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STJ anula quebra do sigilo de Flávio e caso pode voltar à estaca zero

Rafael Moraes Moura/ BRASÍLIA

23 de fevereiro de 2021 | 13h48

Por 4 a 1, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu nesta terça-feira (23) acolher um dos pedidos da defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e anular a quebra do sigilo bancário e fiscal do parlamentar no âmbito das investigações das rachadinhas, que estão em andamento desde 2018. No maior revés sofrido pelo Ministério Público do Rio até aqui, o STJ determinou que os investigadores retirem da apuração todas as informações obtidas a partir da quebra do sigilo de Flávio e outras 94 pessoas.

A decisão do colegiado deve levar ao esvaziamento da denúncia apresentada contra o filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa na investigação que apura indícios de desvios de salários de funcionários em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Conforme antecipou o Estadão, o ministro João Otávio de Noronha elaborou um voto que constrói uma saída jurídica para beneficiar Flávio.

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Em uma sessão tensa, marcada por trocas de farpas entre Noronha e o relator do caso, Felix Fischer, a Quinta Turma adiou para a próxima terça-feira a análise de outros dois recursos de Flávio, que possuem “potencial destrutivo” ainda maior para o futuro da apuração. Esses dois recursos podem derrubar o compartilhamento de informações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) com o Ministério Público e anular todas as decisões tomadas pelo juiz Flávio Itabaiana, que conduz o processo na primeira instância, o que levaria à implosão das investigações e o retorno do caso à estaca zero.

O relatório do Coaf que subsidiou as investigações, revelado pelo Estadão, apontou movimentação atípica de R$ 1,2 milhão em uma conta no nome de Fabrício Queiroz, um ex-assessor de Flávio Bolsonaro, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017.

O julgamento desta terça-feira foi acompanhado pelo criminalista Frederick Wassef, advogado da família Bolsonaro que se desligou do processo depois que Queiroz foi preso – o ex-assessor foi encontrado em Atibaia, no interior de São Paulo, em um imóvel ligado a Wassef.  A aparição do advogado no julgamento de Flávio provocou surpresa entre os presentes e foi vista como uma forma de fazer “média” com o presidente da República.

Antes da decisão favorável do STJ, a defesa de Flávio já havia obtido vitórias no Supremo Tribunal Federal (STF) que levaram à paralisação do caso das rachadinhas. Os advogados do parlamentar, que jogam com o tempo, usaram a questão do foro privilegiado e o compartilhamento de informações sigilosas para travar as investigações.

Fundamentação.

O julgamento de Flávio começou pela análise do recurso da defesa do parlamentar que questiona a quebra de sigilo de Flávio e outras 94 pessoas e empresas, em abril de 2019.  “As decisões de quebra de sigilo foram consideradas válidas em todos os sentidos”, frisou Fischer, que acabou isolado no julgamento.

Noronha, por outro lado, concordou com as alegações da defesa de Flávio Bolsonaro, de que a decisão foi mal fundamentada. Alinhado ao Palácio do Planalto, Noronha tem um perfil garantista, mais propenso a ficar do lado de investigados – e tem sido criticado, nos bastidores, por tentar se cacifar para a vaga que será aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) em julho.

“Ele (o juiz Flávio Itabaiana) afasta o sigilo de 95 pessoas, cada investigado tem uma situação, numa decisão de duas linhas. Em verdade, o magistrado não se deu ao trabalho de adotar de forma expressa as razões do pedido do Parquet (Ministério Público), apenas analisou os argumentos, concluindo que a medida era importante. Apenas isso. A decisão é manifestamente nula”, criticou Noronha.

O ministro Reynaldo Soares da Fonseca concordou com Noronha, também considerando a decisão de quebra do sigilo mal fundamentada. “Não posso concordar com a legitimidade do magistrado de primeiro grau com a quebra de sigilo bancário e fiscal. A decisão se limita a cinco linhas. Isso não pode ser considerado uma decisão fundamentada, ainda que sucinta. Não há qualquer referência aos critérios necessários para a quebra de um sigilo bancário e fiscal”, criticou Fonseca.

Na avaliação do ministro Ribeiro Dantas, a quebra do sigilo foi “absolutamente genérica”. “Entendo que a decisão não está devidamente fundamentada para esse tema da quebra do sigilo”, afirmou.

O senador Flávio Bolsonaro. Foto: Wilton Júnior / Estadão

Outros recursos. A defesa de Flávio também questiona o relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que acusou movimentações suspeitas do ex-assessor Fabrício Queiroz, apontado como operador do suposto esquema, e colocou o senador do centro das investigações. Segundo os advogados, houve quebra dos sigilos bancário e fiscal sem autorização judicial.  A análise desse segundo recurso foi adiada para a semana que vem, mas Noronha antecipou a sua posição nesse ponto.

“O Coaf não é o órgão de investigação e muito menos de produção de prova. Tem de fazer o relatório de investigação e mandar, e não pode ser utilizado como auxiliar do Ministério Público em termos de investigação”, disse Noronha.

A postura de Noronha, que votou no segundo recurso antes mesmo do relator, irritou Fischer, que ainda não votou sobre esse ponto específico.

“Em 40 anos de tribunal, nunca vi o relator ficar para depois, nunca vi, em hipótese alguma. Isso não existe!”, criticou Fischer. “Estou pedindo o adiamento, para trazer na próxima sessão. Estou só dizendo que eu não pretendo levar hoje, e sim na próxima sessão. Não apresentei voto nenhum agora.”

Os advogados de Flávio ainda pedem a anulação de todas as decisões do juiz Flávio Itabaiana Nicolau, da 27ª Vara Criminal do Rio, que conduziu as investigações por quase dois anos, enquanto o inquérito correu em primeira instância. Em junho, o Tribunal de Justiça fluminense decidiu que o senador tem direito a foro especial e transferiu o caso para o segundo grau.

Caso concorde com os argumentos da defesa e anule decisões e elementos centrais para o início das apurações, o STJ pode abrir caminho para que os advogados do senador possam questionar uma série de desdobramentos – inclusive a própria denúncia.

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