AS Empresas criticam suspensão da desoneração da folha e dizem que medida pode afetar empregos
Por Redação / o estadão de sp
A concessão de uma liminar, pelo ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendendo a desoneração da folha de pagamentos de 17 setores da economia provocou uma forte reação dos setores envolvidos. A avaliação é que a decisão gera uma situação de insegurança jurídica e coloca em risco empregos e o equilíbrio econômico-financeiro das empresas. Um cálculo da União Geral dos Trabalhadores (UGT) aponta para a possibilidade de perda de 1 milhão de empregos no País sem a desoneração. No início da noite, o Senado apresentou um recurso no STF contra a decisão de Zanin.
“Esperamos que no julgamento do mérito da ação impetrada pelo governo contra os efeitos da Lei 14.784/2023, que prorrogou a desoneração até 2027, esta seja mantida pelo STF”, disse, em nota, a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit). “Caso contrário, as consequências econômicas e sociais serão graves, com agravamento do desemprego.”
De acordo com a associação, cabe considerar que “as empresas, embasadas na promulgação soberana de uma lei pelo Congresso Nacional, já fizeram investimentos, contrataram pessoas e se planejaram para um ambiente regulatório, até 2027, no qual os custos trabalhistas referentes à contribuição previdenciária patronal seriam menores. Portanto, um retrocesso da legislação seria altamente nocivo, evidenciando por que a insegurança jurídica tem sido um dos fatores mais corrosivos da competitividade e agravamento dos custos das empresas que operam no Brasil”.
Segundo a Abit, ao judicializar essa questão, “o Executivo cria um cenário de total imprevisibilidade, que gera incertezas, abala a confiança dos setores produtivos e conspira contra a manutenção e criação de empregos”.
O movimento ‘Desonera Brasil’, formado por 23 associações de setores incluídos na desoneração da folha de pagamento, divulgou carta em que afirma que a ação para derrubar a desoneração da folha até 2027 gera insegurança jurídica. Ainda de acordo com o grupo, a ação coloca em risco impactos positivos da medida para a economia do País.
“Essa política pública da tributação substitutiva da folha por porcentuais da receita bruta promoveu, no período de janeiro de 2011 a fevereiro de 2024, um crescimento de 9,7% no número de empregos gerados pelos 17 setores abrangidos por essa sistemática tributária, voltada à promoção do emprego formal”, diz a carta, que afirma que desde 2019, o crescimento foi de 19,6%.
Segundo o Desonera Brasil, os 17 setores beneficiados empregam 9,3 milhões de pessoas, e criou 151 mil empregos nos dois primeiros meses do ano. O movimento menciona ainda que o salário médio nestes setores é 12,7% maior ao dos setores que não são desonerados, dados que comprovariam os benefícios da medida.
O ‘Desonera Brasil’ afirma que o projeto de lei de 2023 que levou à nova prorrogação do benefício teve trâmite completo e foi debatido pelo Congresso, inclusive por parte de integrantes da base do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Esse debate tratou tanto de impactos fiscais quanto do mérito da política, de acordo com a carta.
Ainda segundo o ‘Desonera Brasil’, os setores vão manter diálogo com os Três Poderes para demonstrar a insegurança jurídica que envolve o tema. Diz também que confia que o STF poderá revogar a decisão monocrática de Zanin a favor do governo.
Para a presidente da Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática (Feninfra), Vivien Mello Suruagy, a decisão de Zanin mostra falta de sensibilidade com as empresas e, principalmente, com os trabalhadores. “Estamos em choque com essa decisão, que vai estimular a quebra de empresas e causar demissões. Haverá paralisação de investimentos essenciais e uma perda de credibilidade do País, por causa da insegurança jurídica”, disse, em nota.
Vivien Suruagy lembra, ainda, que a decisão liminar contraria a vontade de grande parte do Congresso. “Onde está o respeito à maioria dos parlamentares, que aprovaram no ano passado a continuidade da desoneração até 2027 e, posteriormente, derrubaram o veto presencial que restringia seus efeitos?”
A executiva ressaltou, na nota, que o próprio Supremo, por meio do então ministro Ricardo Lewandowski, já julgou em 2021 a constitucionalidade da desoneração. “O governo está alegando, agora, a inconstitucionalidade da medida. Vai mudar o que já foi decidido por Ricardo Lewandowski, que agora é ministro da Justiça?”, argumentou. “É uma incoerência de um governo que, historicamente, sempre defendeu a bandeira do emprego.”
Outro setor atingido, o calçadista, também reagiu. O presidente executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira, disse que a medida é um retrocesso, já que a desoneração da folha de pagamentos já havia sido amplamente discutida - e aprovada - no Congresso Nacional, inclusive com parlamentares da base de apoio do Governo Federal.
“É um balde de água fria para o setor calçadista, que recentemente reportou a criação de mais de 5 mil empregos no primeiro bimestre do ano, no que parecia ser o início de uma recuperação lenta e importante depois de um ano de 2023 de dificuldades”, disse, em nota. Segundo o executivo, a decisão do STF ilustra o crescimento dos custos produtivos no Brasil. “O assunto estava pacificado após ampla mobilização e discussões no Congresso Nacional, mas infelizmente o Governo Federal não respeitou a vontade do parlamento. É uma medida que enfraquece a política e a própria democracia.”
O presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, foi outro que criticou a decisão de Zanin. “O entendimento geral é que a extensão da desoneração dos 17 setores é plenamente constitucional. A manutenção da desoneração tem sido decisiva na geração e preservação de empregos”, disse.
Flavio Roscoe, presidente da Federação das Indústrias dos Estados de Minas Gerais (Fiemg), disse que a decisão liminar de Zanin é um equívoco e gera insegurança jurídica. “A desoneração já existe há mais de 10 anos, foi aprovada pelo Congresso e criada pelo próprio governo que está questionando. Essa questão está mais do que fundamentada. Na nossa leitura, isso cria uma instabilidade jurídica enorme e acreditamos que esse não é o melhor caminho.”
Para ele, na prática, esse valor não estava previsto no Orçamento federal, já que a desoneração existe há uma década. Nesse caso, não há supressão de receita, que é o argumento do governo ao STF. “O governo apenas manteve um incentivo já vigente, não houve uma isenção adicional. Nesse sentido, a inconstitucionalidade não existe, tanto é que o governo não a adotou na primeira iniciativa, ele tentou mudar a medida no Congresso. Como não deu certo, ele decidiu judicializar.”
Trabalhadores
Além das empresas, a suspensão da desoneração também preocupa sindicatos de trabalhadores, por seus potenciais efeitos nos empregos. “A desoneração da folha permite que as empresas mantenham e, principalmente, aumentem o nível de emprego”, disse, em nota, Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT). “Até um estudante de economia em formação sabe que emprego gera renda, renda impulsiona o consumo, e o consumo resulta em impostos, os quais o governo afirma perder com a desoneração da folha. Logo, há uma incoerência na decisão.”
Para Patah, a decisão do ministro Zanin tem efeito imediato. “Já na próxima semana é possível que ocorra um aumento no volume de demissões em todo o país. A UGT, representando 12,5 milhões de trabalhadores de todos os setores econômicos, espera que o STF julgue a ação de forma definitiva, rejeitando os argumentos do governo e restabelecendo o projeto aprovado pelo Congresso, evitando assim milhares de demissões”, disse.
Municípios
A decisão de Zanin, que foi acompanhada nesta sexta-feira, 26, pelos ministros Flávio Dino e Gilmar Mendes, provocou reação também dos prefeitos - a decisão suspendeu a desoneração das folhas dos municípios. Em nota, o presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, disse “repudiar profundamente” que o governo federal “atue pela retirada de uma conquista estimada em R$ 11 bilhões por ano ao judicializar a Lei 14.784/2023″.
“É lamentável retirar a redução da alíquota para aqueles que estão na ponta, prestando serviços públicos essenciais à população, enquanto há benefícios a outros segmentos, com isenção total a entidades filantrópicas e parcial a clubes de futebol, agronegócio e micro e pequenas empresas”, disse. “O movimento municipalista reitera que a Lei 14.784/2023, nesses três primeiros meses do ano, garantiu uma economia de R$ 2,5 bilhões, do total de R$ 11 bilhões estimados para o ano.”
Estudo do governo
A Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda, porém, divulgou um novo estudo nesta sexta-feira, 26, colocando em xeque a eficiência da política de desoneração da folha de pagamentos do setor privado. “Dado o elevado custo fiscal da medida (R$ 15,8 bilhões estimados para 2024), que implica menor disponibilidade de recursos para outras políticas públicas essenciais, pode-se concluir que a prorrogação irrestrita do modelo de desoneração contraria o interesse público”, diz o documento.
O estudo avaliou a dinâmica das atividades desoneradas em relação às que não tiveram o benefício. O documento diz que as atividades desoneradas representavam 17% do número de vínculos e 7% da massa salarial em 2021, números que diminuíram ao longo da vigência da política, no agregado. “Embora não se trate de números desprezíveis, não há respaldo para o rótulo de ‘17 maiores empregadores’”, diz o texto. Segundo o documento, no período entre 2015 e 2021, as atividades desoneradas tiveram retração no número de vínculos e no rendimento agregado, ao passo que as atividades não desoneradas expandiram o número de vínculos e a massa salarial.
O pedido de suspensão da desoneração, feito pela Advocacia Geral da União ao STF e acatado por Zanin, argumenta que a lei que prorrogou a desoneração é inconstitucional porque não demonstrou o impacto financeiro da medida.
Mas a judicialização do tema criou um novo embate do governo com o Legislativo. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, prometeu entrar ainda hoje com recurso contra a decisão. Segundo ele, o Congresso aprovou medidas para o governo aumentar sua arrecadação, e que esse incremento paga a desoneração sem problemas.
Idas e vindas
Adotada desde 2011, a desoneração é um benefício fiscal que substitui a contribuição previdenciária patronal de 20%, incidente sobre a folha de salários, por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. Na prática, a medida reduz a carga tributária devida pelas empresas. O benefício, porém, perderia a validade no fim do ano passado.
O Congresso, então, aprovou em outubro um projeto prorrogando até 2027 a desoneração da folha de 17 setores e também reduzindo a alíquota de contribuição previdenciária de pequenos municípios. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou o projeto em novembro, mas o Congresso derrubou o veto integral em 14 de dezembro, com placares folgados. O governo tentou a reoneração via medida provisória, o que acabou não dando certo, por conta da forte reação do Congresso. A ida ao STF é, por isso, apenas o mais novo capítulo dessa briga.
Desoneração da folha: por que 20 de maio é data-chave para as empresas à espera de decisão do STF
Por Carolina Maingué Pires (Broadcast) e Lavínia Kaucz (Broadcast) / o estadão de sp
Se a liminar dada pelo ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal, suspendendo a desoneração da folha de pagamentos de 17 setores da economia, continuar valendo pelas próximas três semanas, haverá um impacto direto para milhares de empresas que contratam mais de 9 milhões de pessoas. O dia 20 de maio é a próxima data para recolhimento da contribuição patronal, segundo advogados ouvidos pelo Estadão/Broadcast.
O tributo “cheio” já está incidindo proporcionalmente sobre os salários desde o dia 25 de abril, quando Zanin a publicou liminar suspendendo trechos da lei que prorrogou a desoneração da folha. Como o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) protocolada pelo governo foi paralisado após pedido de vista do ministro Luiz Fux na sexta-feira, 26, o que vale, por enquanto, é a decisão de Zanin.
Até a suspensão, havia cinco votos para a manutenção da liminar - ou seja, faltava apenas um para formação de maioria. Fux tem até 90 dias para devolver o processo para julgamento e ainda não há expectativa para a devolução, segundo apurou o Estadão/Broadcast.
Também na sexta-feira, o Senado apresentou um recurso no próprio STF contra a decisão de Cristiano Zanin. No recurso, advogados do Senado alegam, inicialmente, que a decisão monocrática de Zanin não observa os preceitos legais e sequer ouviu o Congresso e a Procuradoria-Geral da República (PGR).
“A lei que rege o processo constitucional de controle concentrado pelos instrumentos de ADI (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) e de ADC (Ações Declaratórias de Constitucionalidade) jamais previu a possibilidade de deferimento de medida cautelar por decisão monocrática do relator”, diz o Senado na petição.
Caminhos para as empresas
No cenário atual - ou seja, com a liminar em vigor -, a advogada Isabelle Tralli, do escritório VBD, explica que há três caminhos possíveis para as empresas. O primeiro deles é seguir a determinação e recolher os tributos. O segundo é entrar na Justiça para questionar a reoneração e fazer um depósito judicial com os valores em disputa até o Supremo tomar uma decisão definitiva, no mérito, sobre o tema. A terceira opção, mais arriscada, é continuar recolhendo os tributos com base na lei da desoneração.
“Para aqueles empresas que decidam aguardar a decisão definitiva do STF para só então deixar de aplicar a desoneração, é melhor provisionar internamente os valores. Essa decisão é a mais arrojada e não se alinha com a decisão do ministro Zanin”, observa a tributarista.
O tributarista Gustavo Taparelli, sócio da Abe Advogados, avalia que a expectativa jurídica é desfavorável ao contribuinte, considerando a composição do Supremo. Mas ele destaca que a expectativa política é mais positiva, tendo em vista a força do Congresso. Isso porque, o argumento que baseou o pedido do governo e a decisão de Zanin foi a falta de estudos sobre o impacto financeiro da desoneração. O Congresso, por outro lado, disse que já está providenciando essas informações para apresentar ao ministro.
“As empresas estão aguardando. Nossa orientação é não tomar nenhuma via judicial, aguardar um pouco”, aconselha.
Noventena
Ainda que a cautelar produza efeitos imediatos para o recolhimento dos tributos, advogados ponderam que há grande chances de isso ser questionado na Corte. Segundo o tributarista André Mendes Moreira, sócio do Sacha Calmon Misabel Derzi Advogados, a jurisprudência do STF garante pelo menos 90 dias para a volta da tributação quando algum benefício fiscal é revogado. “É a própria jurisprudência do STF. Quando você declara inconstitucional algum benefício fiscal, no caso das contribuições, você tem que dar ao contribuinte a noventena”, afirma.
Cristiane Romano, sócia da área de Tributário do Machado Meyer Advogados, explica que o prazo tem relação com o princípio da anterioridade, previsto na Constituição. “O artigo 195, parágrafo 6º, determina que as contribuições sociais só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado”, observa.
Até o momento, não há pedidos específicos no STF para que a decisão de Zanin passe a valer somente depois dos 90 dias, mas o Senado e entidades do setor produtivo já apresentaram recursos para tentar derrubar a liminar. A Federação das Indústrias do Estado do Paraná (FIEP), que pediu para ser aceita como amicus curiae (terceiro interessado na causa), pleiteou que a cautelar não seja referendada pelo plenário ou, no mínimo, que haja a “modulação prospectiva dos seus efeitos”. A entidade, no entanto, não entrou em detalhes sobre a modulação.
De acordo com Taparelli, da Abe Advogados, o governo ainda pode argumentar que o contribuinte deveria estar preparado para a reoneração desde a edição da medida provisória (MP) 1.202/2023, que revogou trechos da Lei da Desoneração. A MP determinou que a cobrança iniciaria em 1º de abril, 90 dias após sua publicação. Na data, porém, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), decidiu prorrogar apenas parte da medida, excluindo a reoneração. Como o governo havia estabelecido os 90 dias para o início da cobrança, a argumentação pode ser de que contribuintes já deveriam estar preparados para recolher o tributo cheio no dia 1º de abril.
O que é a desoneração
A desoneração da folha é um benefício fiscal que substitui a contribuição previdenciária patronal de 20% incidente sobre a folha de salários por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. Ela resulta, na prática, em redução da carga tributária da contribuição previdenciária devida pelas empresas.
Tarcísio e Caiado participam de ato com Bolsonaro em Ribeirão Preto e não vão à abertura da Agrishow
Por Pedro Augusto Figueiredo / O ESTADÃO DE SP
Os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e de Goiás, Ronaldo Caiado (União), participaram de uma manifestação em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em Ribeirão Preto neste domingo, 28, enquanto a Agrishow, principal feira do agronegócio do País, realizava sua cerimônia de abertura com a presença do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD).
No ano passado, Fávaro foi “desconvidado” da abertura do evento, porque o ex-presidente também estaria presente, em um sinal da resistência do setor ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A polêmica cresceu e a Secretaria de Comunicação da Presidência chegou a dizer que o Banco do Brasil retiraria o patrocínio ao evento, o que não ocorreu. A abertura foi cancelada.
Bolsonaro, Tarcísio e Caiado irão à feira nesta segunda-feira, 29. A Agrishow adaptou a programação e evitou novos atritos: a cerimônia oficial passou a ser realizada no domingo, com a presença apenas de autoridades, convidados e imprensa, enquanto a abertura do evento ao público em geral continua na segunda-feira. A organização nega que a alteração esteja relacionada com o episódio de 2023 e diz que o novo formato trará “grande ganho para todos com a realização (da abertura) fora do funcionamento normal da feira”.
Caiado e Tarcísio são apontados como possíveis sucessores de Bolsonaro na eleição presidencial de 2026. O ex-presidente está inelegível até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Enquanto o goiano não esconde a vontade de concorrer ao cargo, o governador paulista sinaliza que seu desejo é ser reeleito para o Palácio dos Bandeirantes. No início da semana, eles participaram de um painel promovido pela Esfera Brasil que teve ares de debate eleitoral, com os dois apresentando suas visões sobre temas como segurança e contas públicas.
Neste domingo, Bolsonaro realizou uma motociata e foi recebido aos gritos de “mito” quando chegou ao caminhão de som que estava preparado para o seu discurso. Além de Tarcísio e Caiado, o deputado federal Ricardo Salles (PL-SP) e outros aliados acompanharam o ex-presidente no ato em Ribeirão Preto.
“O Tarcísio é muito melhor do que eu em tudo, menos em uma coisa: eu sou mais bonito do que ele, ou não sou? E depois que ele passou a usar o perfume Bolsonaro, ele passou a ser irresistível”, disse Bolsonaro em elogio ao seu ex-ministro da Infraestrutura. O ex-presidente dá o nome a um perfume, lançado pelo maquiador e influenciador Agustin Fernandez, apoiador de Bolsonaro e amigo próximo da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.
Tarcísio retribuiu o gesto, disse que a população estava com “saudade” de Bolsonaro e repetiu parte do discurso que fez no ato da Avenida Paulista, em fevereiro. “A gente está muito feliz de estar aqui com o presidente Bolsonaro. Presidente que deixou de ser um CPF e passou a ser um movimento. O legado dele está escrito na história”, afirmou.
O ex-chefe do Executivo federal disse ainda que é preciso virar a página da derrota na eleição de 2022 e afirmou que o governo Lula carece de apoio popular. “A vida de ex não é fácil. Mas eu sou o ex mais amado do Brasil”, afirmou Bolsonaro aos apoiadores.
Jogo combinado
Por Merval Pereira / O GLOBO
O voto monocrático do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cristiano Zanin, bloqueando a decisão do Congresso de desonerar a folha de pagamentos de empresas de 17 setores da economia, revela uma tabelinha entre Executivo e Judiciário que há muito vinha sendo cultivada pelo presidente Lula. O Legislativo aprovou a prorrogação com apoio da ampla maioria dos parlamentares, inclusive de boa parte da base aliada, mas o Executivo vetou. Veto que foi derrubado sem qualquer dificuldade, mas, mesmo assim, o Executivo voltou à carga, editando, em pleno recesso, uma medida provisória para reonerar a folha, insistindo em afrontar a vontade dos legisladores.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um dos apoiadores mais consistentes do governo, anotou que a medida provisória foi editada após a aprovação de temas importantes da agenda econômica proposta pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Alguns aspectos, fundamentais, só entrariam em vigor meses depois, o que parecia indicar a vontade de ganhar tempo para negociar com o Congresso.
Mas a Advocacia Geral da União (AGU) pegou de surpresa os parlamentares ao protocolar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF no dia 24, às 14:03h, assinada pelo presidente Lula. No final da tarde, ela foi distribuída por prevenção ao Ministro Zanin. No dia seguinte à tarde, foi concedida a liminar, e um dia depois se iniciou o julgamento no plenário virtual. Pouco mais de 48 horas após o protocolo, e 24 horas depois de o relator receber a ação, já havia 4 votos acompanhando o relator: ministros Flavio Dino, Gilmar Mendes, Luis Roberto Barroso e Edson Fachin.
A rapidez da tramitação, a definição do relator, e os primeiros votos antes que o ministro Luis Fux pedisse vista, paralisando a votação no plenário virtual, esse conjunto da obra está dando a impressão aos senadores de que tudo estava combinado entre eles. A ação foi distribuída por prevenção com base na suposta existência de conexão com a ADI nº 7.587, ajuizada pelo Partido Novo. No entanto, tais ADIs têm objetos distintos.
A própria AGU reconheceu nos autos da ADI nº 7.587 que a ação perdeu seu objeto em relação à reoneração. Para forçar uma prevenção, a AGU inseriu nesta nova ADI um pedido de declaração de constitucionalidade justamente daquelas disposições da MP que ainda estão em vigor. O correto seria a ação ter ido à livre distribuição, por sorteio, entre os 10 ministros da Corte, atendendo ao princípio do juiz natural. Só assim a sociedade teria certeza de que não foi “escolhido” um ministro para o julgamento do assunto.
A base da nova ADI, além do mais, é equivocada, pois não houve aprovação de novo benefício fiscal, não sendo, portanto, necessário indicar a proveniência do dinheiro, que já está previsto, pois a desoneração vigora há mais de 10 anos. O próprio STF, quando no governo Bolsonaro a AGU questionou a prorrogação da desoneração, discordou dessa tese, e o então ministro Ricardo Lewandowski não acolheu a liminar pleiteada.
Além disso, estudo dos impactos tributários durante a tramitação do projeto de lei que prorrogou a política de desoneração da folha de pagamentos dos diversos setores até 31/12/27 mostra que não há impacto financeiro na prorrogação. O impacto na arrecadação foi estimado em R$ 9,4 bilhões, mas o efeito positivo da desoneração é da ordem de R$ 10 bilhões, pelos mais de 600 mil empregos gerados em 2022 com arrecadação de tributos dos 17 setores desonerados. Portanto, não há fundamento para a declaração de inconstitucionalidade da desoneração.
O Congresso, através de seu presidente, Rodrigo Pacheco, entrou com um recurso no próprio Supremo, enquanto o julgamento está suspenso pelo pedido de vista do ministro Luis Fux. Ainda há tempo de evitar nova crise institucional, para que a atitude do governo não se confirme como uma afronta política ao parlamento.
A desigualdade, a pauta e o crescimento
Por Rolf Kuntz / O ESTADÃO DE SP
Ruim em qualquer país, a desigualdade econômica é trágica no Brasil, porque envolve baixa educação, subemprego ou desemprego, dificuldade de acesso a alimentos e até fome. Havia insegurança alimentar em 21,6 milhões de domicílios, 27,6% do total, no quarto trimestre do ano passado. A insegurança era grave em 4,1%, ou 3,2 milhões de domicílios. Assustador em outros países, um quadro como esse é especialmente preocupante no caso do Brasil, grande produtor de alimentos e uma das dez maiores economias do mundo, de acordo com o Fundo Monetário Internacional.
O cenário é melhor que o mostrado na pesquisa anterior, de 2017-2018, quando a insegurança foi observada em 36,7% dos domicílios, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas os dados contrastam com o tamanho da economia brasileira e com o vigor da agropecuária nacional. Não há escassez de terra nem de financiamento para lavouras e rebanhos. A oferta de comida tem sido suficiente, embora a política agrícola tenha regredido no período bolsonarista. Não há como negar a recente inflação dos alimentos, mas seria exagero falar de uma crise de abastecimento.
Os problemas da classe média mais vulnerável e dos grupos pobres decorrem mesmo, como em muitos outros períodos, das condições de emprego e da renda insuficiente. Vencida a pior fase da covid, a oferta de vagas cresceu e as possibilidades de ganho têm aumentado, mas a incerteza continua sombreando a economia. Crescem as estimativas de inflação, próximas de 3,8% em 2024, segundo o último boletim Focus. Também têm aumentado as projeções de crescimento econômico, mas sem se afastar muito dos 2% neste e nos três anos seguintes.
Com crescimento muito menor do que seria razoável num grande país emergente, as possibilidades de ampliação do emprego parecem limitadas. Também limitadas são as expectativas de elevação dos ganhos da maioria dos brasileiros. Até países bem mais desenvolvidos e, portanto, com tendência de expansão mais moderada têm avançado com mais dinamismo que o Brasil.
Sendo tão limitadas as perspectivas de expansão econômica, é difícil pensar em transformação significativa e duradoura das condições de vida. As transferências de renda promovidas pelo governo poderão, em tese, resultar em maior consumo, produção maior e maior avanço econômico, mas isso dependerá de maior investimento. Não há sinal, por enquanto, de entusiasmo empresarial suficiente para impulsionar com força a atividade produtiva.
Não basta, portanto, o governo desejar melhores condições de vida para a população menos abonada. Essa melhora só será duradoura se houver prolongada expansão da atividade, sustentada pelo aumento da produção, do emprego e dos ganhos familiares. O desemprego diminuiu no último ano, depois subiu ligeiramente e chegou a 7,8% no trimestre móvel encerrado em fevereiro, ficando abaixo da taxa registrada um ano antes (8,6%).
No último trimestre pesquisado, o rendimento médio dos trabalhadores ocupados chegou a R$ 3.110, com aumento real, isto é, descontada a inflação, de 4,3% sobre o valor computado um ano antes. Além do emprego, avançou também a remuneração do trabalho – e em ritmo superior ao do crescimento econômico. Nos 12 meses até fevereiro, o Produto Interno Bruto (PIB) acumulou expansão de 3%, segundo estimativa da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Se depender do crescimento econômico projetado para este ano e para os três seguintes, a desigualdade entre os brasileiros continuará elevada, embora possa diminuir, se o governo avançar no rumo adequado. Promover melhor distribuição de oportunidades e de renda tem sido um componente constante da retórica do PT e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Avanços duradouros dependerão de progressos também sustentáveis na criação de empregos, na educação e nos investimentos de grande efeito social, como, por exemplo, em saúde e em saneamento. Ações desse tipo são complicadas em seus aspectos técnicos e administrativos e, além disso, podem ser dificultadas por fatores políticos. A destinação de verbas depende do Congresso, e mesmo no Executivo a articulação de interesses pode ser desafiadora.
Apesar dos obstáculos, a inclusão da igualdade no topo da agenda governamental já é um dado especialmente positivo. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, valorizou esse objetivo ao dar tratamento especial a certos temas no projeto de regulamentação da reforma tributária. O projeto isenta de impostos uma cesta básica de consumo e determina devolução parcial de tributos pagos por famílias de baixa renda. O mesmo projeto eleva a tributação de bens considerados poluentes, como veículos, ou, de modo geral, prejudiciais à saúde, como cigarros e certas bebidas.
A reforma já seria muito positiva se apenas simplificasse os impostos. Mas poderá produzir ganhos mais significativos, se persistir a preocupação com seus efeitos concentradores ou distributivos. Mantidos esses objetivos, as transformações efetivas ainda vão depender das etapas de implantação. Mas já se pode computar como um ganho a preocupação efetiva com essas questões.
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JORNALISTA
Fracasso essencial
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
O IBGE informou que, em 2023, mais de 20 milhões de brasileiros viviam em domicílios que tinham dificuldade de acesso adequado à comida. Entre eles, 8,7 milhões moravam em domicílios com insegurança alimentar grave – a forma como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios e a boa literatura sobre o tema definem a situação de fome. Foi o primeiro dado sobre insegurança alimentar produzido pelo IBGE em cinco anos e, ao contrário do que sugere a constrangedora comemoração de auxiliares do presidente Lula da Silva, a fotografia estampada é vergonhosa: embora tenha exibido alguns números melhores quando comparados ao período 2017/2018, o País está pior do que estava dez anos atrás. Em 2013, eram 7,2 milhões de brasileiros vivendo em domicílios com grau de insegurança alimentar grave.
Ou seja, um dos maiores exportadores de alimentos do planeta, capaz de abastecer toda a sua população e alimentar centenas de milhões mundo afora, continua a submeter milhões de seus cidadãos à incerteza do que comer. Apesar de toda a bazófia lulopetista, não só não avançamos, como nos degradamos. A nova pesquisa mostrou que 27,6% das casas no País – onde moram mais de 64 milhões de pessoas – vivem com algum tipo de insegurança alimentar, porcentual menor do que os 36,7% de 2017/2018, mas superior aos 22,6% de 2013. A pesquisa classifica domicílios de acordo com a vulnerabilidade no acesso aos alimentos, tanto em quantidade suficiente como em qualidade adequada. Faz também a distinção entre adultos e crianças – ou seja, é insegurança alimentar “moderada” quando há redução da quantidade ou ruptura dos padrões de alimentação entre os adultos e “grave” quando atinge as crianças que residem no domicílio.
É inadmissível um país que aspira a ser respeitado pela comunidade internacional como potência econômica, geopolítica e ambiental permitir que haja entre seus cidadãos, um que seja, gente passando fome ou vivendo em insegurança alimentar. Além da tragédia humanitária óbvia, esse é um problema que macula a imagem do Brasil como nação digna. Mas há quem enxergue nos números divulgados agora um sinal de pujança, um bendito fruto assegurado pelo demiurgo Lula da Silva. “Os resultados são consequência direta do comando de Lula no seu discurso de posse. Um Brasil em que cada mulher, homem e criança possam tomar café, almoçar e jantar. (...) Um amplo conjunto de políticas (...) junto com a retomada do crescimento da economia”, vibrou Wellington Dias, ministro de Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, sem corar.
Tanto Dias quanto outros bajuladores se apressaram em comparar os números do IBGE a uma pesquisa divulgada em 2022, que apontou inacreditáveis 33 milhões de pessoas passando fome. Com padrões e metodologias distintos, a comparação junta alhos com bugalhos para converter o vergonhoso número trazido pelo IBGE em triunfo do lulopetismo. Não é. Ao contrário: basta recordar que as oscilações percebidas de 2013 para cá são fruto, em parte, dos dissabores produzidos por governos do PT, incluindo mais de dois anos de mandato da presidente Dilma Rousseff, cuja irresponsabilidade na condução da economia deixou sequelas graves por longos anos.
Em muitos países, os níveis de insegurança alimentar grave, moderada ou leve se dão pela indisponibilidade da oferta de alimentos, agravada pela pandemia de covid-19 e pelas mudanças climáticas. O problema brasileiro é de outra ordem: deriva, sobretudo, da renda baixa e incerta, da ausência de oportunidades de emprego, da falta de capacitação para os empregos existentes e das limitações de acesso a recursos produtivos. O que os artífices lulopetistas não conseguem compreender é que, ao trabalhar contra a responsabilidade fiscal e o controle rigoroso da inflação em favor da gastança estatal a título de “colocar o pobre no Orçamento”, eles penalizam justamente aqueles que estão em situação de miséria e insegurança alimentar, perpetuando esse círculo vicioso que tanto envergonha o Brasil.