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Governo fecha 1º ano da gestão Lula com rombo de R$ 230,5 bi nas contas, o 2º maior da história

Por Fernanda Trisotto e Amanda Pupo / O ESTADÃO DE SP

 

 O governo fechou o ano passado, o primeiro da gestão Lula, com o segundo maior rombo nas contas públicas já registrado na série histórica iniciada em 1997. Segundo os dados divulgados nesta segunda-feira, 29, pelo Tesouro Nacional, o déficit primário (resultado das receitas menos as despesas, sem levar em conta o pagamento dos juros da dívida pública) ficou em R$ 230,5 bilhões, o equivalente a 2,1% do PIB.

 

No ano anterior, essa conta havia ficado positiva – um superávit de R$ 54,1 bilhões, um resultado considerado “fora da curva”. O pior resultado da série histórica foi registrado em 2020, primeiro ano da pandemia da covid-19, quando o déficit primário foi de R$ 939,5 bilhões (em números corrigidos pela inflação).

 

A explicação para o tamanho do rombo do ano passado é a antecipação do pagamento de precatórios (dívidas judiciais do governo nas quais não cabe mais recurso) de R$ 92,3 bilhões, além da compensação a Estados e municípios em razão nas perdas na arrecadação com ICMS, segundo o secretário do Tesouro, Rogério Ceron. Segundo ele, sem isso, o déficit teria ficado em R$ 138,1 bilhões, ou 1,27% do PIB.

 

A meta fiscal ajustada para 2023 admitia um rombo de até R$ 213,6 bilhões nas contas do Governo Central (Tesouro, Previdência Social e Banco Central). No último Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas, publicado em novembro, o Ministério do Planejamento e Orçamento estimou um resultado deficitário de R$ 177,4 bilhões nas contas, equivalentes a 1,9% do PIB.

 

O ministro da Fazenda , Fernando Haddad, havia prometido um déficit de 1% do PIB em 2023, mas a equipe econômica já admitia que poderia ficar em torno de 1,3%. Com o pagamento dos precatórios, foi impossível chegar a esse número. O pagamento das dívidas judiciais da União foi feito por meio da abertura de crédito extraordinário com autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) – ou seja, apesar de contabilizado nas contas do governo, não configura descumprimento da meta fiscal.

 

O pagamento dos precatórios estava represado devido à “PEC do Calote”, que “pedalou” o pagamento desses débitos da União, durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, até 2026. A PEC foi proposta em 2021 para enfrentar o que o então ministro da Economia, Paulo Guedes, chamou de “meteoro”, que ia colidir contra as contas públicas: uma fatura de R$ 89 bilhões que teria de ser honrada em 2022, durante o período eleitoral, com Bolsonaro buscando a reeleição.

 

Em dezembro do ano passado, porém, o governo Lula editou uma Medida Provisória que abriu um crédito extraordinário – fora do limite de despesas – de R$ 93,1 bilhões para quitar esse estoque de precatórios represados.

 

Desafio

Com ou sem precatórios, os números mostram o tamanho do desafio do governo para este ano, quando a meta a ser perseguida é de zerar o déficit, de acordo com as regras previstas no novo arcabouço fiscal, que substituiu a regra do teto de gastos. No mercado financeiro, é praticamente unanimidade que o governo não conseguirá cumprir o objetivo de zerar o déficit, e que a meta terá de ser reformulada em algum momento para acomodar um rombo que, para muitos, é inevitável.

 

O equilíbrio orçamentário é importante para a redução da dívida pública, o que acaba tendo impacto na inflação, nos juros e na atração de investimentos. Mas, tirando o superávit extraordinário registrado em 2022, o País convive com déficits nas contas desde 2013.

 

A XP Investimentos, por exemplo, segue projetando novo déficit primário para o Governo Central em 2024, de 0,6% do PIB. Para o economista da corretora Tiago Sbardelotto, as medidas recém-aprovadas pelo governo, de aumento de receita, deverão trazer efeitos positivos para a arrecadação, mas não o suficiente para o atingimento da meta de déficit zero neste ano.

”Algumas receitas incluídas no orçamento permanecem altamente incertas, como os R$ 34,5 bilhões das concessões ferroviárias e os R$ 35 bilhões da mudança nos subsídios do ICMS”, disse Sbardelotto, em nota. Ele ainda acrescenta que a provável extensão do programa de desoneração da folha de pagamento pode impor um viés de baixa nas receitas previdenciárias esperadas pelo governo.”Além disso, ainda vemos pressão proveniente de gastos relacionados à previdência e assistência social, o que poderia exigir algum bloqueio nas despesas discricionárias (mas não deve aumentar o gasto total).”

 

O economista-chefe do Banco BMG, Flavio Serrano, também projeta um novo déficit primário para o Governo Central em 2024, de pouco menos de 1% do PIB. Segundo ele, em um cenário otimista, com efeito da elevação de receitas pretendido pelo governo, o saldo negativo diminuiria para cerca de 0,6% do PIB. Mesmo assim, ainda ficaria acima da margem de tolerância admitida no arcabouço fiscal, que é um déficit de 0,25% para uma meta zero.

 

Em entrevista recente para o Estadão, o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita, disse que, em março, o governo “vai ter de escolher entre alterar a meta (de resultado primário), fazer contingenciamento (do orçamento), ou uma combinação dos dois”. Para ele, será aceitável um rombo nas contas de até 1% neste ano, porque isso significaria uma queda acentuada em relação ao visto no ano passado, indicando um esforço na questão fiscal. “Se passar de 1%, vai gerar preocupação, de 1,5% mais ainda, 2%, então, nem se fala, dado que no ano passado já foi acima disso”, disse.

 

‘Bons sinais’

Na avaliação de Rogério Ceron, no entanto, embora o resultado do ano tenha sido o segundo pior da série histórica, o número já indica o início de um processo de recuperação fiscal. “Nossa sinalização para o horizonte de médio prazo é de reversão desta tendência que vem acontecendo em mais de uma década, de piora a cada um desses ciclos”, disse o secretário, reforçando que o governo trabalha para se aproximar de resultados mais próximos do equilíbrio orçamentário. “Esperamos que a partir de 2024 o movimento de recuperação fiscal fique mais nítido.”

 

Ele citou que, de janeiro de 2019 a dezembro de 2022 (mandato de Jair Bolsonaro), o resultado primário anualizado registrou uma média de déficit de R$ 263,2 bilhões. “Fechamos com um resultado que já é melhor que a média dos últimos anos”, disse.

 

Apesar da descrença do mercado, Rogério Ceron diz que o governo vê “bons sinais” para o cumprimento da meta fiscal em 2024, em linha com o planejado pela Fazenda, que prevê zerar o déficit. Na avaliação do secretário, a regra do arcabouço que limita o crescimento das despesas é a essência do novo marco fiscal e irá garantir que “ano a ano” o Executivo melhore seu resultado. “Tem meta mais arrojada justamente para acelerar a recuperação”, afirmou.

 

O secretário disse ainda que os dados preliminares da arrecadação de janeiro mostraram uma “performance” de entrada de receitas maior do que a inicialmente esperada pela pasta. Ceron pontuou que houve “muito avanço” na correção de distorções fiscais, com a ajuda do Congresso Nacional. “Agradecemos o empenho do Congresso e Judiciário, que estão nos apoiando numa agenda de Estado, de recuperação econômica”, disse.

 

Questionado sobre o objetivo traçado para 2024, após economistas e o Tribunal de Contas da União (TCU) apontarem risco de superestimação da projeção de receitas, Ceron pontuou que a partir de fevereiro o governo terá dados mais atualizados para avaliar a performance estimada para o ano. “Mas os dados parciais de janeiro mostram uma performance até maior do que o esperado”, disse.

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