Muros permeáveis
O Estado de S.Paulo
25 Agosto 2018 | 03h00
A condenação e prisão do ex-presidente Lula da Silva por ter praticado os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro foi uma eloquente sinalização de que a igualdade de todos perante a lei não é um princípio vazio de sentido inscrito na Constituição, mas uma realidade há muito tempo ansiada pelos brasileiros. E, se a lei vale para todos, e vale, hão de ser aplicadas ao condenado Lula da Silva as mesmas restrições que são impostas aos demais internos do sistema carcerário. Não é isso que tem ocorrido.
A cela especial que Lula da Silva ocupa na sede da Polícia Federal em Curitiba tornou-se o comitê central da campanha eleitoral do PT. De lá, todos os dias, saem os “salves” – ordens que criminosos emitem aos comparsas que estão extramuros – com as diretrizes do chefão petista sobre os rumos das campanhas à Presidência, aos governos dos Estados em que o partido tem candidatos na disputa e aos cargos no Poder Legislativo. A rigor, a única coisa que difere Lula da Silva dos chefões do Primeiro Comando da Capital (PCC) ou do Comando Vermelho é a natureza dos crimes pelos quais foram condenados. De resto, as ordens do petista são ouvidas por seus destinatários tanto como as ordens dadas por “Fernandinho Beira-Mar” e “Marcola”, presos na Penitenciária Federal de Porto Velho (RO) e na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau (SP), respectivamente.
A permeabilidade dos muros do cárcere de Curitiba revela duas coisas. A primeira é que o PT foi, é e sempre será dependente do destino de seu líder máximo. O PT é Lula da Silva. O futuro da legenda está umbilicalmente ligado ao futuro de um criminoso condenado em duas instâncias judiciais em apenas um dos sete processos em que é réu. A segunda, mais grave por extrapolar a esfera privada em que está circunscrito um partido político, diz respeito ao beneplácito de autoridades públicas sem o qual não seria possível que Lula da Silva, de dentro de sua cela, turvasse o debate eleitoral no País como tem feito, causando enorme dano à Nação.
Registrado como candidato a vice-presidente de Lula da Silva na chapa petista – uma chapa eivada de um vício de origem a ser tratado em breve pela Justiça Eleitoral – o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad parece confortável no papel de títere de seu mentor, de garoto de recado e portador das cartas do cárcere. Ao que tudo indica, será ele o alçado à cabeça de chapa quando a candidatura de Lula da Silva, por óbvio, for impugnada. Sendo assim, com um candidato que não passa de um improviso para subverter o duro revés legal, o partido seguirá tendo Lula da Silva no comando de sua rota.
Lula da Silva continua no comando de seu partido e pauta o debate eleitoral mesmo não podendo ser candidato, por força da chamada Lei da Ficha Limpa, porque não está preso numa unidade prisional com as mesmas restrições que são aplicadas a outros presos. Foi um erro tê-lo recolhido, em caráter de exceção, à sede da Polícia Federal na capital paranaense. Além de o local não ser destinado ao cumprimento de pena, o vaivém de seus partidários, celebridades do meio artístico e advogados não raro constituídos apenas para ter livre acesso à cela, sem qualquer papel no que concerne à defesa de Lula da Silva, não seria tolerado com tamanha permissividade em uma unidade prisional regular.
Salvo os casos previstos na Lei de Execução Penal, presos não devem ser submetidos ao isolamento. E nem é disso que se trata. Como qualquer outro apenado, Lula da Silva tem o direito de receber visitas de membros de sua família, em dia certo, e de seus advogados, a qualquer tempo. O problema está no desvirtuamento das funções de advogado, figura fundamental para o Estado de Direito. O ex-presidente pode constituir tantos advogados quanto julgue necessários para exercer sua defesa. Já aqueles que aceitam o mandato para a defesa de Lula da Silva como mero subterfúgio para dar voz aos seus “salves” desvirtuam a nobre profissão, desafiam a Justiça e mostram à Nação a que interesses estão servindo.