CPI do 8 de Janeiro deve indiciar Bolsonaro por ameaça golpista
Por Rafael Moraes Moura — Brasília / O GLOBO
A CPI do 8 de Janeiro deve concluir seus trabalhos em meados de outubro com o pedido de indiciamento de Jair Bolsonaro por pelo menos quatro crimes cometidos durante o mandato: golpe de Estado, escuta telefônica ilegal, incitação ao crime e autoacusação falsa.
Tanto aliados quanto adversários do ex-presidente da República dão como certo que o relatório a ser apresentado pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA) vai associar os sucessivos ataques de Bolsonaro à Justiça Eleitoral e às urnas eletrônicas aos atos de vandalismo que culminaram com a invasão e a depredação do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF).
Nas contas de governo e oposição, há votos suficientes para aprovar o indiciamento do ex-presidente. A leitura do relatório de Eliziane está prevista para o dia 17 de outubro. Nas contas de governistas, a senadora terá o apoio de pelo menos 21 dos 32 integrantes da comissão, número mais do que o necessário para garantir a aprovação (17 votos).
Até mesmo membros da CPI que não concordam que Bolsonaro tenha cometido crimes acreditam que o relatório de Eliziane será aprovado – e apontam que a oposição cometeu um “erro de estratégia” ao se mobilizar pela instalação da comissão.
“A oposição termina numa situação muito ruim, porque não tem carta na manga”, disse um experiente parlamentar da comissão à reportagem. “Eles ficaram entusiasmados com a abertura da CPI, mas não têm noção de política e que vivem de oba-oba.”
Conforme antecipou a equipe da coluna, as acusações do hacker Walter Delgatti Netto, que prestou depoimento à CPI no mês passado, vão ser usadas para enquadrar Bolsonaro nos crimes de golpe de Estado (por conta da simulação de fraude nas urnas para desestabilizar o pleito eleitoral, com pena de quatro a 12 anos de prisão) e escuta telefônica ilegal – devido aos supostos grampos clandestinos contra o ministro Alexandre de Moraes, com pena de dois a quatro anos.
Ao sugerir que o hacker assumisse falsamente a autoria do grampo contra Moraes, o ex-presidente da República também poderia ser indiciado por participação no crime de autoacusação falsa (artigo 314 do Código Penal), – com pena de três meses a dois anos.
Por último, a promessa de indulto ao hacker e a sinalização da prisão de juízes que agissem contra o próprio hacker podem levar ao quarto crime identificado por congressistas lulistas: a participação, por indução, no delito de “incitação ao crime” com pena de detenção, de três a seis meses.
E a lista de crimes atribuídos a Bolsonaro ainda pode aumentar, a depender dos desdobramentos das investigações de que o ex-presidente se reuniu com a cúpula das Forças Armadas para discutir uma minuta que abria possibilidade para uma intervenção militar, conforme revelou a colunista Bela Megale.
Segundo integrantes da CPI ouvidos reservadamente pela equipe da coluna, os primeiros julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF), que levaram à condenação de dois réus a 17 anos de prisão e de um terceiro investigado a 14 anos de prisão pelos atos golpistas de 8 de janeiro também pavimentaram o caminho para que Bolsonaro seja responsabilizado por golpe de Estado no relatório de Eliziane.
“Os julgamentos no STF favorecem a narrativa do governo Lula e da relatora”, aponta um integrante da CPI.
O ex-servidor da Sabesp Aécio Lúcio Costa Pereira, o produtor rural Thiago de Assis Mathar e o entregador Matheus Lima de Carvalho Lázaro foram condenados por tentativa de golpe de Estado, associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Com a conclusão dos trabalhos da CPI, parlamentares da base governista apostam na troca de comando na Procuradoria-Geral da República (PGR) para dar prosseguimento às investigações contra Bolsonaro.
Em outubro de 2021, a CPI da Covid aprovou o relatório do senador Renan Calheiros (MDB-AL) que atribuía nove crimes a Bolsonaro, mas o procurador-geral da República, Augusto Aras, não deu prosseguimento às apurações, o que frustrou aliados de Lula.
Agora, com o fim do mandato do procurador-geral da República no próximo dia 26, a expectativa é a de que o sucessor de Aras dê um encaminhamento diferente aos trabalhos da CPI do 8 de Janeiro, resultando na apresentação de uma denúncia contra o ex-ocupante do Palácio do Planalto.