante de um partido, o PSOL, que se sustenta na base das pautas identitárias, já que não tem mais nada a oferecer, Boulos ainda perdeu cerca de 48 mil votos no primeiro turno porque esse tanto de eleitores digitou 13, o número do PT, e não 50, o número do PSOL. Ou seja, são eleitores que simpatizam com o PT e que, na hipótese benevolente, votaram no PT por descuido, imaginando que Boulos fosse candidato do partido de Lula, ou então, na hipótese realista, votaram no PT porque não gostam do PSOL. Não se pode culpá-los.
Se Boulos não consegue convencer a esquerda, que dirá a direita. Tanto é assim que a pesquisa de segundo turno enfatiza a coesão dessa parcela da população que rejeita a esquerda. Dos eleitores de Bolsonaro, 85% disseram que vão votar em Nunes, e apenas 4% afirmaram que poderão optar pelo psolista.
Nada garante, portanto, que a insistência de Boulos na polarização, uma eventual maior participação de Lula na campanha, as piscadelas aos eleitores de Tabata Amaral (PSB) ou Pablo Marçal (PRTB) – com a adesão a propostas voltadas ao empreendedorismo – e os ataques pessoais a Nunes serão capazes de impulsionar o esquerdista.
Os números que retratam o ânimo do eleitorado nesta fase inicial do segundo turno são um claro sinal mais de repulsa a Boulos do que de aprovação ao incumbente. Tanto é assim que Nunes, embora tenha obtido menos de um terço dos votos válidos no primeiro turno, abre vantagem maior sobre Boulos do que o então prefeito Bruno Covas abriu sobre o psolista na eleição de quatro anos atrás, vencida pelo tucano.
Nunes desiste de debate Folha/UOL/RedeTV! e cita reunião com Tarcísio sobre apagão
Cristina Camargo / FOLHA DE SP
A poucas horas do debate Folha/UOL/RedeTV!, Ricardo Nunes (MDB) desistiu de participar do confronto com Guilherme Boulos (PSOL) e citou como motivo uma reunião marcada pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) nesta quinta-feira (17) de manhã.
"Desde a tempestade de sexta-feira passada foram desmarcados diversos compromissos da campanha à reeleição, dando prioridade às urgências da prefeitura. Estão em vista os cancelamentos de outras agendas eleitorais, por conta das mudanças climáticas previstas para sexta-feira", diz nota divulgada pela campanha de Nunes no início da madrugada.
O embate entre os adversários que disputam a Prefeitura de São Paulo está marcado para acontecer às 10h20 desta quinta, no mesmo formato do realizado pela Folha e UOL no primeiro turno, com o uso de banco de tempo. Nesse modelo, o próprio candidato administra a duração das falas dentro de um limite estabelecido, nesse caso de 12 minutos.
Nunes lamentou a ausência e pediu compreensão dos organizadores, de Boulos e do público.
A Folha mostrou nesta quarta-feira (16) que as campanhas se prepararam para falar sobre o apagão no debate.
Na sexta-feira (11), a capital paulista foi atingida por um temporal que deixou parte da população sem energia elétrica. No quinto dia de apagão na região metropolitana, cerca de 74 mil imóveis continuavam sem luz, segundo balanço divulgado pela Enel.
O número chegou a 2,1 milhões de imóveis logo após o temporal. Há uma nova previsão de tempestade nesta sexta-feira (18).
O apagão roubou a cena no segundo turno da eleição, em que se desenrola um jogo de empurra entre a prefeitura, responsável pela poda das árvores, e o governo federal, responsável pela concessão da Enel, empresa responsável pela distribuição de energia elétrica na região metropolitana de São Paulo.
Quaest: Nunes tem 45% contra 33% de Boulos no 2º turno em SP
Tayguara Ribeiro / FOLHA DE SP
A primeira pesquisa Quaest sobre o segundo turno da disputa para a Prefeitura de São Paulo aponta que Ricardo Nunes (MDB) tem 45% das intenções de voto e Guilherme Boulos (PSOL), 33%.
O levantamento ouviu 1.204 pessoas presencialmente entre os dias 13 e 15 de outubro e foi encomendado pela TV Globo. A margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos. O registro na Justiça Eleitoral tem número SP-05735/2024.
Segundo a pesquisa, 19% indicaram votar branco, nulo ou que não votariam. Outros 3% se disseram indecisos.
A votação nas cidades onde haverá o segundo turno será no dia 27 de outubro.
Na pesquisa espontânea, aquela em que os nomes dos candidatos não são citados para os eleitores entrevistados, Nunes registra 38% e Boulos, 28%, enquanto indecisos somam 26%. Brancos, nulos ou que não votariam somam 8%.
Ainda de acordo com o levantamento da Quaest, 80% dos paulistanos consideram que a escolha do candidato é definitiva, e 20% afirmam que podem mudar.
Segundo a pesquisa, 74% dos eleitores da cidade de São Paulo que votaram em Pablo Marçal (PRTB) no primeiro turno afirmam que irão escolher Nunes no segundo e 13%, Boulos.
Considerando os paulistanos que votaram em Tabata Amaral (PSB), o levantamento da Quaest aponta que 54% pretendem votar em Boulos, enquanto 23% citam o atual prefeito.
Na pesquisa estimulada, enquanto o levantamento da Quaest apresenta aos entrevistados os nomes dos candidatos e as opções "branco/nulo" e "não votaria", o questionário da pesquisa Datafolha apresenta apenas os nomes dos candidatos (com revezamento entre o primeiro e o segundo a ser lido a cada entrevista).
A pesquisa Quaest foi feita após o apagão na cidade de São Paulo que monopolizou a atenção das campanhas, com troca de ataques sobre as responsabilidades.
Na última segunda (14) ocorreu o primeiro debate entre os dois candidatos no segundo turno, e a falta de energia após o temporal dominou os embates entre Nunes e Boulos.
O destaque foi para a troca de acusações em relação às responsabilidades, com o candidato do PSOL culpando a prefeitura pela falta de poda de árvores e o emedebista atacando o governo de Lula (PT), lembrando que a concessão é federal para desgastar o padrinho do adversário.
Junto com a troca de acusações e de responsabilidades de grupos políticos rivais, o apagão mudou os rumos dos candidatos nas ruas, nas redes sociais e na propaganda eleitoral, levando também à reviravolta nas agendas e pautas diárias e à apresentação de novas promessas pelo psolista, sobre um tema até então deixado em segundo plano na eleição paulistana.
A campanha do PSOL reiterou a ordem de centrar esforços no desgaste de Nunes por causa do apagão, num esforço para desidratá-lo e tentar criar condições para uma eventual virada. Aliados afirmam que, em pesquisas internas, a distância entre eles vem diminuindo desde o início da crise.
A mudança de cenário foi ao encontro da estratégia definida por Boulos para tentar capturar parte dos eleitores de Pablo Marçal (PRTB) e que inclui demonstrar indignação e combatividade.
Aliados de Nunes afirmam não acreditar que o apagão possa custar a reeleição dele. As redes do emedebista abordam o tema como forma de atacar Lula no momento em que a campanha busca herdar votos antiesquerda de Marçal e também de bolsonaristas. Tarcísio também entrou na linha de frente do embate com o governo federal e com a Enel, dando respaldo à posição do prefeito.
No Ceará, 32 cidades elegeram apenas uma vereadora; 6 das 184 câmaras têm mais mulheres que homens
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O resultado das eleições municipais de 2024 trouxe cenário de avanço na representatividade feminina nas câmaras municipais do Ceará, apesar de, em muitas cidades, a presença das mulheres ainda ser restrita.
Eleitores de 32 municípios cearenses elegeram apenas uma vereadora para o legislativo municipal. Em alguns casos, a disparidade entre homens e mulheres alcança níveis críticos — como em Itapipoca, onde a única cadeira conquistada por uma mulher representa 5,5% do total de vagas da Câmara Municipal.
A paridade de gênero — ou mesmo uma composição formada majoritariamente por mulheres — também é algo distante da realidade política da ampla maioria das cidades cearenses.
A partir de 2025, 96,7% das câmaras municipais do Ceará serão formadas por uma maioria masculina. O que significa que, das 184 cidades cearenses, apenas seis escolheram mais mulheres do que homens.
Apesar disso, a presença das mulheres nas câmaras municipais teve um crescimento no Ceará. Das cadeiras disponíveis, 23,19% serão ocupadas por mulheres, o que equivale a 504 vereadoras — somadas, as câmaras municipais possuem 2.173 parlamentares.
O número de vereadoras eleitas em 2024 é superior à eleição de 2020, quando 410 mulheres foram eleitas para o cargo — equivalente a 18,7% de vagas. A representação feminina nos cargos teve um aumento de 22,9%.
Presença feminina não alcança os 30%
Socióloga e pesquisadora do Laboratório de Estudos em Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará (Lepem/UFC), Paula Vieira afirma que o crescimento de vereadoras eleitas em 2024 ainda é "tímido".
Ela chama atenção para o fato de que o percentual de mulheres eleitas para as câmaras municipais no Ceará ainda não ter alcançado a cota de gênero — instrumento da legislação eleitoral que obriga que 30% das candidaturas para o cargo de vereador sejam femininas.
A cota existe desde 2009, mas passou a ter uma punição mais severa desde as eleições de 2016, quando foi cassada a primeira chapa de vereadoras — tanto eleitos como suplentes — por fraude à cota de gênero.
No Ceará, mais de 20 vereadores foram cassados por esse motivo. Em Alto Santo, por exemplo, foi preciso convocar novas eleições para a câmara municipal após a cassação dos mandatos de 7 dos 11 vereadores eleitos em 2020.
Raquel Machado, professora de Direito Eleitoral da Universidade Federal do Ceará (UFC), destaca esses fatores como fundamentais para o crescimento das mulheres eleitas, tanto para câmaras municipais como para prefeituras. "Ele decorre de um esforço global do ordenamento jurídico para o aumento da participação da mulher na política. Um esforço que decorre de um reforço normativo, de um reforço da jurisprudência e de uma vigilância das instituições", pontua.
"Mas o crescimento ainda não chegou no mínimo das cotas estabelecidas na campanha. Sabe o que significa? Significa que não é suficiente. Se a gente está estabelecendo o mínimo de 30% e não consegue chegar ao mínimo, nós estamos diante de uma sub-representação", completa Paula Vieira.
Investimento de partidos conservadores
Apesar do crescimento, Raquel Machado chama atenção para o fato de que, em Fortaleza, por exemplo, "não tivemos avanço". Nove vereadoras foram eleitas para a Câmara Municipal de Fortaleza, mesmo número observado nas eleições de 2020.
Entre as eleitas, duas estavam entre os vereadores mais votados da capital cearense, ambas do PL. A campeã de votos foi Priscila Costa (PL), reeleita para o terceiro mandato no legislativo municipal. A estreante Bela Carmelo (PL) foi a terceira mais votada em Fortaleza.
Diretora do Instituto Alziras, Tauá Pires explica que essa é uma tendência observada nacionalmente. "A gente observa uma movimentação de partidos da direita de estar dando mais espaço de representação para as mulheres", explica.
Ela pontua que nem sempre uma mulher eleita em partidos considerados de direita a nível nacional terá uma posição conservadora, já que existem particularidades das organizações partidárias a nível municipal. "Pode ser a janela que ela encontrou de participação", argumenta.
Apesar da ressalva, ela explica que ao fazer uma "foto maior do Brasil" se destaca o avanço do "campo mais conservador e da direita de maneira geral, nos Municípios e câmaras do País" e que, junto a isso, o avanço — e investimento — destes partidos em candidaturas femininas.
Ela cita como exemplo o próprio PL, a partir do PL Mulher, liderado pela ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. Uma estratégia com reflexo direto em capitais como Fortaleza.