CELSO DE MELLO INCOMODA O PODER DESDE O GOVERNO SARNEY
Quem vê as críticas do presidente Jair Bolsonaro ao ministro Celso de Mello talvez não saiba que o hoje decano do Supremo Tribunal Federal (STF) incomoda o governo desde 1989. O ministro foi nomeado para a Corte por José Sarney. A indicação foi feita pelo então Consultor-Geral da República, Saulo Ramos, de quem Celso era secretário. Anos mais tarde, no livro “Código da Vida”, o mesmo Saulo Ramos, morto em 2013, chamou o ex-subalterno de “juiz de merda”.
No livro, Ramos lembra que Sarney queria fixar o domicílio eleitoral no Amapá e, no julgamento, Celso teria votado por último, contra o pedido, quando o placar já estava definido a favor do ex-presidente. Para Saulo, Celso só votou assim para aparentar independência porque, antes do julgamento, uma reportagem informou que o ministro votaria a favor de Sarney. Depois do julgamento, ainda segundo o livro, Celso teria telefonado para Ramos para dar essa explicação.
Quando o livro saiu, o decano negou o telefonema para Ramos e disse que votou contra Sarney por convicção. Na mesma obra, o autor escreveu que Celso tinha a tendência de “favorecer poderosos”. Certos episódios da vida do decano mostram o contrário.
Antes de ser ministro do STF, Celso de Mello foi promotor do Ministério Público de São Paulo. Acabou fichado no Serviço Nacional de Informações (SNI) por dois episódios, embora nunca tivesse participado de qualquer grupo de militância contra a ditadura. Como promotor, elaborou um parecer para licenciar uma diretoria estudantil que o regime militar considerava subversivo. A segunda menção no SNI foi por um discurso proferido na inauguração do fórum de Osasco, em São Paulo. Com cerca de 500 pessoas no auditório, ele disse duras palavras contra o Ato Institucional 5.
Em 2018, durante o julgamento de um habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o decano voltou a se insurgir contra os militares. Ele rebateu a declaração do então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, feita pouco antes. De acordo com o decano, intervenções militares diminuem o “espaço institucional reservado ao dissenso, limitando, desse modo, com danos irreversíveis ao sistema democrático, a possibilidade de livre expansão da atividade política e do exercício pleno da cidadania”.
Se a fala recente de Celso não rendeu nenhuma represália das autoridades, a manifestação feita na ditadura foi responsável por estacionar a carreira dele no Ministério Público por anos. Cabia ao governador – na época, Paulo Maluf – autorizar as promoções de procuradores. Aprovado em primeiro lugar no concurso, Celso de Mello sempre era promovido por merecimento. Depois do discurso, isso mudou.
Mas nem sempre Celso de Mello se alinhou contra os poderosos. Em dezembro de 1994, o decano participou de seu primeiro julgamento histórico. Na época, o STF absolveu o ex-presidente da República Fernando Collor de Mello das acusações de corrupção passiva. Celso votou com a maioria. Entendeu que não havia provas suficientes para justificar a condenação.
Em 2012, entretanto, o ministro foi duro com os réus do mensalão. Na maioria dos casos, votou pela condenação. Em um voto, o decano disse que o esquema foi um verdadeiro assalto à administração pública, pôs em risco a legitimidade do processo democrático e a integridade do sistema financeiro nacional. Na ocasião também chamou os políticos corruptos de “marginais do poder”.
Entre os réus do mensalão, estava um que morou com ele em 1968 numa pensão em São Paulo: o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, apontado como chefe da quadrilha responsável por desviar dinheiro público e comprar o apoio de deputados no Congresso Nacional. Segundo o decano, embora coabitassem, os dois nunca foram amigos.
Apesar de incomodar, Celso de Mello alçou o posto de personalidade pública acima de bem e do mal ao longo dos anos. Em seu gabinete, há uma foto simbólica, capturada no fim da década de 1990. Celso era presidente do STF; Michel Temer presidia a Câmara dos Deputados; Antonio Carlos Magalhães, o Senado; e Fernando Henrique Cardoso era o presidente da República. Estavam todos enfileirados diante do ministro aguardando um cumprimento.
Há pelo menos 20 anos, ouve-se na corte rumores de que Celso vai antecipar a aposentadoria. Agora, às vésperas de completar 75 anos, em novembro, quando será aposentado compulsoriamente, o decano mostra que ainda está disposto a afrontar o poder. COLUNA/ÉPOCA

